A Paixão de Cristo: uma Profunda Análise Católica

QUARESMA – 2024

A Paixão de Cristo é um dos eventos mais significativos e profundamente simbólicos da fé católica, representando o ápice do amor de Deus pela humanidade e o sacrifício redentor de Jesus Cristo. Este artigo visa explorar o significado e o simbolismo da Paixão de Cristo, destacando como esses eventos, descritos nos Evangelhos, continuam a influenciar e moldar a fé católica. 

Entendendo a Paixão de Cristo

A narrativa da Paixão de Cristo se desenrola em várias etapas, cada uma com seu significado teológico e espiritual profundo:

A Entrada em Jerusalém

A entrada de Jesus em Jerusalém, aclamado como Messias, cumpre a profecia de Zacarias: “Alegra-te muito, filha de Sião! Exulta, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti; ele é justo e salvador” (Zacarias 9:9). Este momento simboliza a aceitação de Jesus de sua missão redentora e a expectativa messiânica do povo.

A Última Ceia

Durante a Última Ceia, Jesus institui a Eucaristia, dizendo: “E, tomando o pão, deu graças, partiu-o e deu-lhes, dizendo: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim’. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é o novo pacto no meu sangue, que é derramado por vós'” (Lucas 22:19-20). Aqui, Jesus estabelece um novo pacto, marcando a transição da Antiga para a Nova Aliança.

A Oração no Jardim do Getsêmani

Confrontado com a realidade de sua iminente morte, Jesus ora intensamente no Getsêmani: “Pai, se quiseres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42). Este momento destaca a humanidade de Jesus, sua angústia e sua submissão total à vontade do Pai.

A Traição de Judas e o Julgamento

A traição de Judas e os julgamentos subsequentes perante as autoridades religiosas e Pilatos revelam tanto a injustiça humana quanto a integridade inabalável de Jesus: “Então, o levaram a Pilatos. E começaram a acusá-lo” (Lucas 23:1).

A Crucificação e Morte

Na crucificação, o amor supremo de Jesus é revelado: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Sua morte na cruz é o ponto culminante do amor redentor e da salvação oferecida à humanidade.

O Sepultamento

O sepultamento de Jesus marca a realidade de sua morte humana e prepara o cenário para o milagre da Ressurreição.

Simbolismo Teológico da Paixão

Cada aspecto da Paixão possui um significado teológico profundo. A entrada em Jerusalém mostra Jesus como o Messias esperado; a Última Ceia estabelece a Eucaristia como um pilar central da fé católica; o Getsêmani destaca a obediência e humanidade de Cristo; a traição e julgamento revelam as falhas humanas e a retidão de Cristo; a crucificação simboliza o amor sacrificial e a redenção dos pecados. Juntos, esses eventos formam um poderoso testemunho do plano de salvação de Deus e do amor infinito de Cristo pela humanidade.

A Paixão de Cristo não é apenas um relato histórico; é um convite contínuo à reflexão, transformação e renovação espiritual. Ela nos inspira a seguir o exemplo de amor, sacrifício e obediência de Jesus e a viver nossas vidas em resposta ao seu chamado de amor e serviço.

A Paixão na Liturgia e na Devoção Católica

A Paixão de Cristo ocupa um lugar central na liturgia e na devoção católica. A Semana Santa, culminando na Páscoa, é marcada por liturgias que rememoram os eventos da Paixão. A Via Sacra, uma meditação sobre as “Estações da Cruz”, ajuda os fiéis a se conectarem com o sacrifício de Cristo.

Reflexão e Identificação com o Sofrimento de Cristo

A contemplação da Paixão permite uma reflexão profunda sobre o significado do sofrimento e sacrifício em nossas vidas. Identificar-se com o sofrimento de Cristo conduz a uma compreensão mais profunda do amor sacrificial e da redenção, reforçando a crença na vitória sobre o pecado e a morte.

A Paixão e a Vida Cristã Contemporânea

A Paixão de Cristo vai além de um evento histórico; é um convite contínuo à transformação pessoal. Em um mundo marcado por desafios, a história da Paixão oferece uma mensagem de esperança e salvação.

A Paixão como Modelo de Amor e Serviço

A entrega de Jesus é um modelo para os cristãos em termos de amor, serviço e sacrifício, inspirando a viver vidas de compaixão, buscar justiça e oferecer misericórdia.

A Paixão na Educação da Fé

No ensino da fé católica, a Paixão é um ponto de referência constante para compreender o amor de Deus, a realidade do pecado e a promessa da redenção.

Conclusão

A Paixão de Cristo permanece como um símbolo poderoso e transformador na fé católica, encapsulando a essência do amor de Deus, e continua a moldar as práticas devocionais e a vida espiritual dos cristãos. Ao refletir sobre a Paixão, somos convidados a mergulhar mais profundamente em nossa jornada de fé, reconhecendo o amor incondicional de Deus e respondendo com uma vida de serviço, amor e dedicação total.

Publicado em Santos Católicos.

Quaresma, tempo de mortificação

Homilia Diária 04:5114 Fev 2024

Somos pó e ao pó voltaremos. É com essa lembrança da morte, que a todos nos espera, que a Igreja quer preparar-nos ao longo da Quaresma para a celebração pascal da vida eterna que o Senhor nos mereceu.

Homilia Diária 04:5114 Fev 2024

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus 
(Mt 6, 1-6.16-18)

Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus. Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”.

Iniciamos hoje o Tempo da Quaresma, um período de grande mortificação. E por que a Igreja nos coloca esse tempo de penitência? Em toda Quarta-feira de Cinzas, nós vamos à Igreja para receber cinzas que são colocadas na nossa cabeça, enquanto o padre pronuncia aquelas palavras que ecoam pelos séculos: “Memento homo”, lembra-te, homem, “quia pulvis es et in pulverem reverteris”, tu és pó e ao pó hás de voltar. Com isso, a Igreja nos recorda que um dia o mundo se tornará pó e cinza. 

Será que estamos construindo a nossa casa sobre a rocha firme, ou a estamos construindo em cima da areia, e virá o vento, a tempestade, e grande será a ruína? São esses pensamentos que devem nos acompanhar no início da Quaresma. Nós precisamos compreender que estamos neste mundo de passagem, preparando nosso retorno para a Pátria do Céu. Estamos no mundo, mas não somos dele.

Nós, porém, marcados pelo pecado original, esquecemos disso e começamos a nos adaptar ao mundo. Adquirimos uma mentalidade mundana e ignoramos o fato de que nossa pátria não é aqui.

A Igreja, como grande pedagoga, quer que recebamos cinzas na cabeça, feitas com os ramos e folhas de palmeiras abençoados no Domingo de Ramos do ano passado, para nos recordar de uma outra cinza: a que nós seremos quando formos decompostos no túmulo.

Ao longo dos séculos, muitas pessoas foram tomadas de surpresa por esta verdade tão esquecida: a de que vamos morrer. Por isso, precisamos sempre terminar o dia com um exame de consciência, pedindo perdão a Deus e colocando-nos humildemente diante dele, porque não sabemos quando partiremos desta vida.

O Tempo da Quaresma é um período para intensificarmos essa experiência e o conhecimento dessa verdade, para que nos lembremos do quão passageiras são as alegrias deste mundo.

Portanto, façamos propósitos de mortificação, dando um pouco de “morte” aos nossos gostos e à nossa mentalidade mundana, e lembrando-nos de que as alegrias deste mundo são efêmeras, brotam de manhã como a erva e de tarde já murcham e fenecem.

Publicado em padrepauloricardo.org.

O que há de errado com o Carnaval?

O que devemos pensar, como católicos, a respeito da alegria do Carnaval?

Antes de toda Quaresma há um Carnaval.

Já tivemos a oportunidade de tratar esse assunto aqui, ano passado, quando publicamos uma famosa citação de Santa Faustina Kowalska sobre a festa, juntamente com um vídeo da famosa religiosa norte-americana, Madre Angélica, sobre os foliões que se embebedam e dão escândalo aos mais jovens.

Na ocasião, comentamos que “a grande tragédia de nossa época” é o homem moderno ter transformado “a sua vida em uma festa de Carnaval prolongada”. No fundo, as pessoas não se entregam ao pecado só numa época do ano para se comportarem bem nas outras. Para muitos, o Carnaval tornou-se praticamente um “estilo de vida”. E essas pessoas não conseguem sequer conceber um outro modo de viver, senão este de brigas, bebedeiras e sexo desregrado.

Nem todas as pessoas que “pulam carnaval” se divertem dessa forma pecaminosa, é verdade. Há carnavais e carnavais, alguém poderia dizer. É possível se divertir honestamente, no fim das contas, evitando o pecado e as ocasiões de cair nele, e o próprio Santo Tomás de Aquino chega a associar o bom divertimento a uma virtude específica em sua Suma Teológica.

Neste vídeo, Pe. Paulo Ricardo fala de forma bem equilibrada a respeito do Carnaval, indicando as diferenças que existem entre:

  • a alegria pecaminosa em que muitos passam esses dias,
  • a alegria sadia de quem sabe gozar honestamente das coisas deste mundo e, por fim,
  • a alegria realmente sobrenatural de quem tem os olhos fixos, não nos bens passageiros desta existência, mas na vida eterna com Cristo.

Publicado em Equipe Christo Nihil Praeponere.

Os Papas e a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo

S.S. João Paulo II,
Audiência Geral das Quartas-feiras;
7 de Abril de 1993.

Que Mistério tão grande é a Paixão de Cristo: Deus feito Homem, sofre para salvar o homem, carregando com toda a tragédia da Humanidade!

S.S. Bento XVI,
Santuário de Mariazell;
8 de Setembro del 2007

Jesus transformou a Paixão, o Seu sofrimento e a Sua morte em oração, em acto de amor a Deus e aos homens. Por isso, os braços estendidos de Cristo crucificado são também um gesto de abraço, através do qual nos atrai a Si e com o qual nos quer estreitar nos Seus braços com amor. Deste modo, é imagem do Deus Vivo, é o próprio Deus, e podemos colocar-nos nas Suas mãos.

S. Leão Magno,
Sermão 15 sobre a Paixão.

Aquele que quer venerar, de verdade, a Paixão do Senhor deve contemplar, a Jesus crucificado, com os olhos da alma, até ao ponto de reconhecer a sua própria carne na Carne de Jesus.

S.S. João Paulo II
XIV Jornada Mundial da Juventude;
28 de Março de 1999

Ao contemplar Jesus na Sua Paixão, vemos, como num espelho, os sofrimentos da Humanidade, assim como as nossas situações pessoais. Cristo, ainda que não tivesse pecado, tomou sobre Si aquilo que o homem não podia suportar: a injustiça, o mal, o pecado, o ódio, o sofrimento e, por último, a morte.

S.S. João Paulo II
XV Jornada Mundial da Juventude;
29 de Julho de 1999.

Paixão, quer dizer amor apaixonado, que ao dar-se não faz cálculos: a Paixão de Cristo é o culminar de toda a Sua existência “dada” aos homens para revelar o Coração do Pai. A Cruz, que parece elevar-se da terra, na realidade desce do Céu, como abraço divino que estreita o universo. A Cruz manifesta-se como centro, sentido e fim de toda a história e de cada vida humana.

Publicado em As Horas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (passioiesus.org)

Como se Preparar para a Quaresma de 2024: Um Guia Espiritual Detalhado

Quaresma é um período de grande significado no calendário litúrgico católico, representando um tempo de reflexão, penitência e preparação para a celebração da Páscoa. À medida que nos aproximamos da Quaresma de 2024, torna-se crucial considerar como podemos nos preparar para vivenciar este tempo sagrado de maneira profunda e significativa. Este artigo oferece um guia detalhado para uma preparação eficaz, ancorada na Bíblia e na doutrina da fé católica.

Quando começa a Quaresma de 2024?

A Quaresma de 2024 se inicia na quarta-feira , 14 de fevereiro e vai até a quinta-feira, 28 de março.

Compreendendo a Profundidade da Quaresma

A Quaresma, que se inicia na Quarta-feira de Cinzas e se estende por 40 dias até a Páscoa, é um período de singular importância na vida cristã. Este tempo litúrgico não apenas relembra, mas também nos convida a vivenciar, de maneira simbólica, os 40 dias que Jesus passou no deserto. Durante esse tempo, Jesus enfrentou tentações e se preparou para Seu ministério salvífico. É um período que simboliza luta, purificação e preparação espiritual.

O Significado dos 40 Dias

O número 40 tem um significado especial na tradição bíblica. Ele simboliza um período de teste, purificação e transformação. Vemos isso na história do dilúvio, que durou 40 dias e noites, e na peregrinação dos israelitas no deserto, que durou 40 anos. Assim, os 40 dias da Quaresma são um convite para embarcarmos em nossa própria jornada de transformação espiritual, seguindo os passos de Jesus.

Preparação para o Ministério

Ao refletir sobre Jesus no deserto, compreendemos que a Quaresma é um tempo para nossa própria preparação espiritual. Assim como Jesus se preparou para Seu ministério, somos chamados a nos preparar para viver mais plenamente nossa vocação cristã. Este é um período para nos afastarmos das distrações do mundo e nos concentrarmos em nosso crescimento espiritual e nossa relação com Deus.

Reflexão e Arrependimento Profundos

Durante a Quaresma, somos convidados a uma reflexão e arrependimento profundos. Este é um tempo para um exame de consciência sincero, onde avaliamos nossa vida à luz do Evangelho e reconhecemos as áreas onde falhamos.

Contemplação da Paixão de Cristo

A contemplação da Paixão de Cristo é central na Quaresma. Ao meditar sobre o sacrifício de Jesus, somos levados a uma compreensão mais profunda do amor de Deus e da gravidade do pecado. Esta meditação nos ajuda a apreciar o custo da nossa redenção e a responder com um arrependimento sincero e uma conversão genuína.

Práticas de Reflexão

Práticas como a leitura diária da Bíblia oferecem uma oportunidade de ouvir a voz de Deus e de refletir sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus. A oração pessoal intensa nos permite entrar em um diálogo íntimo com Deus, expressando nossas lutas, agradecimentos e desejos de transformação. A meditação sobre os mistérios da fé, especialmente através da prática da Via Sacra, nos ajuda a entrar nos eventos da Paixão de Cristo, tornando-os mais reais e presentes em nossa vida.

O Deserto Espiritual

Durante a Quaresma, os cristãos são convidados a entrar em seu próprio “deserto espiritual”. Isso significa se afastar das distrações e confortos do dia a dia para se concentrar mais intensamente na vida espiritual. Este “deserto” pode ser um lugar de desafios e provações, mas também de profunda comunicação com Deus e autodescoberta.

Reflexão e Arrependimento Profundos

A Quaresma é um tempo para uma reflexão e arrependimento sinceros. Durante este período, os cristãos são incentivados a examinar suas vidas à luz do Evangelho, confrontando honestamente seus erros e pecados.

Contemplação da Paixão de Cristo

A contemplação da Paixão de Cristo é um aspecto crucial da Quaresma. Este é um tempo para meditar sobre o imenso sacrifício de Jesus na cruz. Ao refletir sobre Seu sofrimento e morte, os fiéis são levados a uma compreensão mais profunda do amor e misericórdia de Deus. Esta meditação inspira um arrependimento genuíno e uma gratidão profunda pela salvação oferecida através do sacrifício de Cristo.

Práticas de Reflexão e Arrependimento

Práticas como a leitura diária da Bíblia são fundamentais durante a Quaresma. Elas fornecem alimento espiritual e uma base para a reflexão pessoal. A oração pessoal intensa também é central, criando um espaço para a comunicação íntima com Deus. Esta oração pode assumir muitas formas, incluindo a confissão de pecados, a expressão de gratidão e o pedido de orientação e força. Além disso, a meditação sobre os mistérios da fé, particularmente através da prática da Via Sacra, permite aos fiéis seguir os passos de Jesus em Sua jornada para a cruz.

Jejum, Abstinência e Disciplina Espiritual na Quaresma

O jejum e a abstinência são aspectos fundamentais da Quaresma, servindo como ferramentas poderosas para a disciplina espiritual e a purificação da alma. Estas práticas, enraizadas na tradição da Igreja, oferecem um caminho para uma conexão mais profunda com Deus e um aprofundamento na jornada espiritual.

O Jejum e Seu Significado

O jejum, tradicionalmente entendido como a limitação da ingestão de alimentos a uma refeição principal por dia, é muito mais do que uma prática física. É uma expressão de nossa fome e sede por Deus. Ao jejuar, os fiéis são convidados a experimentar, de maneira física, sua dependência de Deus e a se lembrar de que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4). O jejum é também uma forma de solidariedade com os pobres e necessitados, recordando-nos de nossa responsabilidade em cuidar dos outros.

[…]

A Prática da Abstinência

A abstinência, particularmente a abstinência de carne, é um ato simbólico de renúncia a prazeres terrenos em memória do sacrifício de Cristo. Ao se abster de carne, os cristãos são lembrados do sacrifício e sofrimento de Jesus, e é uma maneira de unir seus próprios pequenos sacrifícios ao sacrifício redentor de Cristo na cruz. Esta prática não é apenas um ato de renúncia, mas também um meio de cultivar o autocontrole e a disciplina, qualidades essenciais na vida espiritual.

Disciplina Espiritual

A disciplina espiritual, cultivada através do jejum e da abstinência, é fundamental para o crescimento na vida de fé. Ela nos ensina a dizer “não” aos nossos desejos e impulsos imediatos, fortalecendo nossa vontade e nossa capacidade de resistir a tentações. Esta disciplina tem um efeito profundo não apenas em nossa vida espiritual, mas também em nossa vida emocional e relacional, pois nos torna mais conscientes e controlados em nossas interações e decisões.

Jejum e Abstinência Como Caminhos para a Oração

O jejum e a abstinência são também intimamente ligados à oração. Ao reduzir as distrações físicas, estas práticas abrem espaço em nossos corações e mentes para uma comunicação mais profunda com Deus. O jejum (*) pode ser visto como uma oração do corpo, uma forma física de expressar nossa necessidade de Deus e nosso desejo de dedicar nossas vidas inteiramente a Ele.

Ampliando a Caridade e o Serviço

A Quaresma é também um tempo para ampliar nossa prática da caridade e do serviço. Viver o segundo maior mandamento de Jesus, amar o próximo como a nós mesmos, pode se manifestar em ações concretas: realizar obras de misericórdia, ajudar os menos afortunados, dedicar-se ao serviço comunitário. Estas ações nos ajudam a desenvolver um coração compassivo e a refletir a luz de Cristo no mundo.

Intensificação da Oração

Intensificar a vida de oração é fundamental durante a Quaresma. A oração nos conecta mais profundamente com Deus e nos ajuda a discernir Sua vontade. Isso pode incluir uma participação mais assídua na Missa, a dedicação ao terço, ou a prática de outras formas de oração contemplativa. É importante encontrar um método de oração que ressoe com seu coração e fortaleça sua relação com Deus.

Busca pelo Sacramento da Reconciliação

A Quaresma é um período ideal para buscar o Sacramento da Reconciliação (Confissão). Este sacramento nos oferece a misericórdia de Deus e a purificação de nossos pecados, proporcionando um novo começo com um coração renovado.

Participação Ativa na Comunidade

A participação ativa na vida da comunidade paroquial é crucial para uma Quaresma frutífera. Isso pode incluir engajar-se em grupos de estudo bíblico, participar de retiros espirituais e outras atividades paroquiais. Estas práticas comunitárias fortalecem nossa fé e nos conectam com outros fiéis, promovendo um crescimento espiritual compartilhado.

Reflexão Sobre a Paixão de Cristo

Dedicar tempo para refletir sobre a Paixão de Cristo é uma prática enriquecedora durante a Quaresma. Isso pode ser feito através da Via Sacra, meditações e leituras focadas na última semana da vida de Jesus. Essas reflexões nos ajudam a compreender melhor o amor sacrificial de Cristo e a profundidade de sua misericórdia.

Conclusão

A preparação para a Quaresma de 2024 é uma jornada espiritual que nos chama à introspecção, ao reavivamento espiritual e a um compromisso renovado com a fé. Adotando práticas como reflexão profunda, jejum, oração intensificada, caridade expandida, participação comunitária e reflexão sobre a Paixão de Cristo, abrimos nossos corações para a transformação que Deus deseja operar em nós. Que esta Quaresma seja um tempo de profunda graça e renovação espiritual, nos aproximando cada vez mais do coração amoroso de Deus.

Publicado em Santos Online.

(*) “Pelas orientações da Igreja, estão obrigados ao jejum os que tiverem completado 18 anos até os 59 completos. Os outros podem fazer, mas sem obrigação. Grávidas e doentes estão dispensados do jejum, bem como aqueles que desenvolvem árduo trabalho braçal ou intelectual no dia do jejum.) (Fonte: Canção NovaCódigo de Direito Canônico – Jejum e abstinência: saiba o que ensina a Igreja sobre o assunto)

SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR – 07.01.2024

O AMOR DE DEUS ENFIM SE MANIFESTOU A TODA HUMANIDADE

Nós vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt. 2,2).

A liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus Cristo a todos os seres humanos. De modo semelhante à estrela que guia os magos, Jesus é a “luz” que se acende na noite de uma humanidade desolada e distante de Deus e que atrai a si, pela redenção, todos os povos da terra. Realizando o plano salvador que o Pai desejava ardentemente nos oferecer, Ele se encarnou na nossa história, iluminou os nossos caminhos, conduzindo-nos ao encontro da vida em plenitude. Acendamos esta luz em nossos corações que nossos caminhos, vida e missão sejam perenemente iluminados ao deste ano

A primeira leitura (Is. 60,1-6), retirada do Livro do Profeta Isaías, nos revela como o plano de amor de Deus foi sendo construído ao longo dos séculos através da Promessa, da Fé e da Esperança, até atingir a sua plenitude com a chegada do Messias. A volta dos exilados para a Cidade Santa traz nova esperança. Ainda que os exilados encontrem a cidade sem o esplendor de outrora, o nascer do sol refletindo nas pedras brancas dos muros de Jerusalém anunciam novos tempos. Isaías fala de uma cidade santa, mas envolta em trevas. Tais trevas são vistas não como sinal da noite temporal, mas sim da humanidade distante do seu Criador e carente de sua Graça. Por isto, ditando palavras de ordem e encorajamento – como se percebe pelos verbos utilizados no tempo imperativo – o profeta anuncia a chegada da luz salvadora, esta luz transfigurará Jerusalém na cidade das luzes e reunirá na cidade de Deus todos os habitantes do mundo transformados em um só povo de irmãos. As primeiras comunidades cristãs paulatinamente compreenderam que esta luz salvadora da qual falava o profeta se tratava do Messias. Ainda que o Messias nasça em outra cidade de Judá – Belém – é de Jerusalém que Ele fará brilhar a sua luz antes inacessível. Será nela que o Messias um dia doará sua vida e fará surgir sobre a humanidade um esplendor nunca antes vislumbrado: a Ressurreição.

Assim, na segunda leitura (Ef. 3,2-3a.5-6), o Apóstolo Paulo, apresenta aos Efésios o plano salvador de Deus como uma realidade concreta que atinge toda a humanidade, congregando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus. Daquilo que estava dividido (judeus e pagãos), Deus fez uma unidade (o Corpo de Cristo ou a Igreja).

No Evangelho (Mt. 2,1-12), vemos a concretização da Promessa anunciada pelo profeta Isaías: representando todos os povos, os reis magos rumam ao encontro de Jesus. Segundo uma tradição dos primeiros séculos do cristianismo, cada um dos magos pertence a uma cultura diferente: Melchior da Ásia, Baltazar da Pérsia e Gaspar da Etiópia. Eles representam assim, as três raças conhecidas no mundo antigo. Eles são os povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is. 60,1-6), que buscando a libertação se colocam a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro, incenso e mirra) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa.

Além de apresentar Jesus como a Luz buscada pelo coração humano, Mateus aproveita para apresentar uma catequese sobre as atitudes de cada um diante de Deus. Já no seu nascimento o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os pagãos o reverenciam (os magos do oriente). Herodes e todo o povo de Jerusalém, mesmo conhecendo as Escrituras, preocupados com a manutenção do poder vigente, ficam perturbados. Ao invés de alegrarem-se com a notícia do nascimento do menino, arquitetam a sua morte. Enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador. Mateus assim nos ensina que ao longo de sua vida e missão, Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo, todavia vai ser acolhido pelos pagãos, que farão parte do novo Povo de Deus, conforme anunciado pelo Apóstolo Paulo na segunda leitura e por João no prólogo do seu Evangelho. (cf. Jo. 1,9-13) – (Reflitamos: Como reagimos diante do cumprimento das promessas de Deus? Nos alegramos e nos disponibilizamos para colaborar em seu plano salvífico? Ou nos perturbamos porque achamos que o plano de Deus irá “atrapalhar” a realização dos nossos planos pessoais e individuais?)

A longa peregrinação dos reis magos para contemplar o Deus Menino, nos revela que também nós necessitamos fazer nossa peregrinação. Eles se mantiveram atentos aos sinais da chegada do Messias, O procuraram com esperança até O encontrar. E reconheceram n’Ele a “salvação de Deus” e O adoraram como “O Senhor”. A salvação que tantas vezes foi rejeitada pelos habitantes de Jerusalém tornou-se um dom que Deus oferece a toda humanidade, sem exceção. Assim como a luz tênue de uma estrela serviu de sinal, Deus se serve de diferentes sinais e se manifesta constantemente e de várias maneiras a nós. Nos sacramentos, em especial, no sacramento da Eucaristia, na sua Palavra proclamada, na pessoa do Sacerdote, na Igreja/Comunidade reunida para celebrar, no amor caloroso e acolhedor de nossa Família, etc.

Os reis magos representam os habitantes de todo o mundo que vão ao encontro de Jesus Cristo, que acolhem a proposta salvadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a Igreja – somos uma família de irmãos, constituída por pessoas de todas as cores, raças e línguas. Nós – seus discípulos – seguimos convictos a Jesus e O reconhecemos como o Nosso Senhor. Cabe a nós que já O acolhemos, ajudar a todos que O desejam encontrar, nos utilizando de todos os sinais que Deus nos oferece para fazer o mundo inteiro enfim saber que Ele está Vivo, Encarnado e no meio de nós!

Pe. Paulo Sérgio Silva

Publicado em Diocese de Crato.

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus – 1 de janeiro

No Dia Universal da Paz (1 de janeiro) o calendário dos santos se abre com a festa de Maria Santíssima no ministério de sua Maternidade Divina.
 
Primeira festa mariana que apareceu na Igreja ocidental, a festa de Maria Santíssima, substituiu o costume pagão das dádivas e começou a ser celebrada em Roma, no século IV.
 
A Solenidade da Santa Maria, Mãe de Deus, é um momento especial no calendário litúrgico em que a Igreja Católica se reúne para celebrar e honrar a singularidade e a importância da Virgem Maria como Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Neste dia sagrado, voltamos nosso olhar para a humildade e a submissão de Maria diante do plano divino de Deus. Ela, escolhida desde toda a eternidade para ser a Mãe do Salvador, aceitou com fé inabalável a missão que lhe foi confiada. Sua resposta ao anjo Gabriel, “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1:38), reflete sua total entrega à vontade de Deus.

Maria desempenha um papel singular na história da salvação, sendo a ponte entre o divino e o humano, uma vez que ela trouxe o Filho de Deus ao mundo. Na maternidade divina, ela não apenas concebeu Jesus, mas também O nutriu, educou e esteve ao Seu lado ao longo de Sua vida terrena. Sua fidelidade e amor incondicional são um exemplo inspirador para todos nós.

Além disso, ao ser proclamada Mãe de Deus, Maria recebe a mais alta das honras, pois seu filho, Jesus, é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Nessa dualidade, vemos a união íntima entre o divino e o humano, enfatizando a centralidade de Cristo na nossa fé.

Na Solenidade da Santa Maria, Mãe de Deus, somos convidados a contemplar o mistério da encarnação e a reconhecer o papel único de Maria nesse grande mistério. Através da sua maternidade divina, Maria é uma intercessora poderosa, e podemos confiar nela como nossa Mãe espiritual, pedindo sua ajuda e proteção.

Que neste dia solene possamos renovar nosso amor e devoção a Maria, buscando seguir o seu exemplo de fé, humildade e submissão à vontade de Deus. Que ela interceda por nós, seus filhos, diante do trono divino, e que possamos experimentar a graça e a bênção de seu materno cuidado em nossas vidas.

No dia Mundial da Paz, celebrar a Santidade Maternal de Maria é celebrar Jesus, Reis dos Reis e nosso Salvador. Oremos à mãe de Jesus para abençoar nosso ano novo!

Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós!

Publicado em Nossa Sagrada Família.

Contemplar o Natal

Confira todos os capítulos desta riquíssima obra do Pe. Francisco Faus!

Contemplar o Natal

A Adoração dos Magos

Adoração dos Reis Magos ao Menino Jesus

«Prostrando-se, o adoraram»

Neste último capítulo, vamos continuar a olhar para os Magos, contemplando-os agora na cena da adoração, que o Evangelho descreve assim: Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram (cf. Mt 2, 9-12). Muitos pintores famosos deixaram-nos quadros belíssimos dessa cena. Ajoelhados ou inclinados perante o Menino Jesus, os Magos o adoram, com o olhar extasiado, e lhe oferecem os presentes que trouxeram. No centro desta bela cena, aparece uma palavra que merece a nossa reflexão: a palavra «adorar». É uma das atitudes mais elevadas, mais sadias e mais necessárias para nós, os homens, especialmente nos nossos tempos. Não duvide de que tudo iria muito melhor, em nossa vida e no mundo, se aprendêssemos a adorar a Deus.

Contemplar o Natal

A Estrela dos Magos

A Estrela de Belém e os Reis Magos

Uns magos vieram do Oriente

Em todo presépio que se preze, sempre estão presentes as figuras dos três Reis Magos, montados em seus camelos e com um cortejo de pajens e oferendas. Eles avançam pela estrada que leva a Belém. Quantos de nós não fizemos avançar suas figurinhas de barro no presépio, um centímetro por dia, até colocá-los aos pés de Jesus Menino na data em que a Igreja comemora a sua chegada, 6 de Janeiro. O Evangelho (cf. Mt 2, 1-10) não diz se eram mesmo três, nem de que país procediam. Mas usa uma expressão – «magos» – que naquele tempo designava, no Oriente, homens sábios, homens de ciência e estudo, conselheiros de reis (talvez por isso o povo cristão usou chamá-los de «Reis» Magos). Diante deles, marcando o rumo, brilhou no início do caminho uma estrela, que logo se ocultou e reapareceu mais brilhante quando já se aproximavam de Belém.

Contemplar o Natal

Jesus nasce em Belém

Nascimento de Jesus em Belém

A Luz veio ao mundo

O nascimento de Jesus (cf. Lc 2, 1-20) é contemplado pela Liturgia da Igreja sob o símbolo da Luz: «Ó Deus, que fizestes resplandecer esta noite santa com a claridade da verdadeira luz!»; «O povo que caminhava na escuridão viu uma grande luz»; «Hoje surgiu a luz para o mundo: o Senhor nasceu para nós». Todas essas expressões são um eco das palavras do prólogo do Evangelho de São João:

No princípio era o Verbo […] e o Verbo era Deus. […] Nele estava a Vida, e a vida era a Luz dos homens. […] Era a Luz verdadeira, que vindo ao mundo, ilumina todo homem […]. E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós (Jo 1, 1 seg.)

Neste capítulo, a nossa meditação quer ser mais contemplativa: ajudar-nos a voltar os olhos e o coração para Jesus Menino, que repousa sobre as palhas do Presépio, envolto nos paninhos que a Mãe lhe preparou, de modo a sentirmos o impulso de agradecer-lhe a sua entrega «por nós, homens e para a nossa salvação», e de adorá-lo: Meu Senhor e meu Deus!

Contemplar o Natal

Jesus nasce em Belém

Menino Jesus reclinado em uma Manjedoura

Reclinou-O numa Manjedoura

Dos arredores de Belém, onde contemplávamos os pastores, vamos passar neste capítulo para a cidade, a cidadezinha onde Maria e José chegaram buscando pousada. Ao olhar para eles, procuraremos fazer uma meditação que seja, ao mesmo tempo, uma contemplação e um exame de consciência pessoal, como que um pequeno retiro espiritual de preparação para o Natal. Há uma coisa que vemos em todos os presépios: o lugar onde Jesus nasceu é desamparado, um pobre estábulo onde se recolhe o gado. Umas vezes, tem a aparência de uma gruta – assim deve ter sido na realidade – e outras, a de um telheiro ou galpão de adobe e tábuas, chão batido e palha. A tradição do presépio é fiel ao Evangelho (Lc 2, 1-7), pois nele se diz que Maria e José chegaram a Belém para se recensear, e

estando eles ali, completaram-se os dias dela. E deu à luz seu filho primogênito e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o numa manjedoura; porque não havia lugar para eles na estalagem.

Contemplar o Natal

Os Pastores

Pastores adorando Menino Jesus

Os Pastores Vigiavam

Vamos dirigir a atenção, neste capítulo, àqueles pastores que cuidavam dos seus rebanhos nos arredores de Belém na noite em que Jesus nasceu (Lc 2, 8-20). As suas figuras estão em todos os presépios, e são dignas de ser contempladas, porque eles foram os primeiros a adorar o Menino Deus na noite de Natal. Não é por acaso que Deus lhes anunciou essa alegria em primeiro lugar, antes que a ninguém mais. É porque eram criaturas simples e Deus ama, juntamente com a humildade, a simplicidade de coração. Talvez você se lembre daquelas palavras que Jesus proferiu com entusiasmo: Eu te dou graças, Pai, Senhor do Céu e da terra, porque revelaste estas coisas – as grandezas da nossa Redenção – aos pequeninos, aos simples.

Contemplar o Natal

As Alegrias de Maria e Isabel. A Alegria do Espírito Santo

Neste capítulo (cada capítulo do livro é uma meditação íntima), vamos transportar-nos de novo, com a imaginação, para a cena da Visitação de Maria a santa Isabel. Acabamos de considerar nas páginas anteriores a bela lição de caridade – «adivinhar» e «adiantar-se» -, que Nossa Senhora nos dá. Contemplaremos agora lições de «alegria» e de «humildade». Lendo o relato da Visitação no Evangelho (Lc 1, 41-55), impressiona ver que a visita de Nossa Senhora a santa Isabel foi uma grande explosão de alegria. Vemos aí a alegria de Deus fundida com a alegria das duas futuras mães e com a alegria dos filhos que ambas trazem no seio: Jesus e João Batista. Todos ficam inundados de júbilo. O Evangelho narra assim: Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, o menino [o futuro São João Batista] saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então Isabel olhou, encantada, para Maria e exclamou em voz alta:

Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E de onde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor? Pois logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio.

Contemplar o Natal

Maria visita Isabel. Coração aberto ao Próximo

Maria visita sua prima Isabel

No primeiro capítulo, víamos Maria abrir as portas do coração a Deus, respondendo com um sim cristalino àquilo que o Anjo lhe anunciava da parte do Senhor. Como resposta de Deus àquele sim da Virgem, o Verbo se fez carne no seu ventre imaculado. Não é difícil imaginar como Maria deve ter se sentido depois da Anunciação. Trazia Deus no seu seio. Começava a amar a Deus com amor de Mãe. Teria sido lógico que se ensimesmasse, que ficasse concentrada em si mesma, que se absorvesse no mistério divino que habitava nela. Como não ficar pensando no Filho, na vida nova que começava para ela, no futuro que jamais teria imaginado? Agir desse modo seria humano, seria lógico. Mas ela não fez assim: não ficou enclausurada em si, concentrada no seu mistério interior, mesmo tendo fortes razões para fazê-lo.

Contemplar o Natal

José: O Amor Fiel. Um Homem Justo

São José, Amor fiel. Um homem Justo

Vamos contemplar, neste capítulo, a figura de são José. No presépio, ele costuma estar um pouco recuado, quase na sombra, olhando para o Menino e amparando Maria e Jesus com a sua vigilância carinhosa. Que figura, a de são José! O Evangelho o define com uma só palavra: era justo (Mt 1, 19). Vale a pena meditarmos nisso. Pode ajudar-nos lembrar que, quando a Bíblia afirma que alguém é justo, quer dizer que é bom, que é reto, que está sempre «ajustado» com Deus, ou seja, que vive sempre em sintonia com Deus, com os seus preceitos e os seus pedidos. Numa palavra, que é santo e que, por isso mesmo, também é íntegro e honesto com os outros. Essas qualidades brilham mais quando lembramos que São José teve um caminho bastante sofrido, misto de sombras e de luzes, até chegar ao Natal. Foi reto no meio das perplexidades, foi totalmente leal a Deus e a Maria nos dias desconcertantes em que não podia entender o que estava acontecendo.

Contemplar o Natal

A Aurora do Natal: Maria

Virgem Maria: Aurora do Natal

O raiar da antemanhã

Depois de uma noite escura de séculos, um dia surgiu sobre o mundo a luz de um novo amanhecer: apareceu Maria, criatura em quem se refletia sem sombras a imagem de Deus, pois foi concebida livre da mancha do pecado original. Quem é esta que avança como a aurora que desponta? – pergunta a Liturgia, com palavras do Cântico dos Cânticos (6, 10), e responde que é a Virgem Maria, preparada por Deus desde toda a eternidade para ser a digna Mãe do seu Filho, a aurora do Sol nascente, que é Cristo (Lc 1, 78). Há uma oração em honra de Nossa Senhora, que reza assim: «A maternidade de Maria foi a aurora da Salvação». E o Bem-aventurado Paulo VI, comentando essa frase poética, dizia:

O aparecimento de Nossa Senhora no mundo foi como a chegada da aurora que precede a luz da salvação, que é Cristo Jesus. Foi como o abrir-se sobre a terra, toda coberta pela lama do pecado, da mais bela flor que jamais tenha desabrochado no vasto jardim da humanidade. (Homilia, 08.09.1964)

Publicado em Rumo à Santidade.

Santa Teresa d’Ávila: A jornada espiritual e os sete estágios do Castelo Interior

A vida de Santa Teresa d’Ávila começou em Gotarrendura, uma pequena vila próxima a Ávila, Espanha, em 28 de março de 1515. Ela nasceu em uma família de ascendência judaica convertida ao catolicismo. Seu nome de nascimento era Teresa de Cepeda y Ahumada.

Desde cedo, Teresa demonstrou uma profunda devoção à fé católica. Seu pai, Alonso Sánchez de Cepeda, era um homem culto e amante da leitura, o que influenciou positivamente a educação de Teresa. Ela cresceu em um ambiente que valorizava a religião, e sua família incentivou seu crescimento espiritual.

No entanto, a juventude de Teresa não foi isenta de desafios. Aos 14 anos, ela perdeu sua mãe, Beatriz de Ahumada, o que a afetou profundamente. Aos 16 anos, ela foi enviada para o Convento das Irmãs Agostinianas de Santa Maria de Gracia, em Ávila, principalmente porque seu pai desejava que ela recebesse uma educação religiosa adequada. Teresa permaneceu no convento por cerca de um ano, mas sua saúde precária a levou de volta para casa.

Durante sua adolescência, Teresa gostava de ler histórias de santos e escrever cartas para suas amigas. Ela era uma jovem introspectiva e espiritualmente inclinada, e essas características se tornariam fundamentais em sua futura jornada como freira e mística.

Aos 20 anos, Teresa decidiu seguir sua vocação religiosa e ingressou no Convento das Carmelitas da Encarnação, em Ávila, marcando o início de sua vida como freira carmelita. Foi o começo de uma jornada espiritual que a levaria a se tornar uma das figuras mais importantes da história da Igreja Católica e da mística cristã.

Esses anos iniciais da vida de Santa Teresa d’Ávila foram marcados por sua devoção crescente e pela busca por um entendimento mais profundo de sua fé. Sua entrada no convento marcou o início de uma jornada espiritual extraordinária que impactaria não apenas sua vida, mas também na história da espiritualidade cristã.

A grande contribuição de Santa Teresa à Igreja Católica foi a reforma do Carmelo, esta reforma recebeu o nome de Carmelitas Descalças, um movimento que buscava restaurar o rigor monástico e a simplicidade na vida das freiras carmelitas. Ela acreditava que a vida monástica deveria ser uma busca intensa e apaixonada por Deus. Em 1562, Santa Teresa fundou o Convento de São José em Ávila, que foi o primeiro de muitos conventos carmelitas reformados que ela estabeleceu.

Além de sua atividade na reforma do Carmelo, Santa Teresa foi uma prolífica escritora. Suas obras mais famosas incluem “O Livro da Vida” e “Caminho de Perfeição”. Ela escreveu sobre suas experiências místicas, suas visões e sua busca por uma união profunda com Deus. Suas escritas são valorizadas até hoje por sua profundidade espiritual e estilo literário.

Santa Teresa d’Ávila também foi uma grande defensora da oração contemplativa e do recolhimento espiritual. Ela descreveu o estado de êxtase místico, no qual a alma se sente unida a Deus de maneira indescritível, como uma das experiências mais elevadas da vida espiritual.

O livro “Castelo Interior,” também conhecido como “As Moradas” (ou “Las Moradas” em espanhol), é uma das obras mais conhecidas de Santa Teresa d’Ávila. O ensinamento principal deste livro é a descrição da jornada espiritual e o caminho em direção à união com Deus. É uma obra que explora profundamente a vida interior e a busca pela contemplação divina.

O livro compara a alma humana a um castelo com sete moradas, cada uma representando um estágio diferente na busca espiritual. O objetivo final é alcançar a união íntima com Deus, que é representado como o centro do castelo, a morada mais interna.

Os ensinamentos fundamentais do “Castelo Interior” incluem:

  • A importância da oração e da contemplação: Santa Teresa enfatiza a necessidade de uma vida de oração profunda e íntima como o meio pelo qual a alma pode progredir em direção a Deus.
  • A jornada interior: O livro descreve as diferentes etapas da jornada espiritual, desde o início, quando a alma está distante de Deus, até a culminação na união mística.
  • A purificação da alma: Santa Teresa destaca a importância da purificação da alma de todas as impurezas e apegos mundanos como parte essencial do processo espiritual.
  • O papel da graça divina: Ela enfatiza que a progressão na jornada espiritual depende da graça de Deus e da disposição da alma em abrir-se para essa graça.
  • A união mística: O objetivo final da jornada é a união mística com Deus, uma experiência profunda e indescritível de comunhão divina.

Como comentado, as sete moradas representam os diferentes estágios da jornada espiritual em direção à união com Deus. Cada morada descreve um nível específico do progresso espiritual. Aqui estão as sete moradas:

  1. Primeira Morada: Neste estágio inicial, a alma começa a despertar para a vida espiritual, muitas vezes após uma conversão ou um despertar espiritual. Ela começa a perceber a importância da oração e da busca por Deus, mas ainda está fortemente ligada às preocupações mundanas.
  2. Segunda Morada: Na segunda morada, a alma experimenta um desejo mais profundo de comunhão com Deus e começa a se dedicar mais à oração e à vida espiritual. Ela começa a enfrentar os desafios da vida interior, como a luta contra as distrações na oração.
  3. Terceira Morada: Neste estágio, a alma progride ainda mais em sua busca por Deus. Ela começa a experimentar momentos de consolação divina, momentos de profunda alegria e presença de Deus em sua vida. No entanto, essas experiências podem ser intercaladas com períodos de aridez espiritual.
  4. Quarta Morada: Na quarta morada, a alma experimenta uma intensificação das experiências místicas e um desejo ardente de se entregar completamente a Deus. Ela se torna mais consciente de suas fraquezas e pecados e busca a purificação interior.
  5. Quinta Morada: Neste estágio, a alma experimenta uma profunda união com Deus, frequentemente descrita como um “êxtase místico”. Ela está mais centrada em Deus do que em si mesma e está disposta a fazer grandes sacrifícios para alcançar uma comunhão mais profunda.
  6. Sexta Morada: Na sexta morada, a alma atinge uma união quase constante com Deus. Ela está em um estado de amor divino e entrega completa. A luta contra o ego e as preocupações mundanas continua, mas a alma está cada vez mais imersa na presença divina.
  7. Sétima Morada: A sétima morada é o estágio mais elevado da jornada espiritual, onde a alma atinge a união completa e permanente com Deus. Neste estágio, a alma está completamente transformada pela graça divina e vive em profunda comunhão com Deus.

É importante notar que Santa Teresa enfatiza que essa jornada espiritual não é linear, e as almas podem avançar e retroceder nos estágios, dependendo da graça divina e da busca contínua. Cada morada representa um estágio de progresso na vida espiritual, e nosso objetivo é a união com Deus na sétima morada.

Que possamos pedir a Deus a graça para caminhar firmemente em direção à morada final, onde nosso Senhor residirá no centro de nossa alma, e nós, livres das amarras do mundo, poderemos verdadeiramente louvar e agradecer por termos um Pai como Ele.

Por fim, compartilhamos a linha poesia de Santa Tereza: “Vossa sou, para Vós nasci”:

Vossa sou, para Vós nasci

Vossa sou, para Vós nasci,
Que quereis fazer de mim?

Soberana Majestade,
Eterna Sabedoria,
Bondade tão boa para a minha alma,
Vós, Deus, Alteza, Ser Único, Bondade,
Olhai para a minha baixeza,
Para mim que hoje Vos canto o meu amor.
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, pois me resgatastes,
Vossa, pois me suportais,
Vossa, pois me chamastes,
Vossa, pois me esperais,
Vossa pois não estou perdida,
Que quereis fazer de mim?

Que quereis então, Senhor tão bom,
Que faça tão vil servidor?
Que missão destes a este escravo pecador?

Eis-me aqui, meu doce amor,
Meu doce amor, eis-me aqui.
Que quereis fazer de mim?

Eis o meu coração,
Que coloco em vossas mãos,
Com o meu corpo, minha vida, minha alma,
Minhas entranhas e todo o meu amor.
Doce Esposo, meu Redentor,
Para ser vossa me ofereci,
Que quereis fazer de mim?

Dai-me a morte, dai-me a vida,
A saúde ou a doença
Dai-me honra ou desonra,
A guerra, ou a maior paz,
A fraqueza ou a paz plena,
A tudo isso, digo sim:
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, para Vós nasci,
Que quereis fazer de mim?

Publicado em Paróquia São Pedro e São Paulo.

Imagem: Wikipédia.

Quaresma: um caminho para salvação

Quaresma nos motiva a não fazermos as pazes com nossas paixões desenfreadas, ou atitudes anticristãs, um convite a buscarmos o bem, e principalmente a combatermos o mal que muitas vezes tenta nos desconfigurar da “imagem e semelhança de Deus” que fomos criados. Todos nós cristãos somos chamados à conversão contínua para alcançarmos a “estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4,13).

No contexto social são intensos os preparativos para se comemorar as festas de significados relevantes. Quanto mais importante é a festa, mais tempo reservamos para as preparações, e nessas preparações já começamos a experimentar a alegria do que iremos comemorar.

De maneira análoga, porém, mistagógica, a Igreja propõe aos fiéis católicos um caminho de santidade a ser preparado e percorrido por um longo período, em dois ciclos que possuem uma dinâmica própria de celebração, são eles: o ciclo do Natal e o ciclo da Páscoa. Ambos os ciclos têm “o seu momento forte” da celebração propriamente dita, porém, precedido pela vivência da preparação, e sucedido por um prolongamento, chamado Mistério pascal.

O período de quarenta dias, compreendido entre a Quarta-feira de Cinzas e a Quinta-feira Santa pela manhã, é um tempo forte na vida da Igreja, tempo em que percorremos o caminho para a Páscoa, a celebração do “Grande Sacramento Pascal”, da Morte e Ressurreição de Jesus e nossa. A solenidade da Páscoa ultrapassa todas as outras do ano litúrgico.  É a maior de todas as festas cristãs, portanto, requer uma esmerada preparação. Seu objetivo, não se restringe apenas a um momento circunscrito do plano da salvação, mas o abrange em sua plenitude.Nesses quarenta dias a Liturgia da Palavra leva-nos a fazermos memória dos quarenta anos do povo de Deus no deserto, a revivermos os quarenta dias que Jesus passou no deserto, preparando-se para a sua missão outorgada pelo Pai.

É um tempo de aprimorada escuta da Palavra de Deus, de oração mais intensa, de jejum com firme propósito de mudança de vida. Tempo de reconciliação com Deus e com os irmãos, tempo de esmola (caridade), de partilha, de gestos solidários, de atenção aos pobres e necessitados. 

A Quaresma nos motiva a renunciarmos nossas paixões desenfreadas, ou atitudes anticristãs, um convite a não somente a buscarmos o bem, mas a combatermos o mal que muitas vezes tenta nos desconfigurar da “imagem e semelhança de Deus”. Todos nós cristãos somos chamados à conversão contínua para atingirmos a “estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4,13).

Para melhor vivenciarmos esse rico Tempo litúrgico, a Igreja nos oferece celebrações relevantes para a nossa conversão, são elas: Quarta-feira de Cinzas, através da qual abrimos esse tempo de preparação pascal: “Convertei-vos, e crede no Evangelho!” Depois temos cinco Domingos da Quaresma, quando nos reunimos para celebrar a presença viva do Senhor que nos mostra o caminho para a vitória definitiva da Páscoa. E então vem o Domingo de Ramos, no qual lembramos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, onde ele sofrerá a Paixão e mergulhará na morte, para depois ressuscitar vitorioso. Ainda como parte da Quaresma, celebramos na Quinta-feira Santa, pela manhã, a Missa dos Santos Óleos.

Peçamos ao Senhor que nos conceda a graça da perseverança e fidelidade ao seu plano de amor por nós, que nos conduz ao caminho da nossa salvação.

Oremos: Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder ao seu amor por uma vida santa. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!

Perguntas para a reflexão: 

  1. O que significa para você a Quaresma?
  2. O que você costuma fazer no Tempo da Quaresma?
  3. O que lembra para você o Tempo da Quaresma?
  4. Como viver hoje o Tempo da Quaresma, na família, na comunidade, individualmente?

Texto: Zilbete Gonzaga | Revisão de Texto: Padre César Almeida Siqueira, sdb | Imagens: Internet | Design Imagem Capa: Ricardo Campolim – Pascom

Publicado em Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora (Salesianos)

Das humilhações e desprezos que Jesus Cristo sofreu

Flagelação de Cristo, por Caravaggio
Flagelação de Cristo, por Caravaggio

Vidimus eum… despectum et novissimum virorum – “Vimo-lo… feito um objeto de desprezo e o último dos homens” (Is 53, 3)

Sumário. Quem pudera jamais imaginar que, tendo o Filho de Deus vindo à terra a fazer-se homem por amor dos homens, viesse a ser tratado por eles com tamanhos insultos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil de todos? No entanto, assim aconteceu. Jesus foi traído por Judas, negado por Pedro, abandonado por seus discípulos, tratado de louco, açoitado qual escravo, e, afinal, proposto ao homicida Barrabás, foi condenado a morrer crucificado. Ah! Se este exemplo de Jesus Cristo não cura o nosso orgulho, não há remédio que o possa curar.

I. Diz Bellarmino que os desprezos causam mais pena às almas grandes do que as dores do corpo. Com efeito, se estas afligem a carne, aqueles afligem a alma, cuja pena é tanto maior quanto ela é mais nobre que o corpo. Mas quem teria jamais imaginado que o personagem mais digno do céu e da terra, o Filho de Deus, vindo ao mundo a fazer-se homem por amor dos homens, houvesse de ser tratado por estes com tamanhos desprezos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil dos mortais? No entanto, assim aconteceu, pelo que Isaías disse: Vimo-lo desprezado e feito o último dos homens.

E que qualidade de afrontas não sofreu o Redentor em todo o tempo de sua vida, e especialmente em sua Paixão? Viu-se exposto a afrontas da parte de seus próprios discípulos. Um deles o traiu e vendeu por trinta dinheiros. Outro negou-o muitas vezes, mostrando assim que se envergonhava de o ter conhecido. Os outros discípulos, vendo-o preso e amarrado, fugiram todos e o abandonaram: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (1). Se Jesus Cristo foi tratado assim pelos seus próprios discípulos, faze-te uma ideia de como havia de ser tratado pelos seus inimigos mais encarniçados!

Ai, meu Senhor! No Sinédrio de Caifás vejo-Vos amarrado como um malfeitor; esbofeteado como homem insolente, declarado réu de morte como usurpador sacrílego da dignidade divina; e como homem já condenado ao suplício, vejo-Vos entregue à discrição de um canalha que Vos maltrata com pontapés, escarros e empurrões. Na casa de Herodes, Vos vejo, ó meu Jesus, feito alvo dos escárnios daquele rei impuro e de toda a sua corte; vejo-Vos coberto de um manto branco, tratado como ignorante e louco, e levado assim pelas ruas de Jerusalém. – No pretório de Pilatos, Vos vejo açoitado com milhares de golpes, qual servo rebelde, coroado de espinhos qual rei de teatro; posposto ao homicida Barrabás, e, finalmente, condenado a morrer crucificado. Por isso, vejo-Vos, por último, no Calvário, crucificado entre dois ladrões, praguejado, amofinado, insultado e feito o mais vil dos homens, homem de dores e opróbrios. Ai meu pobre Senhor!

II. As injúrias e os desprezos que Jesus Cristo quis sofrer no tempo de sua Paixão, foram tantos e tão grandes, que, no dizer de Santo Anselmo, não podia ser mais humilhado, do que realmente o foi. E o devoto Taulero diz que é opinião de São Jerônimo, que as penas sofridas por nosso Senhor, especialmente na noite que precedia a sua morte, só serão plenamente conhecidas no dia do juízo.

Mas para que tantos desprezos? É São Pedro quem no-lo diz: Jesus Cristo quis desta forma mostrar-nos quanto nos ama e ensinar-nos pelo seu exemplo a sofrermos resignadamente os desprezos e as injúrias: Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum, ut sequamini vestigia eius (2). Eis porque Santo Agostinho, falando das ignomínias padecidas pelo Senhor, conclui: “Se esta medicina não cura o nosso orgulho, não sei que outro remédio o possa curar!”

Ah, meu Jesus! Vendo um Deus tão desprezado por meu amor, não poderei eu sofrer o mais pequeno desprezo por vosso amor? Eu, pecador e orgulhoso? E d’onde, meu divino Mestre, me pode vir este orgulho? Pelos merecimentos das afrontas que tendes suportado por mim, dai-me a graça de sofrer, com paciência e com alegria, as afrontas e as injúrias. Proponho com vosso auxílio, d’aqui em diante, não me entregar mais ao ressentimento e receber com alegria todos os opróbrios de que eu possa ser alvo. Mereceria outros desprezos, porque desprezei a vossa divina Majestade e mereci os desprezos do inferno. E Vós, meu amado Redentor, me fizestes verdadeiramente doces e amáveis as afrontas, quando aceitastes tantas afrontas por meu amor. Proponho além disso, para Vos agradar, fazer todo o bem que eu puder àquele que me desprezar, ao menos dizer bem dele e orar por ele. Desde já Vos peço que acumuleis todas as vossas graças sobre os de quem tenha recebido alguma injúria. Amo-Vos, bondade infinita, e quero amar-Vos sempre com todas as minhas forças. – Ó minha aflita Mãe, Maria, alcançai-me a santa perseverança.

Referências:

(1) Mc 14, 50
(2) 1 Pd 2, 21

Publicado em Rumo à Santidade.

Saber viver o sofrimento a exemplo de Cristo e São Paulo

Ninguém gosta de sofrer e poucos conseguem perceber que o sofrimento é redentor. Para perceber que existe um mistério salvífico no sofrer, basta que olhemos como Cristo viveu o seu sofrimento. A Cruz foi para Cristo a coroação do seu sofrimento e o ápice de toda a paixão salvadora. Durante as dificuldades e sofrimentos da vida, muitos se perguntam: “Por que eu estou passando por este sofrimento?”.

A resposta para essa pergunta é complexa, porém, podemos buscar nos dois grandes exemplos encontrados nos relatos bíblicos, Jesus e São Paulo. Primeiro, Cristo sofre por um fim, existe uma finalidade no padecimento do Senhor. Segundo, o apóstolo São Paulo sabiamente configura-se a Cristo e utiliza dos seus sofrimentos para assemelhar-se mais ainda. Essas duas grandes figuras de maneira geral têm muito a nos ensinar, principalmente quando se fala de dor e sofrimento.

O sofrimento de Cristo

O livro de Is 53,3-4 quando escreve sobre o Servo sofredor, figura essa que a igreja identifica a prefiguração de Cristo, relata o seguinte: “Era o mais desprezado e abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor, indivíduo de quem a gente desvia o olhar, repelente, dele nem tomamos conhecimento. Eram na verdade os nossos sofrimentos que ele carregava, eram as nossas dores, que levava às costas”.

Esse trecho do livro de Isaías retrata o motivo pelo qual Cristo padeceu. Foi para nos livrar das nossas dores, para reparar o erro cometido por nós. E você pode se perguntar: “Por que ainda sofremos?”. As ações de Jesus têm sempre um teor de eternidade, por isso, o padecimento de Cristo livrou-nos não do que é passageiro, mas do que é definitivo, ou seja, livrou-nos do sofrimento eterno muito mais do que o sofrimento passageiro.

A Cruz, ao mesmo tempo que retrata a dor e a morte do Senhor, significa sinal de redenção. O que para os judeus era escândalo e para os pagãos loucura, para nós, cristãos, é sinal de salvação e da glória de Cristo. O Senhor transforma todas as coisas, até mesmo o antigo sentido da cruz que, agora, torna-se novo com a manifestação de Jesus.

Os sofrimentos de Paulo

O apóstolo São Paulo começa a Carta aos Colossenses com uma declaração que, ao olhar humano, pode ser insana: “Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24). São Paulo não se alegra por ter recebido a liberdade da prisão, por ter recebido o “título” de apóstolo ou por ser reconhecido pelas pessoas, mas ele se alegra por sofrer. Sim, São Paulo deixa explicitamente claro que a sua alegria é suportar os sofrimentos e ainda completar o que falta a Cristo.

O apóstolo não é nenhum tipo de masoquista ou alguém que busca o sofrimento pelo sofrimento, mas, assim como Cristo, ele o faz por um sentido. São Paulo sabe que ele pode tirar proveito do que a vida o proporcionou viver, não um proveito pessoal, e sim como ele mesmo disse: em favor do corpo de Cristo que é a Igreja. Ele ainda coloca numa progressão geométrica do sofrimento, pois, à medida que crescem os sofrimentos de Cristo para nós, cresce também a nossa consolação por Cristo, eis então o ângulo pelo qual os cristãos entendem o sentido do padecer. O sofrimento tem a condição de fazer crescer o conforto do homem em Cristo.

O meu sofrimento

O Senhor concede aos homens poderem contribuírem com a humanidade sendo cooperadores de d’Ele e de seu Reino. O Catecismo da Igreja Católica no n° 307 diz: “os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, por suas ações, por suas orações, mas também por seus sofrimentos”. Partindo desse parágrafo do Catecismo e por meio do sacramento do Batismo, o cristão é convidado a ser outro Cristo assemelhando-se a Ele. Dessa forma, a semelhança não pode ser pela metade ou naquilo que nos convém, mas em tudo, até nas dores.

Precisamos utilizar dos nossos sofrimentos para remir as culpas obtidas pelos nossos pecados. A sabedoria que São Paulo expressou na Carta aos Romanos 8,18 é, de certa forma, reconfortante e nos promete uma recompensa sem medidas, impulsionando-nos a bem viver as dores que padecemos: “Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada”. Sabemos que somos peregrinos neste mundo, estamos de passagem e não há motivo de nos apegarmos aqui nesta vida eternidade, pois a eternidade está na glória de Cristo. A nossa espera deve ser na glória futura, no que Deus ainda tem reservado para os fiéis.

Foi por consequência da obra salvífica de Cristo que o homem passou a ter esperança da vida e da santidade. A linguagem da cruz quer nos comunicar um sentido, mas esse só poderá ser entendido se olhado pelas chagas abertas de Cristo pelas quais o ser humano é salvo. Aprendamos com São Paulo e com Nosso Senhor Jesus Cristo a dar sempre sentido às dores e dificuldades que passamos. Os insensatos murmuram dos sofrimentos e os sábios tiram proveito para a contribuição da obra de Cristo.

Por Fábio Nunes, via Canção Nova

Publicado em Catedral Divino Espírito Santo (Palmas – TO)

Amor de Jesus Cristo em dar-se a nós como alimento

Santa Comunhão - Eucaristia

Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos
para se fazer a Oração Mental proposta por Santo Afonso!

In funiculis Adam traham eas, in vinculis caritatis… et declinavi ad eum ut vescerentur – “Eu as atrairei com as cordas com que se atraem os homens, com as prisões da caridade… inclinei-me para ele, para que comesse” (Os 11, 4)

Sumário. Quanto se julgaria distinguido o súdito a quem o príncipe mandasse algumas iguarias da sua mesa? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte da sua mesa, mas o seu próprio corpo, a sua alma e a sua divindade. Será porventura uma pretensão exagerada da parte do Senhor, se, em compensação de tão grande dom, nos pede o nosso pobre coração todo inteiro? Todavia quantos cristãos não há que Lho recusam completamente ou Lho querem dar, mas dividido entre Ele e as criaturas?

I. Jesus Cristo não satisfez o seu amor, sacrificando a sua vida por nós num oceano de ignomínias e dores, a fim de patentear o amor que nos tinha. Além disso, e para nos obrigar mais fortemente a amá-Lo, quis, na véspera da sua morte, deixar-se todo a nós como nosso alimento na santíssima Eucaristia. ― Deus é todo-poderoso, mas depois de dar-se a uma alma neste Sacramento de amor, não lhe pode dar mais. Diz o Concílio de Trento que Jesus, dando-se aos homens na santa comunhão, derramou (por assim dizer) neste único dom todas as riquezas de seu amor infinito: Divitias sui erga homines amoris velut effudit.

Como não se julgaria honrado, escreve São Francisco de Sales, o vassalo a quem o príncipe enviasse algumas iguarias da sua mesa! E que seria se lhe desse para sustento alguma coisa da sua própria substância? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte de sua mesa, não só uma parte da sua carne sacrossanta, mas o seu corpo inteiro: Accipite et comedite: hoc est corpus meum (1) ― “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. E com o corpo nos dá também a alma e a divindade. Numa palavra, diz São João Crisóstomo, Jesus Cristo dando-se a si próprio no Santíssimo Sacramento, dá tudo o que tem e não Lhe resta mais nada para dar: Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit.

É pois com razão que este dom é chamado por Santo Tomás: sacramento e penhor de amor, e por São Bernardo: amor dos amores: amor amorum, porque Jesus Cristo reúne e completa neste sacramento todas as outras finezas do seu amor para conosco. Pelo mesmo motivo Santa Maria Madalena de Pazzi chamava o dia em que Jesus instituiu este sacramento, o dia do amor. Ó maravilha e prodígio do amor divino! Deus, o Senhor de todas as coisas, se faz todo nosso!

II. Praebe, fili mi, cor tuum mihi (2) ― “Meu filho, dá-me teu coração”. Eis o que Jesus Cristo nos diz lá de dentro do santo Tabernáculo: Meu filho, em compensação do amor que te mostrei, dando-te o dom inapreciável do Santíssimo Sacramento, dá-me o teu coração e ama-me de hoje em diante com todas as tuas forças, com toda a tua alma. ― Parece-te porventura, meu irmão, que o nosso Salvador é exigente demais, depois de se ter dado a si próprio sem reserva? Todavia, quantos cristãos não há que recusam por completo seu coração a Jesus, ou querem dividi-lo entre Ele e as criaturas!

Ó meu caro Jesus, que mais podeis executar para nos atrair a vosso amor? Ah! Dai-nos a conhecer por que excesso de amor Vos reduzistes a estado de alimento, para Vos unir a pobres e vis pecadores como somos? Ó meu Redentor, vossa ternura para comigo tem sido tão grande, que não recusastes dar-Vos muitas vezes todo a mim na santa comunhão; e eu, quantas vezes tive a ingratidão de Vos expulsar da minha alma! Mas não é possível que desprezeis um coração contrito e humilhado. Por mim Vos fizestes homem, por mim morrestes e chegastes a Vos fazer meu alimento; após isto, que Vos fica ainda por fazer no intuito de conquistardes meu amor? Ah! Não poder eu morrer de dor, cada vez que me lembro de ter assim desprezado vossa graça! Ó meu Amor, arrependo-me de todo o meu coração de Vos ter ofendido. Amo-Vos, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó Amor infinito. Nada mais desejo senão amar-Vos, e nada mais temo senão viver sem Vos amar.

Meu amado Jesus, não recuseis vir à minha alma. Vinde, porque estou resolvido a morrer antes mil vezes, que repelir-Vos de novo, e quero fazer tudo para Vos agradar. Vinde e abrasai-me todo no vosso amor. Fazei com que me esqueça de todas as coisas, para não mais pensar senão em Vós, e só a Vós buscar, meu único e soberano Bem. ― Ó Maria, minha Mãe, rogai por mim, e, por vossas orações, tornai-me reconhecido para com Jesus Cristo, que tanto amor me tem.

Referências:

(1) I Cor 11, 24
(2) Pv 23, 26

Publicado em Rumo à Santidade.

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Piedosas e edificantes meditações sobre os sofrimentos de Jesus

Por Sto. Afonso Maria de Ligório.

INVOCAÇÃO A JESUS E MARIA

Ó Salvador do mundo, ó amante das almas, ó Senhor, o mais digno objeto de nosso amor, vós, por meio de vossa Paixão, viestes a conquistar os nossos corações, testemunhando-lhes o imenso afeto que lhes tendes, consumando uma redenção que a nós trouxe um mar de bênçãos e a vós um mar de penas e ignomínias. Foi por este motivo principalmente que instituístes o SS. Sacramento do altar, para que nos lembrássemos continuamente de vossa Paixão, como diz S. Tomás: ut autem tanti beneficii jugis in nobis maneret memoria, corpus suum in cibum fidelibus dereliquit (Opusc. 57). E já antes dele disse S. Paulo: Quotiescumque enim manducabitis panem hunc… mortem Domini annunciabitis (1Cor 11,26).

Como tais prodígios de amor já tendes conseguido que inúmeras almas santas, abrasadas nas chamas de vosso amor, renunciassem a todos os bens da terra, para se dedicarem exclusivamente a amar tão somente a vós, amabilíssimo Senhor. Fazei, pois, ó meu Jesus, que eu me recorde sempre de vossa Paixão e que, apesar de miserável pecador, vencido finalmente por tantas finezas de vosso amor, me resolva a amar-vos e a dar-vos com o meu pobre amor algumas provas de gratidão pelo excessivo amor que vós, meu Deus e meu Salvador, me tendes demonstrado.

Recordai-vos, ó Jesus meu, que eu sou uma daquelas vossas ovelhinhas, por cuja salvação viestes à terra sacrificar vossa vida divina. Eu sei que vós, depois de me terdes remido com vossa morte, não deixastes de me amar e ainda me consagrais o mesmo amor que tínheis ao morrer por mim na cruz. Não permitais que eu continue a viver ingrato para convosco, ó meu Deus, que tanto mereceis ser amado e tanto fizestes para ser de mim amado.

E vós, ó SS. Virgem Maria, que tivestes tão grande parte na Paixão de vosso Filho, impetrai-me pelos merecimentos de vossas dores a graça de experimentar um pouco daquela compaixão que sentistes na morte de Jesus e obtende-me uma centelha daquele amor, que constituiu o martírio de vosso coração tão compassivo.

Suplico-vos, Senhor Jesus Cristo, que a força de vosso amor, mais ardente que o fogo, e mais doce que o mel, absorva a minha alma, a fim de que eu morra por amor de vosso amor, ó vós que vos dignastes morrer por amor de meu amor. Amém.

FRUTOS QUE SE COLHEM NA MEDITAÇÃO DA PAIXÃO DE JESUS CRISTO.

INTRODUÇÃO.

1. O amante das almas, nosso amantíssimo Redentor, declarou que não teve outro fim, vindo à terra e fazendo-se homem, que acender o fogo do santo amor nos corações dos homens. “Eu vim trazer fogo à terra e que mais desejo senão que ele se acenda?” (Lc 12,49).

E, de fato, que belas chamas de caridade não acendeu ele em tantas almas, particularmente com os sofrimentos que teve de padecer na sua morte, a fim de patentear-nos o amor imenso que nos dedica! Oh! quantos corações, sentindo-se felizes nas chagas de Jesus, como em fornalhas ardentes de amor, se deixaram inflamar de tal modo por seu amor, que não recusaram consagrar-lhe os bens, a vida e a si mesmos inteiramente, vencendo corajosamente todas as dificuldades que se lhes deparavam na observância da Divina lei, por amor daquele Senhor que, sendo Deus, quis sofrer tanto por amor deles! Foi justamente este o conselho que nos deu o Apóstolo, para não desfalecermos mas até corrermos expeditamente no caminho do céu: “Considerai, pois, atentamente aquele que suportou tal contradição dos pecadores contra a sua pessoa, para que vos não fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12,3).

2. Por isso, S. Agostinho, ao contemplar Jesus todo chagado na cruz, orava afetuosamente:“Escrevei, Senhor, vossas chagas em meu coração, para que nelas eu leia a dor e o amor: a dor, para suportar por vós todas as dores; o amor, para desprezar por vós todos os amores”. Porque, tendo diante dos meus olhos a grande dor que vós, meu Deus, sofrestes por mim, sofrerei pacientemente todas as penas que tiver de suportar, e à vista do vosso amor, de que me destes prova na cruz, eu não amarei nem poderei amar senão a vós.

3. E de que fonte hauriram os santos o ânimo e a força para sofrer os tormentos, o martírio e a morte, senão dos tormentos de Jesus crucificado? S. José de Leonissa, capuchinho, vendo que queriam atá-lo com cordas para uma operação dolorosa que o cirurgião devia fazer-lhe, tomou nas mãos o seu crucifixo e disse: Cordas? Que cordas! Eis aqui os meus laços. Este Senhor pregado por meu amor com suas dores obriga-me a suportar qualquer tormento por seu amor.

E dessa maneira suportou a operação sem se queixar, olhando para Jesus, que “como um cordeiro se calou diante do tosquiador e não abriu a sua boca” (Is 53,7). Quem mais poderá dizer que padece injustamente vendo Jesus que “foi dilacerado por causa de nossos crimes?” Quem mais poderá recusar-se a obedecer, sob pretexto de qualquer incômodo, contemplando Jesus “feito obediente até à morte?” Quem poderá rejeitar as ignomínias, vendo Jesus tratado como louco, como reide burla, como malfeitor, esbofeteado, cuspido no rosto e suspenso num patíbulo infame?

4. Quem, pois, poderá amar um outro objeto além de Jesus, vendo-o morrer entre tantas dores e desprezos, a fim de conquistar o nosso amor? Um pio solitário rogava ao Senhor que lhe ensinasse o que deveria fazer para amá-lo perfeitamente. O Senhor revelou-lhe que, para chegar a seu perfeito amor, não havia exercício mais próprio que meditar frequentemente na sua Paixão.

Queixava-se S.Teresa amargamente de alguns livros, que lhe haviam ensinado a deixar de meditar na Paixão de Jesus Cristo, porque isto poderia servir de impedimento à contemplação da divindade. Pelo que a santa exclamava: “Ó Senhor de minha alma, ó meu bem, Jesus Crucificado, não posso recordar-me dessa opinião sem me julgar culpada de uma grande infidelidade. Pois seria então possível que vós, Senhor, fôsseis um impedimento para um bem maior? E donde me vieram todos os bens senão de vós?”

E em seguida ajuntava: “Eu vi que, para contentar a Deus e para que nos conceda grandes graças, ele quer que tudo passe pelas mãos dessa humanidade sacratíssima, na qual se compraz sua divina majestade”.

5. Por isso dizia o Padre Baltasar Álvarez que o desconhecimento dos tesouros que possuímos em Jesus é a ruína dos cristãos, sendo por essa razão a Paixão de Jesus Cristo sua meditação preferida e mais usada, considerando em Jesus especialmente três de seus tormentos: a pobreza, o desprezo e as dores, e exortava os seus penitentes a meditar frequentemente na Paixão do Redentor, afirmando que não julgassem ter feito progresso algum se não chegassem a ter sempre impresso no coração a Jesus crucificado.

6. Ensina S. Boaventura que quem quiser crescer sempre de virtude em virtude, de graça em graça, medita sempre Jesus na sua Paixão. E ajunta que não há exercício mais útil para fazer santa uma alma do que considerar assiduamente os sofrimentos de Jesus Cristo.

7. Além disso afirmava S. Agostinho (ap. Bern. de Bustis) que vale mais uma só lágrima derramada em recordação da Paixão de Jesus, que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água. E na verdade, porque vosso amante Salvador padeceu tanto senão para que nisso pensássemos e pensando nos inflamássemos no amor para com ele? “A caridade de Cristo nos constrange”, diz S. Paulo (2Cor 5,14).

Jesus é amado por poucos, porque poucos são os que meditam nas penas que por nós sofreu; que, porém, as medita a miúdo, não poderá viver sem amar a Jesus: sentir-se-á de tal maneira constrangido por seu amor que não lhe será possível resistir e deixar de amar a um Deus tão amante e que tanto sofreu para se fazer amar.

8. Essa é a razão por que dizia o Apóstolo que não queria saber outra coisa senão Jesus e Jesus Crucificado, isto é, o amor que ele nos testemunhou na cruz. “Não julgueis que eu sabia alguma coisa entre vós senão a Jesus Cristo e este crucificado (1Cor 2,2). E na verdade, em que livros poderíamos aprender melhor a ciência dos santos (que é a ciência de amar a Deus) do que em Jesus Crucificado?

O grande servo de Deus, Frei Bernardo de Corleone, capuchinho, não sabendo ler, queriam seus confrades ensinar-lhe. Ele, porém, foi primeiro aconselhar-se com seu crucifixo e Jesus respondeu-lhe da cruz: “Que livro! Que ler! eu sou o teu livro, no qual poderás sempre ler o amor que eu te consagro!” Oh! que grande assunto de meditação para toda a vida e para toda a eternidade: um Deus morto por meu amor!

9. Visitando uma vez S.Tomás d’Aquino a S. Boaventura, perguntou-lhe de que livro se havia servido para escrever tão belas coisas que havia publicado. S. Boaventura mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado, toda enegrecida pelos muitos beijos que lhe imprimira, dizendo-lhe: “Eis o meu livro, donde tiro tudo o que escreve; ele ensinou-me o pouco que eu sei”. Todos os santos aprenderam a arte de amar a Deus no estudo do crucifixo. Fr. João de Alvérnia, todas as vezes que contemplava Jesus coberto de chagas, não podia conter a lágrimas. Fr.Tiago de Todi, ouvindo ler a Paixão do Redentor, não só derramava abundantes lágrimas, mas prorrompia em soluços, oprimido pelo amor de que se sentia abrasado por seu amado Senhor.

10. S. Francisco fez-se aquele grande serafim pelo doce estudo do crucifixo. Chorava tanto ao meditar os sofrimentos de Jesus Cristo, que perdeu quase totalmente a vista. Uma vez encontraram-no chorando em altas vozes e perguntaram-lhe a razão. “O que eu tenho? Respondeu o santo, eu choro por causa dos sofrimentos e das afrontas ocasionadas ao meu Senhor e minha pena cresce e aumenta vendo a ingratidão dos homens que não o amam e dele se esquecem”.

Todas as vezes que ouvia balar um cordeiro, sentia grande compaixão, pensando na morte de Jesus, Cordeiro imaculado, sacrificado na cruz pelos pecados do mundo. Por isso, esse grande amante de Jesus nada recomendava com tanta solicitude a seus irmãos como a meditação constante da Paixão de Jesus.

11. Eis, portanto, o livro, Jesus Crucificado, que, se for constantemente lido por nós, também nós aprenderemos de um lado temer o pecado e doutro nos abrasaremos em amor por um Deus tão amante, lendo em suas chagas a malícia do pecado que reduziu um Deus a sofrer uma morte tão amarga para por nós satisfazer a justiça divina e o amor que nos manifestou o Salvador, querendo sofrer tanto para nos fazer compreender o quanto nos amava.

12. Supliquemos à divina Mãe Maria, que nos obtenha de seu Filho a graça de entrarmos nessa fornalha de amor onde ardem tantos corações para que aí sejam destruídos nossos afetos terrenos e possamos nos abrasar naquelas chamas bem-aventuradas que fazem as almas santas na terra e bem-aventuradas no céu.

Publicado em A Obra do Divino Espírito Santo.

ORAÇÃO PENITENCIAL PARA A QUARESMA

Abre-me as portas da penitência, Senhor, Fonte de vida, pois desde a aurora, meu espírito que leva o templo de meu corpo todo manchado de pecado está voltado para Teu Templo santo! Em Tua infinita bondade, purifica-me por Tua doce misericórdia. Aplana-me o caminho da salvação, ó Mãe de Deus! Pois sujei minha alma com pecados infames dissipando minha vida na negligência. Por Tua intercessão, salva-me de toda impureza! Quando medito, miserável, sobre a multidão de minhas más ações fico aterrorizado ao pensar no temível dia do Julgamento. Porém confiando em Tua bondade misericordiosa, chamo a Ti, como David: Tem piedade de mim, ó Deus segundo Tua imensa misericórdia!

(Fonte: in Devocionário Quaresmal, J. L. Risoto, p. 5, em formato PDF)

Publicado em Sou Todo Teu, Maria.