A mensagem de Fátima para o nosso tempo

Em suas aparições, em Fátima, Nossa Senhora confiou aos três pastorinhos uma mensagem que se mantém atual para nós.

Em 1917, Nossa Senhora apareceu em Fátima a três crianças: Lúcia, Francisco e Jacinta, para revelar ao mundo uma mensagem significativa para aquela época, mas que não perdeu a sua importância em nossos dias. Em seu livro “Luz do mundo”, o Papa emérito Bento XVI disse que a mensagem de Fátima nos ajuda a “entender um momento crítico na história: aquele no qual se desencadeia toda a força do mal que se cristalizou nas grandes ditaduras e que, de outra maneira, age ainda hoje”1. Essas duas grandes ditaduras, o nazismo e o comunismo, que, juntas mataram centenas de milhões de pessoas, devastaram a Europa e a Ásia, e, depois da “queda”, espalharam seus erros por todo o mundo.

A resposta desafiadora a todos esses erros “não consiste em grandes ações políticas, mas, ultimamente, pode chegar somente da transformação dos corações. […] Nesse sentido, a mensagem de Fátima não está concluída, mesmo que as duas grandes ditaduras tenham desaparecido”2, pois permanece o sofrimento da Igreja, resta a ameaça às pessoas, que se faz presente não somente por meio da perseguição, da violência, da escravidão, da morte, como vemos no mundo islâmico e em países comunistas, mas também nas ideologias: relativismo, feminismo, ideologia de gênero, cultura de morte e tantos outros erros que corrompem as culturas e as sociedades pelo mundo todo.

Foto Ilustrativa: bpperry by Getty Imagens / cancaonova.com

As aparições de Fátima e a Penitência pela salvação das almas

Para fazer frente a todos esses males, mantém-se atual a resposta que nos foi dada na mensagem de Fátima, persiste a orientação que Maria nos revelou por intermédio de Lúcia, Francisco e Jacinta. Como profetizou a Santíssima Virgem, nosso tempo está marcado por grandes tribulações. Hoje, o poder das trevas ameaça pisotear a nossa fé de todas as formas possíveis. Por isso, em nossos dias, como outrora, são necessários os ensinamentos que a Mãe de Deus transmitiu aos três pastorinhos.

Na carta com o terceiro segredo de Fátima, revelado por Nossa Senhora aos pastorinhos, em 13 de julho de 1917, a Irmã Lúcia descreve uma visão extraordinária que nos ajuda a compreender a importância da penitência, especialmente para o nosso tempo: “(…) vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora, um pouco mais alto, um anjo com uma espada de fogo na mão esquerda; ao cintilar, despendia chamas que pareciam incendiar o mundo; mas se apagavam com o contato do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro. O anjo, apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência!”3

A palavra “penitência” aparece nada menos do que 57 vezes na “Documentação Crítica de Fátima”. Em suas aparições, Nossa Senhora recomendou insistentemente que todos fizessem penitência, inclusive as três crianças, videntes das aparições. Lúcia, Francisco e Jacinta fizeram duras penitências, principalmente pela conversão e salvação dos pecadores.

Entre as penitências que nos pediu a Virgem de Fátima, tem particular importância os sacrifícios. A palavra “sacrifício”, que aparece 38 vezes na Documentação, também é muito importante para compreender a Mensagem de Fátima. Na 4ª aparição, no dia 19 de agosto de 1917, Nossa Senhora deu uma ordem expressa aos pastorinhos: “Rezai, rezai muito, e fazei sacrifícios pelos pecadores”, dizia ela. “Muitas almas vão para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”4. Pois é um dos meios que a Virgem Maria nos revelou para afastar os males do mundo. Alguns sacrifícios foram ensinados pela própria Virgem, como rezar de joelhos, jejuns e abstinências. Mas outros foram as três crianças que tiveram a inspiração, como aconteceu certa vez, quando encontraram uma corda áspera no caminho por onde passavam. Os três pastorinhos tomaram a corda e repartiram para usar na cintura como um cilício 5, dia e noite.

Nossa Senhora e o Santo Rosário pela salvação dos pecadores

O Santo Rosário tem grande importância na mensagem de Fátima. O próprio título com o qual a Virgem Maria se apresentou revela a grande importância dessa oração mariana para a Igreja em nosso tempo. Nossa Senhora apresentou-se aos pastorinhos sob o título de “Senhora do Rosário”. Esse nome aparece por 121 vezes na Documentação das aparições. O termo “Rosário” aparece 282 vezes; e o nome “Nossa Senhora do Rosário”, 51 vezes no Documento.

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De fato, a própria Virgem pediu que Lúcia, Francisco e Jacinta rezassem o terço a Nossa Senhora do Rosário. Primeiramente, pelos próprios pecados, mas também e, principalmente, pela salvação dos pecadores. A devoção a Senhora do Rosário começou com a construção de uma capela dedicada a ela, na Cova da Iria, local das aparições. Com a crescente peregrinação dos fiéis e pelo manifesto desejo desses, foi erigida a Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que posteriormente foi elevada a Santuário.

Nossa Senhora pediu insistentemente que os pastorinhos rezassem o Rosário de modo particular para a salvação das almas do inferno. A princípio, as três crianças não levaram muito a sério o pedido da Virgem Maria. Rezavam rapidamente para ter mais tempo para as brincadeiras comuns às crianças de suas idades. Mas, em pouco tempo, passaram a rezar com grande fervor o Santo Terço, pois compreenderam a importância da oração do Rosário para a salvação das almas.

A reparação ao Imaculado Coração da Virgem Maria

Em 13 de junho de 1917, na segunda de suas aparições em Fátima, Nossa Senhora confiou uma missão especial a pequena Lúcia, justamente quando ela pediu para os levar os três para o céu. A Santíssima Virgem respondeu-lhe: “Sim. A Jacinta e o Francisco, levo-os em breve; mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação e serão queridas de Deus essas almas, como flores postas por mim a adornar o Seu trono”. “Fico cá sozinha?”, disse com tristeza. “Não, filha, eu nunca te deixarei, o meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”.6

Depois de ouvir essas palavras, Lúcia, Francisco e Jacinta viram a Virgem Maria com um coração na mão, cercado de espinhos. Os pastorinhos compreenderam que aquele era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que necessitava de reparação. Na aparição seguinte, no dia 13 de julho, a Santíssima Virgem repetiu as mesmas palavras e disse que voltaria para pedir a devoção reparadora dos primeiros sábados. Sete anos depois, no dia 10 de dezembro de 1925, em Pontevedra, na Espanha, foi revelado a Irmã Lúcia, na época postulante no Instituto de Santa Doroteia, a devoção reparadora dos cinco primeiros sábados. A princípio, a Irmã ficou perplexa e não quis expor o fato. Somente em dezembro de 1927, por ordem de seu confessor, Lúcia escreveu as palavras que lhe dirigiu a Santíssima Virgem: “Olha, minha filha, o meu coração cercado de espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de me consolar e dize que todos aqueles que, durante cinco meses, no primeiro sábado, confessarem-se, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço, e me fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de me desagravar, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”7.

A mensagem de Fátima como remédio contra os males do mundo atual

Assim, a mensagem de Fátima teve grande importância naquele momento histórico. No entanto, quase cem anos depois, a mensagem de Nossa Senhora mantém-se atual. Talvez, hoje, mais do que naquele tempo, as penitências serão remédios eficazes contra o mal, a busca desenfreada pelas coisas materiais, pelo prazer e poder. O Santo Rosário será uma “arma” contra o poder dos demônios. A devoção dos primeiros sábados, em reparação das ofensas contra o Imaculado Coração de Maria, será o caminho seguro de muitas almas para o Reino dos Céus.

Hoje, as grandes ditaduras permanecem agindo em nossos dias, por meio das ideologias, das falsas religiões, das lutas pelo poder e pelas riquezas. Em Fátima, a resposta que nos é dada a essas pela Virgem Maria não consiste em grandes ações políticas, mas na transformação dos corações através da penitência e do sacrifício, da oração do Santo Rosário e da devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Se ouvirmos os apelos de Jesus Cristo e da Virgem Maria, veremos, no Brasil e em todas as partes do mundo, aquilo que viu o Papa emérito Bento XVI: “Em Fátima, vi centenas de milhares de pessoas que, por meio daquilo que Maria havia confiado às crianças, neste mundo cheio de obstáculos e fechamentos, reencontram, de algum modo, o acesso a Deus”8. Esse nosso encontro com o Senhor será o grande triunfo profetizado pela Virgem Maria: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”9.

Nossa Senhora do Rosário de Fátima, rogai por nós!

Referências:
1 PAPA BENTO XVI. Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos, p. 197.
https://www.paulinas.org.br/loja/luz-do- mundo
2 Idem, ibidem.
3 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A mensagem de Fátima.
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html
4 PADRE PAULO RICARDO. O Milagre do Sol, “para que todos acreditem”.
https://padrepauloricardo.org/blog/o-milagre- do-sol- para-que- todos-acreditem
5 “O cilício é um objeto que se utiliza para incomodar a pele, podendo ser constituído por tecidos ásperos, sacos de estopa ou mesmo pequenos ferros que, longe de perfurar a pele, causam certo incômodo, sendo eficazes na mortificação do sentido do tato”. PADRE PAULO RICARDO. A Igreja ainda aprova o uso do cilício? https://padrepauloricardo.org/episodios/a-igreja- ainda-aprova- o-uso- do-cilicio
6 SANTUÁRIO DE FÁTIMA. Documentação Crítica de Fátima Seleção de documentos (1917-1930), p. 354. http://www.fatima.pt/files/upload/fontes/F001_DCF_selecao.pdf
7 Idem, ibidem.
8 PAPA BENTO XVI. Op. cit., p. 196.
9 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Op. cit.

Publicado em Formação Canção Nova.

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

Por Sto. Afonso Maria de Ligório.

INVOCAÇÃO A JESUS E MARIA

Ó Salvador do mundo, ó amante das almas, ó Senhor, o mais digno objeto de nosso amor, vós, por meio de vossa Paixão, viestes a conquistar os nossos corações, testemunhando-lhes o imenso afeto que lhes tendes, consumando uma redenção que a nós trouxe um mar de bênçãos e a vós um mar de penas e ignomínias. Foi por este motivo principalmente que instituístes o SS. Sacramento do altar, para que nos lembrássemos continuamente de vossa Paixão, como diz S. Tomás: ut autem tanti beneficii jugis in nobis maneret memoria, corpus suum in cibum fidelibus dereliquit (Opusc. 57). E já antes dele disse S. Paulo: Quotiescumque enim manducabitis panem hunc… mortem Domini annunciabitis (1Cor 11,26).

Como tais prodígios de amor já tendes conseguido que inúmeras almas santas, abrasadas nas chamas de vosso amor, renunciassem a todos os bens da terra, para se dedicarem exclusivamente a amar tão somente a vós, amabilíssimo Senhor. Fazei, pois, ó meu Jesus, que eu me recorde sempre de vossa Paixão e que, apesar de miserável pecador, vencido finalmente por tantas finezas de vosso amor, me resolva a amar-vos e a dar-vos com o meu pobre amor algumas provas de gratidão pelo excessivo amor que vós, meu Deus e meu Salvador, me tendes demonstrado.

Recordai-vos, ó Jesus meu, que eu sou uma daquelas vossas ovelhinhas, por cuja salvação viestes à terra sacrificar vossa vida divina. Eu sei que vós, depois de me terdes remido com vossa morte, não deixastes de me amar e ainda me consagrais o mesmo amor que tínheis ao morrer por mim na cruz. Não permitais que eu continue a viver ingrato para convosco, ó meu Deus, que tanto mereceis ser amado e tanto fizestes para ser de mim amado.

E vós, ó SS. Virgem Maria, que tivestes tão grande parte na Paixão de vosso Filho, impetrai-me pelos merecimentos de vossas dores a graça de experimentar um pouco daquela compaixão que sentistes na morte de Jesus e obtende-me uma centelha daquele amor, que constituiu o martírio de vosso coração tão compassivo.

Suplico-vos, Senhor Jesus Cristo, que a força de vosso amor, mais ardente que o fogo, e mais doce que o mel, absorva a minha alma, a fim de que eu morra por amor de vosso amor, ó vós que vos dignastes morrer por amor de meu amor. Amém.

FRUTOS QUE SE COLHEM NA MEDITAÇÃO DA PAIXÃO DE JESUS CRISTO.

INTRODUÇÃO.

1. O amante das almas, nosso amantíssimo Redentor, declarou que não teve outro fim, vindo à terra e fazendo-se homem, que acender o fogo do santo amor nos corações dos homens. “Eu vim trazer fogo à terra e que mais desejo senão que ele se acenda?” (Lc 12,49).

E, de fato, que belas chamas de caridade não acendeu ele em tantas almas, particularmente com os sofrimentos que teve de padecer na sua morte, a fim de patentear-nos o amor imenso que nos dedica! Oh! quantos corações, sentindo-se felizes nas chagas de Jesus, como em fornalhas ardentes de amor, se deixaram inflamar de tal modo por seu amor, que não recusaram consagrar-lhe os bens, a vida e a si mesmos inteiramente, vencendo corajosamente todas as dificuldades que se lhes deparavam na observância da Divina lei, por amor daquele Senhor que, sendo Deus, quis sofrer tanto por amor deles! Foi justamente este o conselho que nos deu o Apóstolo, para não desfalecermos mas até corrermos expeditamente no caminho do céu: “Considerai, pois, atentamente aquele que suportou tal contradição dos pecadores contra a sua pessoa, para que vos não fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12,3).

2. Por isso, S. Agostinho, ao contemplar Jesus todo chagado na cruz, orava afetuosamente:“Escrevei, Senhor, vossas chagas em meu coração, para que nelas eu leia a dor e o amor: a dor, para suportar por vós todas as dores; o amor, para desprezar por vós todos os amores”. Porque, tendo diante dos meus olhos a grande dor que vós, meu Deus, sofrestes por mim, sofrerei pacientemente todas as penas que tiver de suportar, e à vista do vosso amor, de que me destes prova na cruz, eu não amarei nem poderei amar senão a vós.

3. E de que fonte hauriram os santos o ânimo e a força para sofrer os tormentos, o martírio e a morte, senão dos tormentos de Jesus crucificado? S. José de Leonissa, capuchinho, vendo que queriam atá-lo com cordas para uma operação dolorosa que o cirurgião devia fazer-lhe, tomou nas mãos o seu crucifixo e disse: Cordas? Que cordas! Eis aqui os meus laços. Este Senhor pregado por meu amor com suas dores obriga-me a suportar qualquer tormento por seu amor.

E dessa maneira suportou a operação sem se queixar, olhando para Jesus, que “como um cordeiro se calou diante do tosquiador e não abriu a sua boca” (Is 53,7). Quem mais poderá dizer que padece injustamente vendo Jesus que “foi dilacerado por causa de nossos crimes?” Quem mais poderá recusar-se a obedecer, sob pretexto de qualquer incômodo, contemplando Jesus “feito obediente até à morte?” Quem poderá rejeitar as ignomínias, vendo Jesus tratado como louco, como reide burla, como malfeitor, esbofeteado, cuspido no rosto e suspenso num patíbulo infame?

4. Quem, pois, poderá amar um outro objeto além de Jesus, vendo-o morrer entre tantas dores e desprezos, a fim de conquistar o nosso amor? Um pio solitário rogava ao Senhor que lhe ensinasse o que deveria fazer para amá-lo perfeitamente. O Senhor revelou-lhe que, para chegar a seu perfeito amor, não havia exercício mais próprio que meditar frequentemente na sua Paixão.

Queixava-se S.Teresa amargamente de alguns livros, que lhe haviam ensinado a deixar de meditar na Paixão de Jesus Cristo, porque isto poderia servir de impedimento à contemplação da divindade. Pelo que a santa exclamava: “Ó Senhor de minha alma, ó meu bem, Jesus Crucificado, não posso recordar-me dessa opinião sem me julgar culpada de uma grande infidelidade. Pois seria então possível que vós, Senhor, fôsseis um impedimento para um bem maior? E donde me vieram todos os bens senão de vós?”

E em seguida ajuntava: “Eu vi que, para contentar a Deus e para que nos conceda grandes graças, ele quer que tudo passe pelas mãos dessa humanidade sacratíssima, na qual se compraz sua divina majestade”.

5. Por isso dizia o Padre Baltasar Álvarez que o desconhecimento dos tesouros que possuímos em Jesus é a ruína dos cristãos, sendo por essa razão a Paixão de Jesus Cristo sua meditação preferida e mais usada, considerando em Jesus especialmente três de seus tormentos: a pobreza, o desprezo e as dores, e exortava os seus penitentes a meditar frequentemente na Paixão do Redentor, afirmando que não julgassem ter feito progresso algum se não chegassem a ter sempre impresso no coração a Jesus crucificado.

6. Ensina S. Boaventura que quem quiser crescer sempre de virtude em virtude, de graça em graça, medita sempre Jesus na sua Paixão. E ajunta que não há exercício mais útil para fazer santa uma alma do que considerar assiduamente os sofrimentos de Jesus Cristo.

7. Além disso afirmava S. Agostinho (ap. Bern. de Bustis) que vale mais uma só lágrima derramada em recordação da Paixão de Jesus, que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água. E na verdade, porque vosso amante Salvador padeceu tanto senão para que nisso pensássemos e pensando nos inflamássemos no amor para com ele? “A caridade de Cristo nos constrange”, diz S. Paulo (2Cor 5,14).

Jesus é amado por poucos, porque poucos são os que meditam nas penas que por nós sofreu; que, porém, as medita a miúdo, não poderá viver sem amar a Jesus: sentir-se-á de tal maneira constrangido por seu amor que não lhe será possível resistir e deixar de amar a um Deus tão amante e que tanto sofreu para se fazer amar.

8. Essa é a razão por que dizia o Apóstolo que não queria saber outra coisa senão Jesus e Jesus Crucificado, isto é, o amor que ele nos testemunhou na cruz. “Não julgueis que eu sabia alguma coisa entre vós senão a Jesus Cristo e este crucificado (1Cor 2,2). E na verdade, em que livros poderíamos aprender melhor a ciência dos santos (que é a ciência de amar a Deus) do que em Jesus Crucificado?

O grande servo de Deus, Frei Bernardo de Corleone, capuchinho, não sabendo ler, queriam seus confrades ensinar-lhe. Ele, porém, foi primeiro aconselhar-se com seu crucifixo e Jesus respondeu-lhe da cruz: “Que livro! Que ler! eu sou o teu livro, no qual poderás sempre ler o amor que eu te consagro!” Oh! que grande assunto de meditação para toda a vida e para toda a eternidade: um Deus morto por meu amor!

9. Visitando uma vez S.Tomás d’Aquino a S. Boaventura, perguntou-lhe de que livro se havia servido para escrever tão belas coisas que havia publicado. S. Boaventura mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado, toda enegrecida pelos muitos beijos que lhe imprimira, dizendo-lhe: “Eis o meu livro, donde tiro tudo o que escreve; ele ensinou-me o pouco que eu sei”. Todos os santos aprenderam a arte de amar a Deus no estudo do crucifixo. Fr. João de Alvérnia, todas as vezes que contemplava Jesus coberto de chagas, não podia conter a lágrimas. Fr.Tiago de Todi, ouvindo ler a Paixão do Redentor, não só derramava abundantes lágrimas, mas prorrompia em soluços, oprimido pelo amor de que se sentia abrasado por seu amado Senhor.

10. S. Francisco fez-se aquele grande serafim pelo doce estudo do crucifixo. Chorava tanto ao meditar os sofrimentos de Jesus Cristo, que perdeu quase totalmente a vista. Uma vez encontraram-no chorando em altas vozes e perguntaram-lhe a razão. “O que eu tenho? Respondeu o santo, eu choro por causa dos sofrimentos e das afrontas ocasionadas ao meu Senhor e minha pena cresce e aumenta vendo a ingratidão dos homens que não o amam e dele se esquecem”.

Todas as vezes que ouvia balar um cordeiro, sentia grande compaixão, pensando na morte de Jesus, Cordeiro imaculado, sacrificado na cruz pelos pecados do mundo. Por isso, esse grande amante de Jesus nada recomendava com tanta solicitude a seus irmãos como a meditação constante da Paixão de Jesus.

11. Eis, portanto, o livro, Jesus Crucificado, que, se for constantemente lido por nós, também nós aprenderemos de um lado temer o pecado e doutro nos abrasaremos em amor por um Deus tão amante, lendo em suas chagas a malícia do pecado que reduziu um Deus a sofrer uma morte tão amarga para por nós satisfazer a justiça divina e o amor que nos manifestou o Salvador, querendo sofrer tanto para nos fazer compreender o quanto nos amava.

12. Supliquemos à divina Mãe Maria, que nos obtenha de seu Filho a graça de entrarmos nessa fornalha de amor onde ardem tantos corações para que aí sejam destruídos nossos afetos terrenos e possamos nos abrasar naquelas chamas bem-aventuradas que fazem as almas santas na terra e bem-aventuradas no céu.

Publicado em A Obra do Divino Espírito Santo.

À escuta de Deus

Uma das mais simples e talvez mais frequentes definições de oração é: «Rezar é falar com Deus». Sendo totalmente verdadeira esta afirmação, ela não deixa, no entanto, de levantar algumas dificuldades a essa mesma oração. A dificuldade está em, muitas vezes, não se saber o que dizer e como o dizer, exatamente porque o interlocutor é Deus. Ora se é verdade que rezar é falar com Deus, também é verdade que, nessa conversa, a iniciativa é sempre de Deus. É sempre o Senhor a ter a primeira palavra. É Ele quem inicia o diálogo e, por isso, da nossa parte, a primeira atitude não deverá ser a de falarmos, mas a de nos colocarmos na sua presença, procurando escutar o que Ele nos quer dizer. Se assim fizermos, perceberemos como a oração é habitualmente mais fácil do que aquilo que imaginamos.

Escutar torna-se, assim, naturalmente, o primeiro degrau de um diálogo com Deus que queremos que aconteça em cada dia das nossas vidas. Se pensarmos um pouco, veremos que é o que ocorre em qualquer conversa. Para poder saber o que uma pessoa diz, tenho que a escutar. Apesar de ser natural, escutar nem sempre é fácil. Com frequência, estamos viciados em tomar a iniciativa, em partir de nós, em fazer do nosso eu o centro do mundo. Escutar vai exigir-nos uma deslocação de nós para o outro. Deixamos de ser o centro para passar a ser o outro, aquele com quem queremos dialogar. Este sair de nós é sempre, em maior ou menor medida, um morrer para nós próprios. E por isso, tantas vezes, o querer rezar e o rezar se nos afiguram realmente difíceis.

Daqui e pela mesma razão advém também uma das dificuldades em fazer silêncio. Habitualmente, quando pensamos em silêncio, pensamos antes de mais em estar calados. E isso, num mundo e numa cultura que privilegia o ruído e em que todos têm que falar, dificulta muito uma verdadeira atitude de escuta, um silêncio suscitado pelo gosto de escutar o outro. Confundimos silêncio com mutismo e então o silêncio e a atitude de escuta, em lugar de se tornarem facilitadores da oração, erguem-se como obstáculos.

Temos que ir aprendendo a estar em silêncio, a escutar. Não ter medo de nos deslocarmos sem ter de levar conosco um leitor de mp3 ou algo que nos ocupe a atenção. Aceitar que os sons interiores e exteriores nos toquem, nos perturbem, inclusivamente nos incomodem, é um passo importante para nos começarmos a abrir, no nosso dia a dia, a um Deus que fala, como nos diz a Sagrada Escritura.

Um Deus que fala

O falar de Deus é também, muitas vezes, uma dificuldade. Como é que Ele fala? O que nos diz? Estas questões são suscitadas exatamente pelo interesse que temos em escutar a Deus e saber o que Ele quer para a nossa vida. Por outro lado, com alguma frequência, nos nossos dias, ouvimos relatos de pessoas que dizem ter falado com Deus e, sobretudo, que Deus fala com elas, transmitindo-nos a impressão, errada, de que Deus fala conosco da mesma forma que nós falamos uns com os outros.

Como nos recorda a carta aos Hebreus: «Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a Quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de Quem fez o mundo» (Heb 1, 1-2). O falar de Deus acontece, sobretudo e primordialmente, em Jesus Cristo. É n’Ele que nós vemos Deus a falar ao nosso modo. O próprio Jesus dirá: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).

O falar de uma maneira humana em tudo igual a nós, com sujeito, predicado e complemento direto, de facto, aconteceu em Jesus Cristo. Desde que Ele regressou ao Pai, porém, o falar de Deus já não é dessa forma mas pelo Espírito Santo, que fala com acontecimentos e nos acontecimentos da nossa vida. Esta forma de falar, já não direta e articulada mas velada, obriga-nos a ter que contrariar a nossa tentação, tão atual, de querer ver tudo clara e imediatamente.

Teremos de aceitar a dificuldade em não entender logo o que Deus nos diz, como entendemos aquelas pessoas com quem diariamente nos cruzamos e com quem falamos. Somos, no entanto, chamados a estar atentos ao que em nós acontece, sentimentos, desejos, sonhos, projetos, e aonde somos levados pelo impacto que esses acontecimentos provocam quando os escutamos no mais profundo de nós.

Sérgio Diz Nunes, sj

Publicado em Passo a Rezar.

Nossa Senhora de Lourdes: Dia Mundial do Enfermo

A memória litúrgica de hoje recorda as aparições da Virgem Maria em Lourdes, iniciadas em 11 de fevereiro de 1858. A protagonista deste acontecimento foi uma menina, chamada Bernadete de Soubirous, que, hoje, se encontra na lista dos Santos. Nossa Senhora apareceu-lhe 18 vezes, perto de uma gruta, às margens do rio Gave.

Os detalhes desta aparição foram reunidos pela Comissão diocesana, encarregada de examinar os fatos. No entanto, sabemos que Bernadete estava às margens do rio, com suas companheiras, quando percebeu uma espécie de “rajada de vento”, proveniente de uma gruta. Aproximando-se, viu que as folhas das árvores estavam imóveis. Enquanto tentava entender, ouviu um segundo “ruído” e viu uma figura branca que se parecia com uma senhora. Temendo que fosse uma alucinação, esfregou os olhos, mas a figura continuava sempre ali. Sem saber o que fazer, tirou o terço do bolso e começou a rezar: a Virgem juntou-se à sua oração. No grupo das suas companheiras, estava também sua irmã, que lhe confiou o que havia acontecido. Ao chegar à sua casa, a menina contou o que aconteceu à mãe, que a proibiu de voltar lá. A notícia espalhou-se logo pela cidadezinha. Mas, no dia 14 de fevereiro, Bernadete voltou novamente àquele lugar, com umas amigas e aconteceu a segunda aparição.

Convite a voltar por 15 dias

Em 18 de fevereiro, a menina teve outra aparição, mas, na ocasião, a Virgem pediu que ela voltasse ali por 15 dias consecutivos. No dia 25, a “Senhora” convidou Bernadete a comer grama, fazer penitência e cavar com as mãos para encontrar água.

“Eu sou a Imaculada Conceição”

Em 25 de março, a pedido de Bernadete, a Virgem se apresentou como a Imaculada Conceição. Este Dogma de fé foi promulgado pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854.

Aparições

As aparições duraram desde 11 de fevereiro até 16 de julho, em períodos diferentes: 11, 14, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 27, 28 de fevereiro de 1958; 1, 2, 3, 4 e 25 de março; 7 de abril e 16 de julho. As aparições foram reconhecidas, oficialmente, pelo Bispo de Tarbes, em 18 de janeiro de 1862.

Santuário dos enfermos

A fama de Lourdes não é tanto devido às aparições em si, quanto à mensagem de esperança para a humanidade, que sofre física e espiritualmente. Por isso, Lourdes é conhecida como o lugar que acolhe os enfermos no corpo e no espírito. Por intercessão da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, encontram paz, saúde e serenidade: uma equipe médica autônoma reconheceu 70 curas físicas e muitas conversões.

“Naquele tempo, celebravam-se as Bodas em Caná da Galileia e achava-se ali a mãe de Jesus. Foram também convidados Jesus e seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles já não têm mais vinho”. Respondeu-lhe Jesus: “Mulher, isso cabe a nós? Ainda não chegou a minha hora”. Disse, então, sua mãe aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ora, havia ali ânforas de pedra para a purificação dos Judeus, que continham duas ou três medidas (de 80 a 120 litros). Então, Jesus lhes ordenou: “Enchei as ânforas de água”. Eles as encheram até à boca. E disse-lhes depois: “Agora, levai-as ao chefe dos serventes”. E as levaram. Quando o chefe dos serventes tomou a água, que se tornou vinho, sem saber de onde vinha – embora os serventes soubessem, pois as tinham enchido de água -, chamou o noivo e disse-lhe: “É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estiverem quase embriagados, servir o menos bom. Mas, tu guardaste o vinho melhor até agora”. Este foi o primeiro milagre de Jesus, realizado em Caná da Galileia. Ele manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (Jo 2,1-11).

Caná e Lourdes

Neste contexto, podemos compreender o significado da memória de hoje: a Virgem Maria é a que, ainda hoje, continua a interceder pelos seus filhos, muito mais pelos frágeis e enfermos, de corpo e espírito, para que confiem em Jesus, Senhor e Salvador, o único que pode transformar a água em vinho, ou seja, transformar toda fadiga em alegria, o em esperança, a enfermidade em uma confiança renovada.

Dia Mundial do Enfermo

A mensagem das Bodas de Caná e a de Lourdes leva-nos a entender melhor porque, em 1992 São João Paulo II quis proclamar o “Dia Mundial do Enfermo” neste dia: no fundo, por meio de Lourdes, reafirma-se que todo enfermo ou qualquer doente, jamais pode ser descartado; pelo contrário, precisa adquirir a plena cidadania no âmbito da sua existência.

Fonte: Vatican News

Publicado em Consolata América (Instituto Missões Consolata)

Qual é a razão da tua esperança?

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que a esperança é a “virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna”[1]. Na sua Encíclia Spe Salvi, o Papa Emérito Bento XVI apresenta a esperança como uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens intercambiar os termos ‘fé’ e ‘esperança[2].

É sob a luz da Encíclica de Bento XVI que meditaremos sobre a esperança cristã. O documento apresenta uma estrutura muito simples: a primeira questão (2,15) evidencia o nexo entre fé e esperança; a segunda (16-23) afronta a problemática da redução da esperança na idade moderna em fé no progresso da ciência e da política. Na parte central (24-31), o Papa propõe a verdadeira fisionomia da esperança cristã, revisitando na parte conclusiva três lugares de aprendizado e exercício da mesma: 1) a oração (32-34), descrita como exercício quotidiano do desejo, no dilatar-se dia após dia, das exigências estruturais do coração; 2) a ação e em particular o sofrimento do homem (35-40), que não é obstáculo, ameaça ou privação da exigência de felicidade inerente em cada um, mas ponto privilegiado para participar do drama do mundo; 3) o Juízo final, antecipado quotidianamente no drama do homem entre justiça e misericórdia diante do enigma do mal e do pecado (41-48); por fim, apresenta Maria como estrela de esperança, porque pelo seu sim abriu ao próprio Deus a porta do nosso mundo, e se tornou a Arca da Aliança viva, onde Deus se fez carne, tornou-se um de nós e estabeleceu a sua tenda no meio de nós (49-50).

Esperança e salvação

A questão do nexo decisivo entre fé e esperança é apresentada, antes de tudo, em uma prospectiva histórica. No paganismo – no qual a esperança é desconhecida e os falsos deuses são adorados – os homens encontram-se num mundo escuro e diante de um futuro obscuro. Com o advento do cristianismo, entra na história um anúncio extraordinário: o homem não está destinado a cair no nada, o homem que encontra Cristo tem um futuro, a vida não termina no vazio. Bento XVI declara que o anúncio cristão é, portanto, “performativo”:

“Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente. Sendo assim, podemos agora dizer: o cristianismo não era apenas uma ‘boa nova’, ou seja, uma comunicação de conteúdos até então ignorados. Em linguagem atual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só ‘informativa’, mas ‘performativa’. Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova.” (n. 2)

Desta forma, fica claro o nexo entre esperança e salvação. Compreendemos assim que a salvação não é algo produzido por nós, mas nos é oferecida, exatamente porque a esperança nos foi doada. O cristianismo é um encontro com Cristo, com o Deus vivente, “que transforma a partir de dentro a vida e o mundo” (n. 4). A nossa esperança e o nosso modo de olhar o futuro estão todos apoiados sobre esta Presença. A fé é um encontro real com este Deus, é o reconhecimento desta Presença sobre a qual posso apoiar todo o passo para o futuro. Os ritos e mitos pagãos não tinham condições de mudar a existência humana, cada um representava uma força cósmica, no campo do não real. O cristianismo apresenta, ao contrário, um Deus pessoal e, com Ele, uma nova prospectiva:

“Não são os elementos e as leis do cosmo que governam o mundo e o homem, mas um Deus pessoal (…). A vida não é um simples produto das leis da casualidade da matéria, mas em tudo e contemporaneamente acima de tudo tem uma vontade pessoal, tem um Espírito que em Jesus se revelou como Amor.” (n. 5)

É perceptível como no nosso tempo esta realidade revolucionária e causa de grande libertação nos primeiros séculos perdeu o seu vigor. Perguntamo-nos o porquê? Como resposta o papa introduz uma questão exegética em torno de Hb 11,1: “A fé é hypostasis das coisas que se esperam e prova das coisas que não se veem”, onde hypostasis significa fundamento (substantia), aquilo que está embaixo. Para os Padres da Igreja e para os teólogos da Idade Média, estava claro que a fé na pessoa de Jesus Cristo era a “substância”, a consistência última de todas as coisas que se espera.

O Papa cita S. Tomás de Aquino e observa que a fé é um “habitus”, “uma predisposição constante do espírito, em virtude do qual a vida eterna tem início em nós e a razão é levada a consentir naquilo que não vê” (n. 7). Esta presença daquilo que virá cria a certeza. A fé é realmente um olhar novo sobre as coisas, por força de uma realidade presente, Cristo. A tradução errada – feita por Lutero – do termo “hypostasis” (substantia), não no seu sentido original, objetivo, qual realidade presente em nós, mas em sentido subjetivo, de “permanecer firmes”, passa a conceber a fé não mais como realidade (substantia), mas como uma qualidade moral; a fé deixa de ser um dado de fato, uma prova, e passa a ser uma mera disposição do sujeito.

Razão e liberdade

O mundo hodierno vive uma crise de esperança e daquela dimensão cósmica da esperança, porque a esperança nos une aos outros, precisamente porque esperar não pode ser somente para mim. A redução da fé ao campo subjetivo restringe o desejo ao horizonte limitado do indivíduo solitário.

Se perdermos a referência segura da nossa fé/esperança, se falta algo seguro no presente, no qual possamos nos apoiar, procuraremos apoio nas inseguranças. Dessa forma, os homens do nosso tempo têm caminhado em percursos ilusórios, não porque negativos em si mesmos, mas porque têm a pretensão de substituir a via para o verdadeiro conhecimento e felicidade. Assim, chega-se a absolutizar a ciência e a política: a razão é reduzida à razão científica e a liberdade à autonomia de escolha e ao poder.

“No que diz respeito aos dois grandes temas ‘razão’ e ‘liberdade’, aqui é possível apenas acenar às questões relacionadas com eles. Sem dúvida, a razão é o grande dom de Deus ao homem, e a vitória da razão sobre a irracionalidade é também um objetivo da fé cristã. Mas, quando é que a razão domina verdadeiramente? Quando se separou de Deus? Quando ficou cega a Deus? A razão inteira reduz-se à razão do poder e do fazer? Se o progresso, para ser digno deste nome necessita do crescimento moral da humanidade, então a razão do poder e do fazer deve de igual modo urgentemente ser integrada mediante a abertura da razão às forças salvíficas da fé, ao discernimento entre o bem e o mal. Somente assim é que se torna uma razão verdadeiramente humana. Torna-se humana apenas se for capaz de indicar o caminho à vontade, e só é capaz disso se olhar para além de si própria. Caso contrário, a situação do homem, devido à discrepância entre a capacidade material e a falta de juízo do coração, torna-se uma ameaça para ele e para a criação” (n. 23).

Verdadeira esperança

Somente o amor redime o homem. Já a experiência de amor humano dá ao homem um sentido novo à sua vida, mas o amor humano é frágil e pode ser destruído com a morte; somente o amor de Deus, amor incondicionado, que “nem a morte nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá destruir” (cf. Rm 8,38-39).

Neste sentido, é verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2,12). A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus, o Deus que nos amou e ama ainda agora, “até ao fim”, “até à plena consumação” (cf. Jo13,1 e 19,30).

Quem é atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a “vida”. Começa a intuir o significado da palavra de esperança que encontramos no rito do Batismo: da fé espero a “vida eterna” – a vida verdadeira que, inteiramente e sem ameaças, em toda a sua plenitude é simplesmente vida. Jesus, que disse de Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude, em abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa “vida”: “A vida eterna consiste nisto: que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17,3). A vida, no verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria vida e o próprio amor, então estamos na vida. Então “vivemos” (n. 27).

DESTAQUES:

“Compreendemos assim que a salvação não é algo produzido por nós, mas nos é oferecida, exatamente porque a esperança nos foi doada.”

“A fé é realmente um olhar novo sobre as coisas, por força de uma realidade presente, Cristo.”

“Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria vida e o próprio amor, então estamos na vida. Então ‘vivemos.’”

[1] Catecismo da Igreja Católica, 1817.

[2] Cf. BENTO XVI, Carta Encíclica Spe Salvi, n. 2.

Josefa Alves
Missionária da Comunidade Católica Shalom em Aquiraz/CE

Publicado em comshalom.

“Moradas da alma”: as etapas da vida mística segundo Santa Teresa

No final da sua viagem espiritual, Santa Teresa de Jesus escreveu o livro das Moradas, no qual compara a nossa alma – o lar de Deus – com um castelo. As primeiras moradas correspondem à entrada na vida espiritual e são o fundamento de todas as posteriores.

Santa Teresa de Jesus, também conhecida como Santa Teresa de Ávila, apoia-se principalmente em quatro citações bíblicas:

“Na casa do meu Pai há muitas moradas” (João 14,2) – esta passagem, segundo a santa, evoca o “castelo interior”.

“Quem me ama guardará a minha palavra; meu Pai o amará e viremos a ele e nele faremos a nossa morada” (João 14,23) – um resumo do itinerário espiritual que ela explica.

“Minhas delícias estão nos filhos dos homens” (Provérbios 8,31) – mostra que nós somos o paraíso de Deus.

“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1,26) – a mostra de que fomos criados para amar como Deus ama, porque Deus é amor. A vontade de Deus é que nós nos amemos como Ele nos ama.

A primeira morada é o portal de entrada na vida espiritual

Nós o cruzamos mediante a decisão de buscar a Deus em nós, apoiando-nos n’Ele, já que a pior das misérias, para Santa Teresa de Jesus, é viver sem Deus e até imaginar que podemos fazer o bem sem Deus.

Os quatro frutos da primeira morada, que amadurecerão ao longo do nosso caminho espiritual, são a liberdade, a humildade, o desprendimento e, acima de tudo, a caridade, que é o fim e a culminação.

A segunda, terceira e quarta moradas permitirão aprofundar na vida espiritual entendida como caminho rumo a Deus, como busca de Deus e participação progressiva na vida divina.

Este dom é gratuito, mas temos que estar determinados a recebê-lo e fazer desse recebimento o centro da nossa vida, purificando, assim, o lugar de nós onde habita Deus.

É Deus quem nos faz passar de uma morada à outra, quando quer e da forma que quer.

A segunda morada diz respeito à purificação da nossa relação com o mundo

A arma utilizada para triunfar aqui é a fé em Cristo e a confiança na Sua vinda para nos libertar (cf. Gálatas 5,1).

A terceira morada está ligada ao esclarecimento da relação com nós mesmos

Corremos o risco de ser como aquele jovem rico que teve um bom começo, mas que termina todo triste.

O desafio desta terceira morada é reconhecer-nos como um “servo qualquer”, que recebe tudo de Deus.

A quarta morada aprofunda a nossa relação com Deus

Uma grande paz vai se instaurando progressivamente nas profundidades da nossa alma. A confiança, a humildade e a gratidão são realidades que vão sendo vividas cada vez mais profundamente.

A entrada na quinta morada marca uma transição

Não passamos da quarta à quinta da mesma forma que tínhamos passado da segunda à terceira ou da terceira à quarta.

Consideramos a nossa vida não tanto como um caminho rumo a Deus, mas experimentamos Deus vivendo em nós, como explica a frase de São Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim!” (Gálatas 2,20).

O desejo de amar é mais intenso; ao receber uma vida nova, perdemos os nossos antigos pontos de referência e as nossas seguranças habituais.

A sexta morada consiste nos “compromissos espirituais”

Há uma alternância de sofrimentos ligados ao sentimento de ausência de Deus e a experiências muito profundas da presença de Cristo. Aqui intervém uma dilatação ainda mais profunda do coração e do desejo de Deus.

A arma utilizada aqui é sempre a volta à santa humanidade de Cristo: Jesus se une a nós em nossa debilidade humana para transformá-la, para revitalizar o nosso desejo de amar em comunhão com Ele.

A sétima morada, enfim, é o ponto de culminação definido pela união com Deus no “matrimônio espiritual”

Este matrimônio espiritual foi concedido a Santa Teresa de Jesus em 18 de novembro de 1572.

A união com Deus é uma participação profunda no desejo de Deus de salvar todas as pessoas.

Através do matrimônio espiritual, tudo fica transformado e se recebe um renovado desejo de viver assumindo a própria condição e os próprios compromissos terrenos de maneira ainda mais concreta e sem fugir da realidade.

Fonte: Aleteia

Publicado em Província Carmelitana Fluminense da Ordem do Carmo.

Leitura espiritual do poema “Nada te perturbe”

Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista “Teresa de Jesús”, n. 109

Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo…

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, “Louva, minh’alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome”.

Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe”…

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O “nada te perturbe” é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o “tu”. Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: “… filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe deem contento as minhas.” A Teresa, trata-a com o “tu” a voz interior: “Teresa, não tenhas medo”; “não te metas nisso”, etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do “tuteio”.

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: “tu, alma minha, por que estás triste?”

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do “castelo de sua alma”, não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: “Teresa, que nada te perturbe”.

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: “Não tenhas medo, Teresa”. Referendado pelo tremendo “Eu sou” da Bíblia. Exatamente estas três palavras: “Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei” (Vida 25,18).

Esse “não tenhas medo, filha” não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: “Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada… Oh, que bom Deus!” (ib).

Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: “a ti, leitor, que nada te perturbe”… ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe! ‘Eu sou’ está contigo!”

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso – nada te perturbe – é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: “Que o vosso coração não se perturbe” (Jo. 14,1).

O segundo verso – “nada te espante”: não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, “espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus” (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: “Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!” (Jo. 6,63).

O verso “tudo passa”, que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: “passa este mundo” (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: “céu e terra passarão” (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus – “minhas palavras não passarão” -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

“Deus não muda”. Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade (“ele é amigo verdadeiro”) contrasta com a versatilidade das amizades humanas: “Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais…, que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia” (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

“A paciência tudo alcança”… Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: “com vossa paciência possuireis vossa vida” (Lc. 21,19). O versículo final – “só Deus basta” – é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do “só Deus” de São Bernardo ou do irmão Rafael. “A sós com O só” será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: “nada lhe falta / só Deus basta”. Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: “tudo passa – tudo alcança”.

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos – nadas – só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: “Só Deus!” e ponto O “só Deus” e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.

Rose Lemos (Ordem Carmelita Descalça Secular – OCDS)

Publicado em Lugar de Partilha.

Hoje a Igreja celebra a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

REDAÇÃO CENTRAL, 01 Jan. 23 / 12:01 am (ACI).- A solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus (Theotokos) é a mais antiga que se conhece no Ocidente. Nas Catacumbas ou antiquíssimos subterrâneos de Roma, onde se reuniam os primeiros cristãos para celebrar a Santa Missa, encontram-se pinturas com esta inscrição.

Segundo um antigo testemunho escrito no século III, os cristãos do Egito se dirigiam a Maria com a seguinte oração: “Sob seu amparo nos acolhemos, Santa Mãe de Deus: não desprezeis a oração de seus filhos necessitados; livra-nos de todo perigo, oh sempre Virgem gloriosa e bendita” (Liturgia das Horas).

No século IV, o termo Theotokos era usado frequentemente no Oriente e Ocidente porque já fazia parte do patrimônio da fé da Igreja.

Entretanto, no século V, o herege Nestório se atreveu a dizer que Maria não era Mãe de Deus, afirmando: “Então Deus tem uma mãe? Pois então não condenemos a mitologia grega, que atribui uma mãe aos deuses”.

Nestório havia caído em um engano devido a sua dificuldade para admitir a unidade da pessoa de Cristo e sua interpretação errônea da distinção entre as duas naturezas – divina e humana – presentes Nele.

Os bispos, por sua parte, reunidos no Concílio de Éfeso (ano 431), afirmaram a subsistência da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do Filho. Por sua vez, declararam: “A Virgem Maria sim é Mãe de Deus porque seu Filho, Cristo, é Deus”.

Logo, acompanhados pelo povo e levando tochas acesas, fizeram uma grande procissão cantando: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém”.

São João Paulo II, em novembro de 1996, refletiu sobre as objeções expostas por Nestório para que se compreenda melhor o título “Maria, Mãe de Deus”.

“A expressão Theotokos, que literalmente significa ‘aquela que gerou Deus’, à primeira vista pode resultar surpreendente; suscita, com efeito, a questão sobre como é possível que uma criatura humana gere Deus. A resposta da fé da Igreja é clara: a maternidade divina de Maria refere-se só a geração humana do Filho de Deus e não, ao contrário, à sua geração divina”, disse o papa.

“O Filho de Deus foi desde sempre gerado por Deus Pai e é-Lhe consubstancial. Nesta geração eterna Maria não desempenha, evidentemente, nenhum papel. O Filho de Deus, porém, há dois mil anos, assumiu a nossa natureza humana e foi então concebido e dado à luz por Maria”, acrescentou.

Do mesmo modo, afirmou que a maternidade da Maria “não se refere a toda a Trindade, mas unicamente à segunda Pessoa, ao Filho que, ao encarnar-se, assumiu dela a natureza humana”. Além disso, “uma mãe não é Mãe apenas do corpo ou da criatura física saída do seu seio, mas da pessoa que ela gera”, disse são João Paulo II.

Por fim, é importante recordar que Maria não é só Mãe de Deus, mas também nossa porque assim quis Jesus Cristo na cruz, quando a confiou a São João. Por isso, ao começar o novo ano, peçamos a Maria que nos ajude a ser cada vez mais como seu Filho e iniciemos o ano saudando a Virgem Maria.

Saudação à Mãe de Deus

Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima,
Mãe de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja,
eleita pelo santíssimo Pai celestial,
que vos consagrou por seu santíssimo
e dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito!
Em vós residiu e reside toda a plenitude
da graça e todo o bem!
Salve, ó palácio do Senhor! Salve,
ó tabernáculo do Senhor!
Salve, ó morada do Senhor!
Salve, ó manto do Senhor!
Salve, ó serva do Senhor!
Salve, ó Mãe do Senhor,
e salve vós todas, ó santas virtudes
derramadas, pela graça e iluminação
do Espírito Santo,
nos corações dos fiéis
transformando-os de infiéis
em servos fiéis de Deus!

Publicado em ACI Digital.

Festa da Imaculada Conceição de Maria: origens e significados

SOLENIDADE – 8 DE DEZEMBRO

A Imaculada Conceição de Maria por Antonio Cavallucci (1790)
A Imaculada Conceição de Maria por Antonio Cavallucci (1790)

Neste dia de preceito, rogamos a nossa Mãe do Céu pelas almas e pelas intenções de todos os nossos leitores, irmãos em Cristo e amigos, para que interceda por nós junto a seu Filho e Nosso Senhor:

Ó Maria, Concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós!

Estamos diante de um mistério; diante de um fato que excede nossa inteligência humana. Sim, o mistério não contradiz a razão humana, mas a excede.

O privilégio da Imaculada Conceição não se refere ao fato de Maria de Nazaré ter sido virgem antes, durante e depois do parto de Jesus. Não se refere ao fato de ter ela concebido o Filho sem concurso de homem, mas por Obra e Graça do Espírito Santo. Não se refere ao fato de Maria não ter cometido nenhum dos pecados que para nós são, – lamentavelmente, corriqueiros. – Refere-se, isto, sim, ao fato de Deus havê-la preservado da mancha com a qual todas as criaturas humanas nascem, a mancha herdada do Pecado cometido por Adão e Eva, que a Teologia chama Pecado original.

Pecado que se chama original não porque, a partir dele, nascemos todos como fruto do ato sexual. Original porque se refere à Origem de toda a humanidade, isto é, dos nossos primeiros pais, que a Bíblia chama (simbolicamente ou não) Adão e Eva.

As Sagradas Escrituras ensinam-nos que Deus criou o ser humano à sua Imagem e Semelhança. Não o fez por necessidade, – já que Deus se basta a Si mesmo, – mas num gratuito gesto de Amor.

Criado por amor, o ser humano estava destinado à plena e eterna festa de Comunhão com Deus. Uma Comunhão tão íntima e divina que o próprio Filho de Deus poderia dela participar sem nenhuma diminuição de sua Divindade.

Ora, para que viesse ao mundo o Filho de Deus Salvador, encarnado em forma humana, Deus escolheu desde antes do início dos tempos, uma mulher, e a para tal finalidade a fez santíssima, ou seja, adornada com qualidades e belezas do próprio Deus. Para Deus, imaginação e criação são uma mesma coisa.

Nossos primeiros pais, apesar de feitos à imagem e semelhança de Deus, eram criaturas e como criaturas dependiam do Criador. Sua liberdade era a plenitude da liberdade como criaturas. Adão e Eva pecaram, querendo passar da liberdade e santidade de criaturas à liberdade e santidade próprias do Criador, ou seja, quiseram igualar-se a Deus. Pecado de orgulho. Pecado de desobediência. Quiseram “ser como Deus” (Gn 3,5) e não como criaturas de Deus.

Consequências dramáticas dessa suprema prepotência de nossos primeiros pais: embora mantivessem a dignidade de Imagem e Semelhança de Deus, perderam, como diz São Paulo “a Graça da santidade original” (Rm 3,23); passaram a ter medo de Deus; perderam o equilíbrio de criaturas, ou seja, foram tomados pelas más inclinações e passaram a sentir em suas consciências a desarmonia e a tensão entre o bem e o mal, e a experiência da terrível necessidade de optar entre um e outro. “Entrou a morte na história da humanidade” (Rm 5,12).

Ora, os planos de Deus, ainda que as criaturas os reneguem ou se desviem deles, acabam se realizando. Aquela mulher imaginada/criada por Deus antes do Paraíso terrestre, para ser a Mãe do Filho em carne humana, estava isenta do pecado de Adão e Eva. Todavia há uma verdade de fé professada desde sempre pela Igreja que ensina com clareza que todas as criaturas humanas são redimidas, sem exceção, exclusivamente pelos méritos de Jesus Cristo. Ora, sabemos bem que Maria é uma criatura de Deus e não uma espécie “deusa” (somente na imaginação desvairada de certos inimigos da igreja esta absurda confusão seria possível). Por isso, também ela deveria ser, – como de fato foi, – redimida por Jesus Cristo, a um só tempo seu Filho e Senhor.

Teólogos discutiram durante séculos sobre como Maria poderia ter sido remida. Nunca, nenhum santo Padre duvidou da santidade de Maria, de sua vida puríssima, de seu coração inteiramente voltado para Deus, ou seja, de ser uma mulher “Cheia de Graça” (Lc 1,28). A razão de tanta convicção e de tanta certeza sempre foi a certeza e a convicção de que Deus Todo Poderoso, o Santo dos Santos, só poderia nascer de um vaso que fosse puríssimo. Ainda assim, mesmo que pudessem conceber Maria como Virgem Imaculada, haviam teólogos que não conseguiam entendê-la isenta do Pecado original. E estavam certos! Entre estes, que num primeiro momento encontraram dificuldades em conceber a Imaculada Conceição de Nossa Senhora, haviam inclusive santos, como São Bernardo, – justamente ele, autor de belíssimos textos sobre a Virgem Maria e sua maternidade divina.

Mas haviam teólogos favoráveis à aceitação da verdade da Imaculada Conceição de Maria, entre os quais o Bem-aventurado Duns Scotus, que argumentava assim: primeiro, sim, Deus podia criá-la sem mancha, porque “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37); 2) convinha que Deus a criasse sem mancha, porque ela estava predestinada a ser a Mãe de Deus e, portanto, ter todas as qualidades que não afetasse de modo absolutamente nenhum a Dignidade suprema do Filho. Assim, Deus podia, e convinha; logo, Deus a criou isenta do Pecado original, ou seja, imaculada antes, durante e depois de sua conceição no seio de sua mãe.

No ano 1615 encontramos o povo de Sevilha, na Espanha, cantando pelas ruas alguns versos derivados do argumento de Duns Scotus: “Quis e não pôde? Não é Deus / Pôde e não quis? Não é Filho. / Digam, pois, que pôde e quis!”.

Imaculada Conceição de Maria por Bartolomé Esteban Murillo (1661)
Imaculada Conceição de Maria por Bartolomé Esteban Murillo (1661)

Também artistas entraram na procissão dos que louvavam e difundiam a devoção à Imaculada. Nenhum foi tão profícuo quanto o espanhol Murillo, falecido em 1682. A ele se atribuem nada menos que 41 diferentes quadros com o tema Imaculada Conceição, inconfundíveis, retratando sempre a Virgem assunta, cercada de anjos, quase sempre com a meia lua sob os pés, lembrando de perto a mulher descrita pelo Apocalipse (Ap 12,1). A lua, por variar tanto, é símbolo da instabilidade humana e das coisas passageiras. Maria foi sempre a mesma, sem nenhum pecado.

No entanto, escreve o papa Pio IX, era absolutamente justo que, como tinha um Pai no Céu, que os Serafins exaltam “Santo, Santo, Santo”, o Unigênito tivesse também uma Mãe na Terra, em quem jamais faltasse o esplendor da santidade (Ineffabilis Dei, 31). Com efeito, essa doutrina se apossou de tal forma dos corações e da inteligência dos nossos antepassados que deles se fez ouvir uma singular e maravilhosa linguagem. Muitas vezes se dirigiram à Mãe de Deus como “toda santa”, “inocentíssima”, “a mais pura”, “santa e alheia a toda mancha de pecado”, etc.

Aos 8 de dezembro de 1854, o bem-aventurado papa Pio IX declarou verdade de fé a Conceição Imaculada de Maria:

“Pela Inspiração do Espírito Santo Paráclito, para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e para a propagação da religião católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor nosso, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, portanto, ser crida firme e para sempre por todos os fiéis.”
(Ineffabilis Dei, 42)

A Imaculada Conceição por Peter Paul Rubens (1627)
A Imaculada Conceição por Peter Paul Rubens (1627)

Há 161 anos foi proclamado o dogma, mas a devoção à Imaculada é muito mais antiga. Basta lembrar que a festa é conhecida pelo menos desde o século VIII. Desde 1263, a Ordem Franciscana celebrou com solenidade a Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de cada ano, e costumava cantar a Missa em sua honra aos sábados. Em 1476, o Papa Xisto IV adicionou a Festa ao Calendário Litúrgico da Igreja. Em 1484, Santa Beatriz da Silva, filha de pais portugueses, fundou uma Ordem contemplativa de mulheres, conhecidas como Irmãs Concepcionistas, para venerar especialmente e difundir o privilégio mariano da Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus.

Desde a proclamação do dogma, a festa da Imaculada Conceição passou a ser dia santo, de guarda ou preceito.

Em Roma, na Praça Espanha, para perenizar publicamente a declaração do dogma, levantou-se uma belíssima coluna entalhada, encimada por uma formosa estátua da Imaculada Conceição. Todos os anos, no dia 8 de dezembro à tarde, o Papa costuma ir à Praça, e com o povo romano e peregrinos reverenciar o privilégio da Imaculada Conceição da santíssima Virgem, privilégio este que deriva do maior de todos os seus títulos: Mãe do Filho de Deus, nosso Senhor e Salvador.

A coroação final e maravilhosa desta riquíssima história veio menos quatro anos após a proclamação do dogma, quando, em Lourdes, França, à menina Bernardete. Simples e analfabeta, ao ser agraciada com a visão da santíssima Virgem, perguntava insistentemente à visão quem era, até receber como resposta, cercada de terníssimo sorriso: “Eu sou a Imaculada Conceição” (‘que soy era immaculada concepciou’).

Não podemos esquecer que a imagem ou representação da padroeira de nossa nação, chamada comumente Nossa Senhora Aparecida, é também uma Imaculada Conceição; por isso mesmo, seu título oficial é “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”.

Como é bonito, piedoso e comovente escutar o povo brasileiro cantando uníssono: “Viva a Mãe de Deus e nossa / sem pecado concebida! / salve, Virgem Imaculada, / ó Senhora Aparecida!”

Fonte e ref. bibliográfica:
NEOTTI, Clarência, Frei OFM, artigo ‘Imaculada Conceição da Maria – 150 anos de Proclamação do Dogma’,

disp. em http://www.franciscanos.org.br/?page_id=5536#sthash.EZyE8fFg.dpuf
Acesso 8/12/015
• PERRY, Tim; KENDALL, Daniel SJ. The Blessed Virgin Mary. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 2013.

Publicado em O Fiel Católico.

Como surgiu a devoção à Nossa Senhora do Rosário

No dia 7 de outubro, celebramos a festa de Nossa Senhora do Rosário, que foi instituída, no ano de 1571, em comemoração à vitória na batalha de Lepanto. Nesse dia, os católicos venceram essa difícil batalha contra os turcos muçulmanos, que ameaçavam invadir a Europa. Posteriormente, a festa foi estendida à Igreja universal, em ação de graças pela vitória nessa batalha.

A origem da devoção a Nossa Senhora do Rosário

Segundo a tradição, no século XIII, São Domingos de Gusmão recebeu a oração do Rosário da própria Virgem Maria, como uma arma para vencer as heresias. Dessa forma, a Virgem do Rosário alcançou a São Domingos a vitória sobre a heresia dos cátaros albigenses e o fez o fundador da grande Ordem dos Dominicanos, também conhecida como Ordem dos Pregadores.

No século XVI, como em outros tempos, a Europa vivia na iminência de uma invasão dos muçulmanos. Em 1453, eles já haviam tomado Constantinopla e ameaçavam tomar também Roma, sede da Igreja Católica. Nesse contexto histórico, o Papa São Pio V, que era da Ordem fundada por Domingos, recebeu de Nossa Senhora a revelação de que os católicos venceriam a batalha contra os muçulmanos por meio da oração do Santo Rosário. Cheio de confiança nessa promessa, o Sumo Pontífice pediu, então, que toda a Igreja Católica, inclusive aqueles que participariam das batalhas, rezassem, com fé e devoção, o Rosário.

Conforme prometeu a Virgem do Rosário, no dia 7 de outubro de 1571, os católicos venceram a memorável batalha naval de Lepanto, no litoral da Grécia, contra os turcos muçulmanos. Em honra desta vitória milagrosa, tendo em vista que os muçulmanos envolvidos na batalha eram muito mais numerosos que os católicos, o Santo Padre instituiu, nessa data, a festa de Nossa Senhora do Rosário.

O pedido de Nossa Senhora do Rosário

[…] É particularmente significativo recordar que Maria Santíssima apareceu aos três Pastorinhos – Lúcia e os irmãos Francisco e Jacinta, recentemente canonizados – sob o título de Nossa Senhora do Rosário. Por isso, em Portugal, a devoção a essa aparição é conhecida como a Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

A Virgem Maria pediu que os Pastorinhos rezassem o Terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra.

Como em outros tempos, há várias guerras pelo mundo e também a ameaça da deflagração de uma Terceira Guerra Mundial. Além disso, os cristãos, especialmente os católicos, são perseguidos pelo mundo inteiro, senão pela violência e pelas armas, ao menos pelas ideologias modernas, marcadamente anticristãs. Sendo assim, o apelo de Nossa Senhora para que rezemos, com fé e devoção, o Santo Rosário permanece mais do que atual.

A festa de Nossa Senhora do Rosário

Nossa Senhora do Rosário e a salvação dos pecadores
Em Fátima, Nossa Senhora revelou os dois últimos remédios contra os males deste mundo: o Santo Rosário e a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Essas duas devoções nos ajudarão em nossa renovação espiritual, a nos afastar do espírito do mundo e, em consequência, mudar o nosso modo de ser, de vestir e agir, para não mais ofender Deus. Além disso, essas devoções serão também remédios para os males do mundo, para a conversão e a salvação das almas dos pecadores.

[…]

Somos chamados a permanecer devotos de Nossa Senhora do Rosário e a fazer o propósito de rezar o Terço todos os dias. Aquelas pessoas que já o fazem, podem rezar o Rosário completo, ainda que não seja possível todos os dias.

O caráter missionário do Rosário

Outubro é o mês do Rosário e também o mês das Missões. A princípio, parece que essas são duas realidades não estão relacionadas entre si. No entanto, podemos dizer que a oração do Rosário está intimamente ligada ao chamado missionário da Igreja Católica. Ainda que nem todos os católicos sejam chamados a ser missionários, no sentido estrito da palavra, todos nós podemos e, em certo sentido, devemos rezar pelos missionários. Dessa forma, seremos também missionários, pois colaboraremos com a missão da Igreja Católica de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo a todos os povos (cf. Mc 16, 15).

O Rosário também tem seu caráter missionário quando o rezamos em grupo, nas famílias, nas comunidades, nas escolas e faculdades, no ambiente de trabalho, pois a familiaridade com o mistério de Cristo é facilitada pela oração do Rosário. Ao rezar o Terço, “o povo cristão frequenta a escola de Maria, para deixar-se introduzir na contemplação da beleza do rosto de Cristo e na experiência da profundidade do Seu amor. Mediante o Rosário, o crente alcança a graça em abundância, como se a recebesse das mesmas mãos da Mãe do Redentor”. Nesse sentido, o Rosário é uma verdadeira escola de evangelização, onde se realiza a missionariedade da Igreja.

Assim, como outrora, somos chamados a rezar o Santo Rosário, a meditar os mistérios de Jesus Cristo na companhia da Virgem Maria, em comunhão com toda a Igreja Católica, por todos os missionários espalhados pelo mundo inteiro, pela paz no mundo, pelos cristãos perseguidos, pela conversão e salvação dos pecadores.

Que Nossa Senhora nos alcance as graças necessárias para rezar, com muita fé e devoção, o Santo Rosário, e para perseverar nessa devoção mariana e cristológica.

Nossa Senhora do Rosário, rogai por nós!

1. Cf. PADRE LUÍS KONDOR. Memórias da Irmã Lúcia, p. 176.
2. Revelações feitas pela Irmã Lúcia ao Padre Agustin Fuentes, postulador da causa de beatificação de Francisco e Jacinta, em uma conversa realizada em 26 de dezembro de 1957.
3. PAPA SÃO JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, 1.
4. Cf. idem, ibidem.

Fonte: Canção Nova.

Publicado em Diocese de Sete Lagoas – Minas Gerais.

SANTOS ARCANJOS MIGUEL, GABRIEL E RAFAEL

SOLENIDADE

Precisamente hoje, dia 29 de setembro, a Liturgia da Igreja celebra a Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, que aparecem nas Sagradas Escrituras com missões importantes que foram determinadas por Deus. Esses três arcanjos representam a alta hierarquia dos anjos-chefes, o seleto grupo dos sete espíritos puros que atendem ao trono de Deus e são os mensageiros dos decretos divinos aqui na terra, “os espíritos servidores, enviados a serviço daqueles que vão receber a salvação como herança”. (Hb 1,14).

A Igreja, guiada pelo Espírito Santo, herdou do Antigo Testamento a devoção a esses três arcanjos, que são os protetores e os intercessores que vêm do Céu em nosso socorro, pois, como nos ensina São Paulo, vivemos num constante bom combate. A palavra Arcanjo significa Anjo principal e, por isso, durante as atribulações do nosso cotidiano, nas tempestades e nos vendavais na vida, eles costumam aconselhar-nos e auxiliar-nos, além, é claro, de levar as nossas orações a Deus, trazendo-nos as mensagens da Providência Divina.

Os três arcanjos, Miguel, Gabriel e Rafael “estão diante de Deus, são os nossos companheiros porque têm a mesma vocação no mistério da salvação: levar em frente o mistério da salvação. Adoram a Deus, glorificam a Deus, servem a Deus”. (Papa Francisco, Homilia em 29 de setembro de 2017). Os três nomes dos arcanjos terminam com a palavra “EL” que significa “Deus”, ou seja, Deus está inscrito nos seus nomes e em suas naturezas. Desse modo, eles trazem Deus a nós, abrem o céu para nós, abrindo, ao mesmo tempo, a terra. Por estarem juntos do Deus Altíssimo, eles podem estar também muito próximos de nós, os seres humanos, incentivando-nos a permanecer na presença do Senhor, adorando-O em espírito e verdade.

Miguel significa “ninguém é como Deus”, ou “semelhança de Deus”. Ele é considerado o príncipe guardião, o guerreiro, o defensor do trono celeste, o fiel  escudeiro do Pai Eterno, o chefe supremo do exército celeste e dos anjos fiéis a Deus.

Miguel é o arcanjo da justiça e do arrependimento, o padroeiro da Igreja Católica e o protetor dos fiéis cristãos. A invocação de seu nome costuma ser de grande ajuda no combate contra as forças maléficas. Ele é citado três vezes na Sagrada Escritura e o seu culto é um dos mais antigos da Igreja. Miguel é chamado pelo profeta Daniel, no Antigo Testamento, de príncipe protetor dos judeus. No Novo Testamento, ele é citado na carta de São Judas e no Livro do Apocalipse.

Gabriel significa “Deus é meu protetor” ou “homem de Deus”. Ele é o arcanjo anunciador, por excelência, das revelações de Deus e é, talvez, aquele que esteve perto de Jesus na agonia entre as oliveiras. Segundo o profeta Daniel (9, 21), foi Gabriel quem anunciou o tempo da vinda do Messias.

No desenvolvimento dessa missão, ele apareceu a Zacarias “estando de pé à direita do altar do incenso (Lc 1, 10-19), para lhe dar a conhecer o futuro nascimento de João Batista, o profeta precursor do Cristo que une o Antigo e o Novo testamentos.

Finalmente, ele foi o embaixador que Deus enviou à Virgem Maria, em Nazaré, para proclamar o mistério da encarnação do Verbo. No episódio da anunciação, Gabriel foi o portador de um trecho de uma das orações mais populares e queridas do povo de Deus, a Ave Maria.

Gabriel é o padroeiro da diplomacia e dos trabalhadores dos correios, comumente associado a uma trombeta, indicando que é aquele que transmite a voz de Deus, o portador das boas notícias, o comunicador da plenitude dos tempos.

Rafael, cujo significado é “Deus te cura” ou “cura de Deus”, exerceu a missão de acompanhar o jovem Tobias, em sua viagem, como seu segurança e guia. Ele é considerado o chefe da ordem das virtudes e o guardião da saúde e da cura física e espiritual. É o padroeiro dos cegos, dos médicos, dos sacerdotes e, também, dos viajantes, dos soldados e dos escoteiros.

No Livro de Tobias são narrados a ajuda e o socorro que Rafael lhe prestou. Para cumprir sua missão, Rafael tomou a forma humana, fez-se chamar Azarias e acompanhou-o em sua viagem, ajudando-a em suas necessidades, guiando-o por todo o caminho e auxiliando-o a encontrar uma esposa, a jovem Sara.

Aproveitamos a celebração da Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael para refletirmos sobre o ministério angélico na vida da Igreja e em nossas vidas.

Celebrar os três arcanjos que as Escrituras nos dão a conhecer é, na verdade, celebrar esta comunhão que Deus deseja para os seres humanos e o mundo espiritual. É também uma oportunidade de darmos graças a Deus pelo inestimável auxílio que os santos anjos nos prestam no cotidiano da fé.

Peçamos a São Miguel que nos ajude no bom combate em prol da fé e na luta contra o nosso defeito dominante, o mal, o egoísmo e o pecado. Peçamos a São Gabriel que nos traga sempre mais boas notícias, boas novas de salvação, infundindo em nossos corações a plena certeza de que Cristo está conosco nos caminhos da História, a fim de que não permaneçamos parados ou acomodados. Que ele também nos ajude a desempenhar as nossas atividades diárias com serenidade e proveito espiritual. Peçamos a São Rafael que nos conduza pela mão e nos auxilie no caminho da alegria do Evangelho para que não erremos a estrada e saibamos colaborar nos serviços da comunidade da Igreja.

São Miguel, Gabriel e Rafael são os poderosos ministros de Deus que têm a missão de nos defender na luta contra o mal e de nos ajudar na perseverança na fé e na santidade. Peçamos, hoje, amanhã e sempre, que estes ministros de Deus nos obtenham a graça de corresponder sempre mais, com generosidade e zelo, à vontade do Senhor em
nossas vidas. Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, rogai por nós!

Aloísio Parreiras
(Escritor e membro do Movimento de Emaús)

Publicado em Arquidiocese de Brasília.

O castelo de nossas almas

Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa própria casa, não a encontraremos em casas alheias.

A analogia de Santa Teresa de Ávila, em suas “Moradas”, comparando a alma a um grande castelo, é uma dessas intuições geniais que se podem dizer, sem medo, inspiradas por Deus.

Quem nunca ficou admirado, ao tomar contato com imagens do passado, com os belíssimos castelos medievais, a majestosa arquitetura antiga, ou nunca se imaginou morando em um desses lugares fantásticos, cheios de longas escadarias e obras de arte portentosas? Pois bem, não é grande tolice que nos detenhamos a contemplar essas belas obras humanas ou que nos fixemos demasiadamente naquilo que é material e ignoremos o tão elevado castelo que é a nossa própria alma? Como indica a própria Teresa, “sabemos muito por alto que nossa alma existe, porque assim ouvimos dizer e a fé nos ensina”, mas raramente consideramos “as riquezas que há nesta alma, seu grande valor, quem nela habita”[1].

Em sua obra, Teresa convida suas irmãs carmelitas a adentrarem nos castelos de suas almas. Diferentemente dos castelos comuns, para os quais uma breve visita significaria ter de juntar altas somas de dinheiro, percorrer longas distâncias ou, talvez, até atravessar oceanos, para adentrar no castelo de nossas almas, podendo aí permanecer por muito tempo, basta colocar-se à porta: “Pelo que entendo, a porta para entrar neste castelo é a oração”[2]. Porém, ainda que seja simples entrar neste castelo, são poucos os que verdadeiramente abrem a sua porta e entram em si mesmos, por assim dizer.

Mas, por que entrar nesse castelo? Para quê, afinal? Primeiramente, para ganhar a salvação, pois “é desatino pensar que havemos de entrar no céu sem primeiro entrar em nós mesmos”[3]. Não à toa Santo Afonso de Ligório dizia que “quem reza, se salva; quem não reza, se condena”: o primeiro santuário no qual todo homem deve entrar é o de si mesmo; aí, além de sua miséria e de sua condição de criatura, ele encontrará o seu Criador, como aconteceu a Santo Agostinho: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”[4].

Depois, sem recolhermo-nos em nós mesmos, é impossível que nos santifiquemos. Infelizmente, tomados por uma mentalidade mesquinha, temos oferecido a Deus o nosso “mínimo”, muitas vezes “nos arrastando à força e cumprindo nossas obrigações somente para evitar pecados”[5]. Ao contrário, se quisermos de fato amar a Deus sobre todas as coisas e corresponder à “vocação universal à santidade”[6], devemos ser generosos, determinando-nos a conformar nossa vontade com a do Senhor e agradá-Lo em tudo.

Por fim, não pode haver verdadeira paz senão no interior: “Haverá maior mal do que não podermos estar em nossa própria casa? Se em nosso próprio lar não achamos sossego, que esperança teremos de encontrá-lo em casas alheias?”[7], pergunta Santa Teresa. Uma filha sua que experimentou a fundo essa verdade foi Santa Teresinha do Menino Jesus. Descrevendo a viagem que fez pela Europa, um ano antes de sua tomada de hábito, ela escreve:

“Durante toda a viagem, hospedamo-nos em hotéis principescos; jamais estive cercada de tanto luxo. É mesmo o caso de dizer que a riqueza não traz a felicidade, pois teria-me sentido mais feliz sob o teto de uma choupana e com a esperança do Carmelo, do que entre lambris dourados, escadas de mármore branco, tapetes de seda e com a amargura no coração… Ah! Eu bem o sentia: a alegria não se acha nos objetos que nos cercam; encontram-se no mais íntimo da alma, pode-se possuí-la do mesmo modo numa prisão ou num palácio. A prova é que sou mais feliz no Carmelo, mesmo no meio de provações interiores e exteriores, do que no mundo, cercada das comodidades da vida e, sobretudo, das ternuras do lar paterno!…”[8]

Como a Teresa do século XVI, a Teresa do século XIX tinha aprendido a grande lição: “Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa casa, não a encontraremos nas alheias”[9].

Referências

  1. Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 2. In: São Paulo: Paulus, 2014.
  2. Idem, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 7
  3. Idem, Segundas Moradas, n. 11
  4. Santo Agostinho. Confissões, Livro X, n. 38. In:20ª. ed. São Paulo: Paulus, 2008
  5. Castelo Interior, Quintas Moradas, capítulo 3, n. 6
  6. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen Gentium, 21 de novembro de 1964, n. 32
  7. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9
  8. Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma alma: Manuscrito A, 65r. In: Obras completas escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002
  9. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9

Publicado em Equipe Christo Nihil Praeponere (Padre Paulo Ricardo).

Deus nos abandonou?

Quando o sofrimento bate à nossa porta, por vezes nos sentimos abandonados por Deus, pensamos estar sozinhos neste mundo.

Será que Deus nos abandonou?

Neste mundo passamos por sofrimentos, angústias, tribulações, e nestes momentos podemos nos sentir abandonados por Deus. Jesus Cristo, o Filho de Deus, também teve momentos de angústia, sofrimento, tribulação, mas mesmo assim entregou-se inteiramente à vontade do Pai. Jesus disse aos judeus: “não procuro fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 5, 30b). Cristo veio ao mundo, não para fazer a Sua vontade, mas a vontade do Pai que Lhe enviou. Ele tinha uma missão a realizar neste mundo e dedicou-se inteiramente a essa missão, ainda que para isso tivesse que desagradar os homens e a si mesmo. Como cristãos, somos chamados a seguir o caminho de Cristo, que passou por sofrimentos e perseguições (cf. Jo 5, 18), para realizar a vontade do Pai em nossas vidas.

Esta missão que nos foi confiada se parece com a que foi confiada por Deus ao Povo de Israel através do profeta Isaías: “Eu atendo teus pedidos com favores e te ajudo na obra de salvação; preservei-te para seres elo de aliança entre os povos, para restaurar a terra, para distribuir a herança dispersa” (Is 49, 8). O Senhor nos ajuda nesta obra de salvação. Ele nos preservou para ser, como Jesus Cristo, um elo de aliança entre os povos. A vontade do Pai é que sejamos esse elo de ligação entre Ele e Israel, o Povo de Deus.

O Senhor nos chamou para libertar aqueles que estão presos pelas cadeias do pecado (cf. Is 61, 1), para iluminar a vida daqueles que vivem nas trevas dos vícios, do distanciamento de Deus. Jesus foi perseguido justamente porque fazia tudo isso até mesmo no dia de sábado, que era um dia de descanso para os judeus. Hoje, os motivos das perseguições contra os cristãos certamente não são os mesmos, mas é o próprio Cristo que é perseguido em nós.

Diante das perseguições, dos sofrimentos por causa de Jesus Cristo, podemos pensar como os israelitas: “O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!” (Is 49, 14). Em meio a estas tribulações, perseguições, sofrimentos, podemos achar que Deus nos abandonou. Porém, o Senhor nunca nos abandona. Ao contrário, nestes momentos é que Ele está ainda mais próximo de nós. Pois, através dos sofrimentos estamos ainda mais unidos à Cruz de Cristo.

Quando os sofrimentos e as perseguições baterem a nossa porta, podemos ser tentados a achar que Deus se esqueceu de nós. Porém, a Palavra de Deus nos garante que Ele jamais se esquece de nós: “Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti” (Is 49, 15). Não há maior amor humano do que o amor de uma mãe pelo seu filho. Esta jamais se esqueceria do seu filho. Mas, ainda que sejamos esquecidos pela nossa própria mãe, Deus não se esquece de nós.

Portanto, Deus Pai compara o Seu amor por nós com o amor de uma mãe. O Pai compara o seu amor por nós com o amor materno, de uma mãe para com o seu filho. Este amor de Deus por nós, paterno e materno, se manifestou a nós em Jesus Cristo e na Virgem Maria. Por isso, ainda que nos sintamos abandonados e esquecidos, acolhamos o amor do Pai, que se manifestou no seu Filho Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, e o amor materno de Maria, que são reflexo do infinito amor de Deus por nós. Quando acolhemos o amor infinito de Deus por nós, manifestado a nós em Jesus e em Maria, acolhemos a graça do Espírito Santo que, transforma o sofrimento em amor redentor (cf. Papa João Paulo II, Carta Encíclica Dominum et Vivificantem40). Desse modo, fortalecidos pelo amor, dom do Espírito Santo, seremos capazes de fazer a vontade do Pai.

Publicado em Todo de Maria.

Em que consiste a infância espiritual de Santa Teresinha …

Teresa de Lisieux – Wikipédia, a enciclopédia livre
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A experiência de Santa Teresinha do Menino Jesus convida os cristãos a se tornarem como crianças, pois “o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham”.

O conceito de “infância espiritual” existe na Igreja desde o seu começo. Basta ir ao Evangelho e notar que a condição que Jesus estabelece para que seus discípulos entrem no Reino dos céus é que se transformem em criancinhas (cf. Mt 18, 3). Esta verdade foi desenvolvida por muitos teólogos medievais, mas só atingiu seu cume em uma jovem carmelita do século XIX, Teresa de Lisieux, também conhecida como Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face.

A “infância espiritual”, este tesouro da espiritualidade católica, é vivenciada por todos aqueles que buscam a Deus e querem ser santos. A despeito das tendências jansenistas da França oitocentista, Santa Teresinha tinha consciência daquilo os padres do Concílio Vaticano II chamariam de “a vocação de todos à santidade na Igreja”. Nesta, diz a constituição Lumen Gentium, “todos (…), quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: ‘esta é a vontade de Deus, a vossa santificação’ (1 Ts 4, 3; cf. Ef 1, 4)”.

Deus chama à santidade não somente as grandes almas, mas também “une légion de petites âmes – uma legião de almas pequeninas”, escreve Santa Teresinha, no manuscrito B do livro “História de uma alma”. Neste clássico da espiritualidade cristã, ela traça os moldes de sua doutrina da “pequena via”, através de uma simples parábola:

Como pode uma alma tão imperfeita como a minha aspirar à plenitude do Amor?… Ó Jesus! meu primeiro, meu único Amigo, Tu que amo UNICAMENTE, dize-me que mistério é esse. Por que não reservas essas imensas aspirações para as grandes almas, para as águias que planam nas alturas?… Considero-me apenas um mero passarinho coberto de leve penugem, não sou uma águia, só tenho dela os olhos e o coração, pois apesar da minha extrema pequenez ouso fixar o Sol Divino, o Sol do Amor, e meu coração sente em si todas as aspirações da águia…

Santa Teresinha contempla os grandes santos – as águias – e vê a sua pequenez, comparando-se a “um mero passarinho coberto de leve penugem”. No entanto, ela percebe em si uma contradição: não é uma águia, mas “sente em si todas as aspirações” de uma águia; não é majestosa como ela, mas tem os seus olhos e o seu coração.

No dia 6 de agosto de 1897, em confidência à sua irmã Inês, Teresa explicou “o que ela entendia por ‘permanecer criancinha’ perante o bom Deus”:

É reconhecer o seu nada, é esperar tudo do bom Deus, assim como uma criança pequena espera tudo do pai; é não se preocupar com nada e, de modo algum, fazer fortuna. Mesmo entre os pobres, dá-se à criança o que lhe é necessário, mas assim que ela cresce o pai não quer mais alimentá-la, dizendo-lhe: ‘Agora vá trabalhar, você pode se sustentar’.”

“Foi para não escutar isso que eu não quis crescer, sentindo-me incapaz de ganhar a vida, a vida eterna do Céu. Permaneci, então, sempre pequena, tendo uma só ocupação: colher flores, as flores do amor e do sacrifício, oferecendo-as ao bom Deus, para seu agrado.

No crescimento espiritual, há uma lei contrária à do crescimento físico. Naquele, deve prevalecer sempre o primado da graça, pelo qual a pessoa se torna cada vez mais dependente de Deus. O santo, quanto mais santo, mais depende d’Ele, mais reconhece sua dependência e sua pequenez.

Porém, sabendo que “é necessário entrarmos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações” (At 14, 22), este processo não se dá sem sofrimento. Para se chegar à plena “infância espiritual”, é preciso passar pela noite escura da alma, pela purificação. Prossegue Santa Teresinha, no manuscrito B de seu livro:

O passarinho quer voar para esse Sol brilhante que encanta seus olhos, quer imitar as águias, suas irmãs, que vê chegar ao lar divino da Trindade Santíssima… ai! o que pode fazer é bater as asinhas, voar, porém, não está em seu pequeno alcance! O que será dele? Morrer de tristeza por se ver tão impotente?… Oh não! o passarinho nem vai ficar aflito. Com total abandono, quer ficar olhando seu divino Sol; nada poderá assustá-lo, nem o vento nem a chuva, e se nuvens escuras vierem esconder o Astro de Amor o passarinho não trocará de lugar. Sabe que, além das nuvens, seu Sol continua brilhando, que seu brilho não cessará. Às vezes, o coração do passarinho é vítima de tempestade, parece não acreditar que existem outras coisas além das nuvens que o envolvem. Esse é o momento da felicidade perfeita para o pobre serzinho frágil. Que felicidade ficar aí, assim mesmo; fixar a luz invisível que escapa à sua fé!!!…

Em certos momentos, o passarinho se aflige e é tentado pela incerteza, pela dúvida: será que existe o Sol, além das densas nuvens que pairam no ar? Será possível ver o amor de Deus nesta vida crucificada e cheia de sofrimentos? A alma, então, se lança totalmente nos braços de Deus, como uma criança inteiramente dependente de seus pais, e é-lhe dada a certeza da fé. Ela diz: meu Deus, eu não vos compreendo, mas eu vos amo.

A “infância espiritual” também consiste em não dar demasiada importância aos próprios pecados. Ainda em confidência à sua irmã, Teresinha revela:

Ser criança é ainda não atribuir a si própria as virtudes praticadas, acreditando-se capaz de alguma coisa; é reconhecer que o bom Deus coloca este tesouro na mão de sua criancinha para que ela se sirva dele quando precisar; mas é sempre o tesouro do bom Deus. Enfim, é nunca desanimar por causa de seus erros, pois as crianças caem com frequência, porém são pequenas demais para se machucar muito.

A experiência de Santa Teresinha do Menino Jesus convida os cristãos a se tornarem como crianças, pois “o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham” (Mt 19, 14).

Publicado em Resposta Católica (Pe. Paulo Ricardo).

Conversando sobre as Terceiras Moradas [LIVE]

CENTRO DE ESPIRITUALIDADE MONTE CARMELO – Sou Carmelo – Oficial

O Castelo Interior nos coloca diante de nossa realidade mais pessoal em níveis sempre novos de profundidade. Primeira Morada: “Nós no mundo”. Nos situa criticamente diante das realidades nas quais estamos imersos no nosso dia a dia. Segunda Morada: “O mundo em nós”. Nos desafia a ver e enfrentar as estruturas que a convivência com ele deixou em nós, como a dependência, vaidades e ambições… Nas Terceiras Moradas olharemos a nossa realidade mais pessoal: “Nós diante de nós mesmos”. Precisamos enfrentar nossas verdades mais ocultas. Colocar-nos diante de nossas fraquezas e medos, frente a frente, só nós e Deus. Precisamos aprender a não fugir nem ocultar a verdade. Deus nos guia e capacita nesta lição.

Publicado em Sou Carmelo – Oficial.

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