A Paixão de Cristo: uma Profunda Análise Católica

QUARESMA – 2024

A Paixão de Cristo é um dos eventos mais significativos e profundamente simbólicos da fé católica, representando o ápice do amor de Deus pela humanidade e o sacrifício redentor de Jesus Cristo. Este artigo visa explorar o significado e o simbolismo da Paixão de Cristo, destacando como esses eventos, descritos nos Evangelhos, continuam a influenciar e moldar a fé católica. 

Entendendo a Paixão de Cristo

A narrativa da Paixão de Cristo se desenrola em várias etapas, cada uma com seu significado teológico e espiritual profundo:

A Entrada em Jerusalém

A entrada de Jesus em Jerusalém, aclamado como Messias, cumpre a profecia de Zacarias: “Alegra-te muito, filha de Sião! Exulta, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti; ele é justo e salvador” (Zacarias 9:9). Este momento simboliza a aceitação de Jesus de sua missão redentora e a expectativa messiânica do povo.

A Última Ceia

Durante a Última Ceia, Jesus institui a Eucaristia, dizendo: “E, tomando o pão, deu graças, partiu-o e deu-lhes, dizendo: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim’. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é o novo pacto no meu sangue, que é derramado por vós'” (Lucas 22:19-20). Aqui, Jesus estabelece um novo pacto, marcando a transição da Antiga para a Nova Aliança.

A Oração no Jardim do Getsêmani

Confrontado com a realidade de sua iminente morte, Jesus ora intensamente no Getsêmani: “Pai, se quiseres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42). Este momento destaca a humanidade de Jesus, sua angústia e sua submissão total à vontade do Pai.

A Traição de Judas e o Julgamento

A traição de Judas e os julgamentos subsequentes perante as autoridades religiosas e Pilatos revelam tanto a injustiça humana quanto a integridade inabalável de Jesus: “Então, o levaram a Pilatos. E começaram a acusá-lo” (Lucas 23:1).

A Crucificação e Morte

Na crucificação, o amor supremo de Jesus é revelado: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Sua morte na cruz é o ponto culminante do amor redentor e da salvação oferecida à humanidade.

O Sepultamento

O sepultamento de Jesus marca a realidade de sua morte humana e prepara o cenário para o milagre da Ressurreição.

Simbolismo Teológico da Paixão

Cada aspecto da Paixão possui um significado teológico profundo. A entrada em Jerusalém mostra Jesus como o Messias esperado; a Última Ceia estabelece a Eucaristia como um pilar central da fé católica; o Getsêmani destaca a obediência e humanidade de Cristo; a traição e julgamento revelam as falhas humanas e a retidão de Cristo; a crucificação simboliza o amor sacrificial e a redenção dos pecados. Juntos, esses eventos formam um poderoso testemunho do plano de salvação de Deus e do amor infinito de Cristo pela humanidade.

A Paixão de Cristo não é apenas um relato histórico; é um convite contínuo à reflexão, transformação e renovação espiritual. Ela nos inspira a seguir o exemplo de amor, sacrifício e obediência de Jesus e a viver nossas vidas em resposta ao seu chamado de amor e serviço.

A Paixão na Liturgia e na Devoção Católica

A Paixão de Cristo ocupa um lugar central na liturgia e na devoção católica. A Semana Santa, culminando na Páscoa, é marcada por liturgias que rememoram os eventos da Paixão. A Via Sacra, uma meditação sobre as “Estações da Cruz”, ajuda os fiéis a se conectarem com o sacrifício de Cristo.

Reflexão e Identificação com o Sofrimento de Cristo

A contemplação da Paixão permite uma reflexão profunda sobre o significado do sofrimento e sacrifício em nossas vidas. Identificar-se com o sofrimento de Cristo conduz a uma compreensão mais profunda do amor sacrificial e da redenção, reforçando a crença na vitória sobre o pecado e a morte.

A Paixão e a Vida Cristã Contemporânea

A Paixão de Cristo vai além de um evento histórico; é um convite contínuo à transformação pessoal. Em um mundo marcado por desafios, a história da Paixão oferece uma mensagem de esperança e salvação.

A Paixão como Modelo de Amor e Serviço

A entrega de Jesus é um modelo para os cristãos em termos de amor, serviço e sacrifício, inspirando a viver vidas de compaixão, buscar justiça e oferecer misericórdia.

A Paixão na Educação da Fé

No ensino da fé católica, a Paixão é um ponto de referência constante para compreender o amor de Deus, a realidade do pecado e a promessa da redenção.

Conclusão

A Paixão de Cristo permanece como um símbolo poderoso e transformador na fé católica, encapsulando a essência do amor de Deus, e continua a moldar as práticas devocionais e a vida espiritual dos cristãos. Ao refletir sobre a Paixão, somos convidados a mergulhar mais profundamente em nossa jornada de fé, reconhecendo o amor incondicional de Deus e respondendo com uma vida de serviço, amor e dedicação total.

Publicado em Santos Católicos.

O que há de errado com o Carnaval?

O que devemos pensar, como católicos, a respeito da alegria do Carnaval?

Antes de toda Quaresma há um Carnaval.

Já tivemos a oportunidade de tratar esse assunto aqui, ano passado, quando publicamos uma famosa citação de Santa Faustina Kowalska sobre a festa, juntamente com um vídeo da famosa religiosa norte-americana, Madre Angélica, sobre os foliões que se embebedam e dão escândalo aos mais jovens.

Na ocasião, comentamos que “a grande tragédia de nossa época” é o homem moderno ter transformado “a sua vida em uma festa de Carnaval prolongada”. No fundo, as pessoas não se entregam ao pecado só numa época do ano para se comportarem bem nas outras. Para muitos, o Carnaval tornou-se praticamente um “estilo de vida”. E essas pessoas não conseguem sequer conceber um outro modo de viver, senão este de brigas, bebedeiras e sexo desregrado.

Nem todas as pessoas que “pulam carnaval” se divertem dessa forma pecaminosa, é verdade. Há carnavais e carnavais, alguém poderia dizer. É possível se divertir honestamente, no fim das contas, evitando o pecado e as ocasiões de cair nele, e o próprio Santo Tomás de Aquino chega a associar o bom divertimento a uma virtude específica em sua Suma Teológica.

Neste vídeo, Pe. Paulo Ricardo fala de forma bem equilibrada a respeito do Carnaval, indicando as diferenças que existem entre:

  • a alegria pecaminosa em que muitos passam esses dias,
  • a alegria sadia de quem sabe gozar honestamente das coisas deste mundo e, por fim,
  • a alegria realmente sobrenatural de quem tem os olhos fixos, não nos bens passageiros desta existência, mas na vida eterna com Cristo.

Publicado em Equipe Christo Nihil Praeponere.

O Sangue de Cristo é o preço da nossa salvação

“Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro, que tendes sido resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição de vossos pais, mas pelo precioso sangue de Cristo.” (IPd 1, 18). São Pedro nos exorta sobre o meio pelo qual nós fomos resgatados, os apresentando que fomos salvos pelo Sangue de Jesus Cristo, que na Cruz pagou por nossos pecados. Esta é uma realidade sobre natural que ultrapassa os limites de nossa inteligência, é um mistério que não somos capazes de compreender.

Por nós mesmos não podemos nos salvar, é por garça de Deus que nos vem a salvação (cf Ef 2,5). Nossa salvação custou o Sangue precioso de Jesus, sem Sua intervenção, Sem Seu Sacrifício de amor, estaríamos todos condenados a morte eterna. Cristo ao se encarnar, vir ao mundo, se fazer um como nós, menos no pecado, não o fez por beneficio próprio, mas veio e aceitou pagar o preço para que fossemos salvos. O resgate, o preço pago não foi plano de Deus nem ago que Ele desejou, mas Lhe custou esforço, renúncia e muito sofrimento. Fomos reconciliados com Deus pela more de Seu Filho, (cf. Rm 5,10) e, isto não e coisa qualquer, portanto.

O Sangue precioso de Jesus foi derramado para que eu e você tivéssemos vida! Ele cura as feridas que nós mesmos causamos em nós, por causa dos nossos pecados, erros, omissões… por causa do orgulho nos ferimos e também aqu’Ele que derramou Seu Sangue por nós!

Somos convidados a meditar, contemplar as feridas que causamos em Cristo Jesus , olhar para Seu peito aberto jorrando Sangue e Água preciosos, que nos cura e nos purifica. Somos convidados a reparar Seu Coração chagado, ferido por nossa causa e acima de tudo, somos convidados a nos redimir, mediante o sacrifício de amor de nosso Deus. Seu Sangue nos lava, nos cura e, nos liberta da vida do pecado para a vida nova.

Sem o Sangue de Jesus não há salvação! É o Sangue de Cristo que nos protege de todo mal, nos liberta do pecado e cura as feridas de nossa alma. O Sangue de Jesus foi o alto preço pago para que eu e você tenhamos vida e nos é oferecido, todos os dias, no Santo Sacrifício do altar, na Santa Missa.

Nós vos agradecemos Senhor, por vosso Preciosíssimo Sangue, pelo qual nós fomos salvos e preservados de todo mal. Amém.

Publicado em Comunidade Coração Fiel.

Nossa Senhora de Lourdes: Dia Mundial do Enfermo

A memória litúrgica de hoje recorda as aparições da Virgem Maria em Lourdes, iniciadas em 11 de fevereiro de 1858. A protagonista deste acontecimento foi uma menina, chamada Bernadete de Soubirous, que, hoje, se encontra na lista dos Santos. Nossa Senhora apareceu-lhe 18 vezes, perto de uma gruta, às margens do rio Gave.

Os detalhes desta aparição foram reunidos pela Comissão diocesana, encarregada de examinar os fatos. No entanto, sabemos que Bernadete estava às margens do rio, com suas companheiras, quando percebeu uma espécie de “rajada de vento”, proveniente de uma gruta. Aproximando-se, viu que as folhas das árvores estavam imóveis. Enquanto tentava entender, ouviu um segundo “ruído” e viu uma figura branca que se parecia com uma senhora. Temendo que fosse uma alucinação, esfregou os olhos, mas a figura continuava sempre ali. Sem saber o que fazer, tirou o terço do bolso e começou a rezar: a Virgem juntou-se à sua oração. No grupo das suas companheiras, estava também sua irmã, que lhe confiou o que havia acontecido. Ao chegar à sua casa, a menina contou o que aconteceu à mãe, que a proibiu de voltar lá. A notícia espalhou-se logo pela cidadezinha. Mas, no dia 14 de fevereiro, Bernadete voltou novamente àquele lugar, com umas amigas e aconteceu a segunda aparição.

Convite a voltar por 15 dias

Em 18 de fevereiro, a menina teve outra aparição, mas, na ocasião, a Virgem pediu que ela voltasse ali por 15 dias consecutivos. No dia 25, a “Senhora” convidou Bernadete a comer grama, fazer penitência e cavar com as mãos para encontrar água.

“Eu sou a Imaculada Conceição”

Em 25 de março, a pedido de Bernadete, a Virgem se apresentou como a Imaculada Conceição. Este Dogma de fé foi promulgado pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854.

Aparições

As aparições duraram desde 11 de fevereiro até 16 de julho, em períodos diferentes: 11, 14, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 27, 28 de fevereiro de 1958; 1, 2, 3, 4 e 25 de março; 7 de abril e 16 de julho. As aparições foram reconhecidas, oficialmente, pelo Bispo de Tarbes, em 18 de janeiro de 1862.

Santuário dos enfermos

A fama de Lourdes não é tanto devido às aparições em si, quanto à mensagem de esperança para a humanidade, que sofre física e espiritualmente. Por isso, Lourdes é conhecida como o lugar que acolhe os enfermos no corpo e no espírito. Por intercessão da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, encontram paz, saúde e serenidade: uma equipe médica autônoma reconheceu 70 curas físicas e muitas conversões.

“Naquele tempo, celebravam-se as Bodas em Caná da Galileia e achava-se ali a mãe de Jesus. Foram também convidados Jesus e seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles já não têm mais vinho”. Respondeu-lhe Jesus: “Mulher, isso cabe a nós? Ainda não chegou a minha hora”. Disse, então, sua mãe aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ora, havia ali ânforas de pedra para a purificação dos Judeus, que continham duas ou três medidas (de 80 a 120 litros). Então, Jesus lhes ordenou: “Enchei as ânforas de água”. Eles as encheram até à boca. E disse-lhes depois: “Agora, levai-as ao chefe dos serventes”. E as levaram. Quando o chefe dos serventes tomou a água, que se tornou vinho, sem saber de onde vinha – embora os serventes soubessem, pois as tinham enchido de água -, chamou o noivo e disse-lhe: “É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estiverem quase embriagados, servir o menos bom. Mas, tu guardaste o vinho melhor até agora”. Este foi o primeiro milagre de Jesus, realizado em Caná da Galileia. Ele manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (Jo 2,1-11).

Caná e Lourdes

Neste contexto, podemos compreender o significado da memória de hoje: a Virgem Maria é a que, ainda hoje, continua a interceder pelos seus filhos, muito mais pelos frágeis e enfermos, de corpo e espírito, para que confiem em Jesus, Senhor e Salvador, o único que pode transformar a água em vinho, ou seja, transformar toda fadiga em alegria, o em esperança, a enfermidade em uma confiança renovada.

Dia Mundial do Enfermo

A mensagem das Bodas de Caná e a de Lourdes leva-nos a entender melhor porque, em 1992 São João Paulo II quis proclamar o “Dia Mundial do Enfermo” neste dia: no fundo, por meio de Lourdes, reafirma-se que todo enfermo ou qualquer doente, jamais pode ser descartado; pelo contrário, precisa adquirir a plena cidadania no âmbito da sua existência.

Fonte: Vatican News

Publicado em Consolata América (Instituto Missões Consolata)

Leitura espiritual do poema “Nada te perturbe”

Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista “Teresa de Jesús”, n. 109

Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo…

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, “Louva, minh’alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome”.

Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe”…

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O “nada te perturbe” é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o “tu”. Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: “… filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe deem contento as minhas.” A Teresa, trata-a com o “tu” a voz interior: “Teresa, não tenhas medo”; “não te metas nisso”, etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do “tuteio”.

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: “tu, alma minha, por que estás triste?”

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do “castelo de sua alma”, não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: “Teresa, que nada te perturbe”.

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: “Não tenhas medo, Teresa”. Referendado pelo tremendo “Eu sou” da Bíblia. Exatamente estas três palavras: “Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei” (Vida 25,18).

Esse “não tenhas medo, filha” não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: “Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada… Oh, que bom Deus!” (ib).

Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: “a ti, leitor, que nada te perturbe”… ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe! ‘Eu sou’ está contigo!”

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso – nada te perturbe – é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: “Que o vosso coração não se perturbe” (Jo. 14,1).

O segundo verso – “nada te espante”: não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, “espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus” (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: “Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!” (Jo. 6,63).

O verso “tudo passa”, que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: “passa este mundo” (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: “céu e terra passarão” (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus – “minhas palavras não passarão” -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

“Deus não muda”. Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade (“ele é amigo verdadeiro”) contrasta com a versatilidade das amizades humanas: “Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais…, que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia” (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

“A paciência tudo alcança”… Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: “com vossa paciência possuireis vossa vida” (Lc. 21,19). O versículo final – “só Deus basta” – é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do “só Deus” de São Bernardo ou do irmão Rafael. “A sós com O só” será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: “nada lhe falta / só Deus basta”. Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: “tudo passa – tudo alcança”.

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos – nadas – só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: “Só Deus!” e ponto O “só Deus” e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.

Rose Lemos (Ordem Carmelita Descalça Secular – OCDS)

Publicado em Lugar de Partilha.

Dia de todos os santos – 1º de novembro

Hoje, 1º de novembro, celebramos o Dia de Todos os Santos, entretanto no Brasil, esta Solenidade é transferida para o próximo domingo. A origem desta festa se deu no século IV, com a celebração de todos os mártires, no primeiro domingo depois de Pentecostes, mas anos depois, em 835, ela foi transferida pelo papa Gregório IV para o dia 1º de novembro. Sendo que, posteriormente, a Solenidade se tornou ocasião para celebrar Todos os Santos, não só os mártires, inclusive os desconhecidos.

Portanto, celebrar a festa de Todos os Santos é fazer memória destes incontáveis irmãos que nos precedem na contemplação do rosto de Deus em nossa Pátria Celeste, é recordar o testemunho daqueles munidos de obediência ao mandato divino, crucificaram suas paixões e se ofertaram como hóstia viva por amor ao Reino dos Céus.

Sendo assim, tal celebração também nos oferece a oportunidade de refletir sobre o que é ser santo. Neste aspecto, observa-se que houve uma época que se pensou que a santidade era alcançável somente para religiosos, para tanto para refutar esse pensamento, o Concílio Vaticano II recordou sobre a “vocação universal à santidade”, e que todos são chamados à perfeição cristã, como pedira Nosso Senhor Jesus Cristo: “sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48).

Neste dia, peçamos a Jesus que “dos santos todos fostes caminho, vida, esperança, Mestre e Senhor” que nos ajude a não nos conformarmos com este mundo e a buscarmos sempre fazer da santidade nosso projeto de vida. Aos nossos Santos, agradeçamos pelas indicações deixadas de como amar a Deus, por nos apontarem que a santidade está ao nosso alcance e por intercederem por nós junto a Deus.

Todos os santos do céu, rogai por nós!

Publicado em Comunidade Olhar Misericordioso.

A paciência tudo alcança

Wikipédia

Uma das súplicas que pedimos e ouvimos com mais frequência é: “Ah, meu Deus, dê-me paciência!”. Incessantemente suplicamos ao Senhor essa virtude, porém nos falta perspicácia suficiente para perceber que Deus concede a virtude aliada à prática.
Nosso Senhor, em sua infinita sabedoria, nos proporciona ocasiões para que sejamos pacientes. O hábito faz a perfeição! Quer ser paciente com seu esposo ou sua esposa, com seu pai e mãe, irmãos e amigos? Então, aproveite as oportunidades que o Senhor lhe concede e pratique a paciência.

Quantas vezes você se deparou com uma situação na qual era suficiente um pouquinho mais de paciência para ser resolvida? Bastava respirar fundo e oxigenar o cérebro ao invés de responder com tanta aspereza. Vejamos a recomendação que a Palavra de Deus nos dá: “Um espírito paciente vale mais que um espírito orgulhoso. Não cedas prontamente ao espírito de irritação; é no coração dos insensatos que reside a irritação” (Eclesiastes 7,8b-9). Percebe como a pedagogia de Deus é diferente da nossa?

Na oração de Santa Teresa D’Ávila há uma referência sobre a paciência que diz: “a paciência tudo alcança”. Todavia, para alcançar esse “tudo” precisamos de muita luta espiritual, muito silêncio. Se for preciso “engolir um sapo” de vez enquanto, não há problema, o importante é atingir nossa meta principal: a eternidade. Não à toa os santos costumavam dizer que uma das formas de martírio, além da morte de espada, era o da paciência. Assim sendo, ser paciente é uma via segura que nos conduz à santidade. Alcançamos a fortaleza nas adversidades cultivando a paciência. Porém, o sofrimento somente é vencido pela graça de Deus unido a nossa perseverança.
“O erro deveria ser uma ponte para o acerto, não um obstáculo capaz de criar um abismo entre pessoas importantes em nossa vida”.

Esta virtude dos fortes, cada vez mais escassa em nossa convivência, exige, antes de tudo, a confiança em Deus. A paciência é o alimento que sustenta o diálogo. Quando o fio da comunicação familiar se fragiliza, nada melhor do que a prática desta virtude. Quantas famílias se desestruturam, separam-se devido à falta de diálogo, de uma boa conversa ao pé do ouvido com o cônjuge ou com os filhos! Por vezes, trocamos a paciência pelo orgulho. Recordemos novamente: “Um espírito paciente vale mais que um espírito orgulhoso” (Ecle 7,8b).

Fixamos uma ideia na cabeça e nada nos faz voltar atrás; não admitimos erros, sejam os nossos ou de outros. Colocamos uma barreira que nos distancia dia após dia. O erro deveria ser uma ponte para o acerto, não um obstáculo capaz de criar um abismo entre pessoas importantes em nossa vida. Nosso erro maior não é falhar por tentar, mas desistir sem ao menos ter tentando. Necessitamos, contudo, de muita coragem para superar essas fragilidades provocadas pela fraqueza humana, e os fortes de espírito encaram esse desafio da convivência familiar na dificuldade, porém com confiança; ao contrário dos fracos, que lhes faltam o equilíbrio e ousadia para, sem medo, arriscar vencer as barreiras.

Outros pensam que, por serem fracos, não conseguirão, pois suas forças são poucas. Além de lhes faltar coragem, falta-lhes confiança na misericórdia de Deus que tudo sonda. Nesta perspectiva, inúmeras famílias, em seu íntimo, carecem de esperança: esperança em pagar as dívidas, esperança na união da família, esperança no obstáculo das drogas e álcool, esperança contra a violência, esperança na fidelidade conjugal e no futuro. O fundamento da esperança está justamente na paciência como ouvimos dizer da Sagrada Escritura: “a paciência prova a fidelidade, e esta comprovada produz esperança. E a esperança não engana” (cf.Romanos 5,4-5). Irmãos, a esperança não engana, pelo contrário, ela elucida a nossa paciência em todas as atribulações, pois, na provação, resta-nos apenas esperar com paciência a graça vinda de Deus.

A paciência também nos salva, pois o Senhor utiliza dela conosco. São Pedro nos afirma: “O Senhor não retarda o cumprimento de suas promessas, como alguns pensam, mas usa dela convosco. Ele não quer que ninguém pereça; ao contrário, quer que todos se arrependam” (cf. II Pedro 3,9).
Ora, se nosso Senhor usa de paciência conosco, isso é sinal de misericórdia. Não sejamos diferentes para com aqueles que atravessam nosso caminho, mas sejamos sinais de salvação para quem precisa. Seja paciente e tolerante com a vizinha que insiste em fazer fofoca; seja paciente consigo na luta contra o pecado; tenha paciência nas relações difíceis, porque, no tempo certo, a transformação virá e, então, você colherá os frutos das sementes lançadas nos sulcos da paciência. Só lhe falta a paciência quando lhe falta oração.

Façamos juntos a oração da mística e doutora da Igreja:
Nada te perturbe,
nada te amedronte.
Tudo passa,
a paciência tudo alcança.
A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta!

Santa Teresa de Ávila

Fonte: Rodrigo Stankevicz

Publicado em Rádio Fraternidade.

Santa Teresa d’Ávila

Santa Teresa de Jesus nasceu em Ávila, Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Em sua autobiografia, ela menciona alguns detalhes da sua infância: o nascimento “de pais virtuosos e tementes a Deus”, em uma grande família, com nove irmãos e três irmãs. Ainda jovem, com pelo menos 9 anos, leu a vida dos mártires, que inspiram nela o desejo de martírio, tanto que chegou a improvisar uma breve fuga de casa para morrer como mártir e ir para o céu (cf. Vida 1, 4): “Eu quero ver Deus”, disse a pequena aos seus pais. Alguns anos mais tarde, Teresa falou de suas leituras da infância e afirmou ter descoberto a verdade, que se resume em dois princípios fundamentais: por um lado, que “tudo o que pertence a este mundo passa”; por outro, que só Deus é para “sempre, sempre, sempre”, tema que recupera em seu famoso poema: “Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta!”. Ficando órfã aos 12 anos, pediu à Virgem Santíssima que fosse sua mãe (cf. Vida 1,7).

Se, na adolescência, a leitura de livros profanos a levou às distrações da vida mundana, a experiência como aluna das freiras agostinianas de Santa Maria das Graças, de Ávila, e a leitura de livros espirituais, em sua maioria clássicos da espiritualidade franciscana, ensinaram-lhe o recolhimento e a oração. Aos 20 anos de idade, entrou para o convento carmelita da Encarnação, sempre em Ávila. Três anos depois, ela ficou gravemente doente, tanto que permaneceu por quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Também na luta contra suas próprias doenças, a santa vê o combate contra as fraquezas e resistências ao chamado de Deus.

Em 1543, ela perdeu a proximidade da sua família: o pai morre e todos os seus irmãos, um após o outro, migram para a América. Na Quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega o topo de sua luta contra suas próprias fraquezas. A descoberta fortuita de “um Cristo muito ferido” marcou profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que naquele momento sente profunda consonância com o Santo Agostinho das “Confissões”, descreve assim a jornada decisiva da sua experiência mística: “Aconteceu que…de repente, experimentei um sentimento da presença de Deus, que não havia como duvidar de que estivesse dentro de mim ou de que eu estivesse toda absorvida n’Ele” (Vida 10, 1).

Paralelamente ao amadurecimento da sua própria interioridade, a santa começa a desenvolver, de forma concreta, o ideal de reforma da Ordem Carmelita: em 1562, funda, em Ávila, com o apoio do bispo da cidade, Dom Álvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e logo depois recebe também a aprovação do superior geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi.

Nos anos seguintes, continuou a fundação de novos Carmelos, um total de dezessete. Foi fundamental seu encontro com São João da Cruz, com quem, em 1568, constituiu, em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento das Carmelitas Descalças. Em 1580, recebe de Roma a ereção a Província Autônoma para seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem Religiosa dos Carmelitas Descalços. Teresa termina sua vida terrena justamente enquanto está se ocupando com a fundação.

Em 1582, de fato, tendo criado o Carmelo de Burgos e enquanto fazia a viagem de volta a Ávila, ela morreu, na noite de 15 de outubro, em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas frases: “No final, morro como filha da Igreja” e “Chegou a hora, Esposo meu, de nos encontrarmos”. Uma existência consumada dentro da Espanha, mas empenhada por toda a Igreja. Beatificada pelo Papa Paulo V, em 1614, e canonizada por Gregório XV, em 1622, foi proclamada “Doutora da Igreja” pelo Servo de Deus Paulo VI, em 1970. Teresa de Jesus não tinha formação acadêmica, mas sempre entesourou ensinamentos de teólogos, literatos e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve ao que tinha experimentado pessoalmente ou visto na experiência de outros (cf. Prefácio do “Caminho de Perfeição”), ou seja, a partir da experiência.

Teresa consegue tecer relações de amizade espiritual com muitos santos, especialmente com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, é alimentada com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerônimo, São Gregório Magno, Santo Agostinho. Entre suas principais obras, deve ser lembrada, acima de tudo, sua autobiografia, intitulada “Livro da Vida”, que ela chama de “Livro das Misericórdias do Senhor”. Escrito no Carmelo de Ávila, em 1565, conta o percurso biográfico e espiritual, por escrito, como diz a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do “Mestre dos espirituais”, São João de Ávila. O objetivo é manifestar a presença e a ação de um Deus misericordioso em sua vida: Para isso, a obra muitas vezes inclui o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura fascinante, porque a santa não apenas narra, mas mostra como reviver a profunda experiência do seu amor com Deus. Em 1566, Teresa escreveu o “Caminho da perfeição”, chamado por ela de “Admoestações e conselhos” que dava às suas religiosas. As destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José, em Ávila. Teresa lhes propõe um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais importantes, destaca-se o comentário sobre o Pai Nosso, modelo de oração.

A obra mística mais famosa de Santa Teresa é o “Castelo Interior”, escrito em 1577, em plena maturidade. É uma releitura do seu próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espírito Santo. Teresa refere-se à estrutura de um castelo com sete “moradas”, como imagens da interioridade do homem, introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce em uma borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa se inspira na Sagrada Escritura, especialmente no “Cântico dos Cânticos”, para o símbolo final dos “dois esposos”, que permite descrever, na sétima “morada”, o ápice da vida cristã em seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial.

À sua atividade fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o “Livro das fundações”, escrito entre 1573 e 1582, no qual fala da vida do nascente grupo religioso. Como na autobiografia, a história é dedicada principalmente a evidenciar a ação de Deus na fundação dos novos mosteiros.

Santa Teresa de Jesus é uma verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Em nossa sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa nos ensina a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua ação; ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe em nosso coração, esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia, novamente.

Papa Bento XVI

Publicado em Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.

Memória de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face

Santa Teresa do Menino Jesus: Viver e morrer de amor

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Cuidar da alma, alimentando sempre a nossa dimensão interior, é uma tarefa essencial que a modernidade muitas vezes esqueceu. A ajudar-nos neste caminho de redescoberta da transcendência que habita em nós estão os mestres da espiritualidade, como Santa Teresa de Lisieux, que a Igreja católica evoca a 1 de outubro.

Nesta jovem carmelita cruzam-se todas as tensões típicas do ser humano contemporâneo com as raízes de fé evangélica.

Nascida numa família animada por uma vida cristã cultivada no dia a dia (os pais serão canonizados no próximo dia 18 de outubro), Teresa sentiu-se chamada à vida consagrada, e por isso entrou no Carmelo de Lisieux.

Nesta comunidade religiosa empreendeu um percurso místico pessoal – marcado também pela escuridão do abandono – que é retratado na sua autobiografia espiritual, “História de uma alma”, verdadeiro manual de santidade.

Recordamos excertos da catequese sobre Teresa de Lisieux que o papa emérito Bento XVI pronunciou a 6 de abril de 2011.

«Gostaria de vos falar hoje de Santa Teresa de Lisieux. Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, que viveu neste mundo só 24 anos, no final do século XIX, levando uma vida muito simples e no escondimento, mas que, depois da morte e da publicação dos seus escritos, se tornou uma das santas mais conhecidas e amadas.

A “pequena Teresa” nunca deixou de ajudar as almas mais simples, os pequeninos, os pobres e os sofredores que lhe rezam, mas iluminou também toda a Igreja com a sua profunda doutrina espiritual, a ponto que o Venerável [Santo] papa João Paulo II, em 1997, quis atribuir-lhe o título de Doutora da Igreja, além do de Padroeira das Missões, que já lhe tinha sido atribuído por Pio XI em 1927.

O meu amado predecessor definiu-a “perita da scientia amoris”. Esta ciência, que vê resplandecer no amor toda a verdade da fé, Teresa expressa-a principalmente na narração da sua vida, publicada um ano depois da sua morte com o título de “História de uma alma”. Trata-se de um livro que teve imediatamente um grande sucesso, foi traduzido em muitas línguas e difundido em todo o mundo. Gostaria de vos convidar a redescobrir este pequeno-grande tesouro, este comentário luminoso ao Evangelho plenamente vivido!

A carmelita tem a consciência de viver esta grande prova para a salvação de todos os ateus do mundo moderno, por ela chamados «irmãos». Vive então ainda mais intensamente o amor fraterno: para com as irmãs da sua comunidade, para com os seus dois irmãos espirituais missionários, para com os sacerdotes e todos os homens, sobretudo os mais distantes

De facto, a “História de uma alma” é uma história maravilhosa de amor, narrada com tanta autenticidade, simplicidade e vigor, que o leitor não pode deixar de se admirar! Mas qual é este amor que encheu toda a vida de Teresa, desde a infância até à morte? Queridos amigos, este amor tem um rosto, tem um nome, é Jesus! A santa fala continuamente de Jesus. Repercorramos então as grandes etapas da sua vida, para entrar no coração da sua doutrina.

Teresa nasceu a 2 de janeiro de 1873 em Alençon, uma cidade da Normandia, na França. É a última filha de Luís e Zélia Martin, esposos e pais exemplares, beatificados juntamente a 19 de outubro de 2008. Tiveram nove filhos; quatro morreram em tenra idade. Permaneceram as cinco filhas, que se tornaram todas religiosas. Teresa, com 4 anos, ficou profundamente abalada com a morte da mãe. Então, o pai transferiu-se com as filhas para a cidade de Lisieux, onde se desenvolverá toda a vida da santa. Mais tarde Teresa, atingida por uma grave doença nervosa, sarou por graça divina, que ela própria define o “sorriso de Nossa Senhora”. Recebeu depois a Primeira Comunhão, intensamente vivida, e pôs Jesus Eucaristia no centro da sua existência.

A “Graça do Natal” de 1886 assinala a grande mudança, por ela chamada a sua “total conversão”. De facto, ficou totalmente curada da sua hipersensibilidade infantil e começou uma “corrida de gigante”. Aos 14 anos Teresa aproxima-se cada vez mais, com grande fé, de Jesus crucificado, e começa a ocupar-se de um criminoso, aparentemente desesperado, condenado à morte e impenitente. “Quis impedir-lhe de todas as formas de cair no inferno”, escreve a santa, com a certeza de que a sua oração o teria posto em contacto com o Sangue redentor de Jesus. É a sua primeira experiência fundamental de maternidade espiritual: “Eu tinha tanta confiança na misericórdia infinita de Jesus”, escreve. Com Maria Santíssima, a jovem Teresa ama, crê e espera com “um coração de mãe”.

Teresa faleceu na noite de 30 de setembro de 1897, pronunciando as simples palavras «Meu Deus, amo-te!», olhando para o crucifixo que estreitava nas suas mãos. Estas últimas palavras da santa são a chave de toda a sua doutrina, da sua interpretação do Evangelho

Em novembro de 1887, Teresa vai em peregrinação a Roma juntamente com o pai e a irmã Celina. Para ela, o momento culminante é a audiência do Papa Leão XIII, ao qual pede a autorização para entrar, apenas com 15 anos, no Carmelo de Lisieux. Um ano depois, o seu desejo realiza-se: torna-se carmelita, “para salvar as almas e rezar pelos sacerdotes”.

Contemporaneamente, começa também a dolorosa e humilhante doença mental do seu pai. É um grande sofrimento que leva Teresa à contemplação da Face de Jesus na sua Paixão. Assim, o seu nome de religiosa – irmã Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face – expressa o programa de toda a sua vida, em comunhão com os mistérios centrais da encarnação e da redenção.

A sua profissão religiosa, na festa da Natividade de Maria, a 8 de setembro de 1890, é para ela um verdadeiro matrimónio espiritual na “pequenez” evangélica, caracterizada pelo símbolo da flor (…). No mesmo dia, a santa escreve uma oração que indica toda a orientação da sua vida: pede a Jesus o dom do seu amor infinito, para ser a mais pequena, e sobretudo pede a salvação de todos os homens: “Que nenhuma alma seja danada hoje”. De grande importância é a sua Oferta ao Amor Misericordioso, feita na festa da Santíssima Trindade de 1895: uma oferenda que Teresa partilha imediatamente com as suas irmãs de hábito, sendo já vice-mestra das noviças.

Dez anos depois da “Graça de Natal”, em 1896, vem a “Graça de Páscoa” que abre a última fase da vida de Teresa com o início da sua paixão em profunda união com a paixão de Jesus; trata-se da paixão do corpo, com a doença que a levará à morte através de grandes sofrimentos, mas sobretudo trata-se da paixão da alma, com uma dolorosíssima prova da fé. Com Maria ao lado da cruz de Jesus, Teresa vive então a fé mais heroica, como luz nas trevas que lhe invadem a alma.

«Confiança e amor» são, portanto, o ponto final da narração da sua vida, duas palavras que como faróis iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar os outros pela sua mesma «pequena via de confiança e de amor» da infância espiritual

A carmelita tem a consciência de viver esta grande prova para a salvação de todos os ateus do mundo moderno, por ela chamados “irmãos”. Vive então ainda mais intensamente o amor fraterno: para com as irmãs da sua comunidade, para com os seus dois irmãos espirituais missionários, para com os sacerdotes e todos os homens, sobretudo os mais distantes. Torna-se deveras uma “irmã universal”! A sua caridade amável e sorridente é a expressão da alegria profunda da qual nos revela o segredo: “Jesus, a minha alegria é amar-te”. Neste contexto de sofrimento, vivendo o maior amor nas mais pequenas coisas da vida quotidiana, a santa realiza a sua vocação de ser o amor no coração da Igreja.

Teresa faleceu na noite de 30 de setembro de 1897, pronunciando as simples palavras “Meu Deus, amo-te!”, olhando para o crucifixo que estreitava nas suas mãos. Estas últimas palavras da santa são a chave de toda a sua doutrina, da sua interpretação do Evangelho. O ato de amor, expresso no seu último suspiro, era como que o contínuo respiro da sua alma, como o pulsar do seu coração. As simples palavras “Jesus, amo-te” estão no centro de todos os seus escritos. (…)

Queridos amigos, também nós com Santa Teresa do Menino Jesus deveríamos poder repetir todos os dias ao Senhor que queremos viver de amor a Ele e aos outros, aprender na escola dos santos a amar de modo autêntico e total. Teresa é um dos “pequeninos” do Evangelho que se deixam conduzir por Deus às profundezas do seu mistério. Uma guia para todos, sobretudo para aqueles que, no Povo de Deus, desempenham o ministério de teólogos.

«Confiança e amor» são, portanto, o ponto final da narração da sua vida, duas palavras que como faróis iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar os outros pela sua mesma «pequena via de confiança e de amor» da infância espiritual

Com a humildade e a caridade, a fé e a esperança, Teresa entra continuamente no coração da Sagrada Escritura que encerra o mistério de Cristo. E esta leitura da Bíblia, alimentada pela ciência do amor, não se opõe à ciência académica. De facto, a ciência dos santos, da qual ela mesma fala na última página da “História de uma alma”, é a ciência mais nobre (…).

Inseparável do Evangelho, a Eucaristia é para Teresa o sacramento do amor divino que se abaixa ao extremo para se elevar até Ele. Na sua última “Carta”, sobre uma imagem que representa o Menino Jesus na Hóstia consagrada, a santa escreve estas palavras simples: “Não posso temer um Deus que para mim se fez tão pequenino! (…) Eu amo-o! De facto, Ele mais não é do que amor e misericórdia!”.

No Evangelho, Teresa descobre sobretudo a misericórdia de Jesus (…). Assim se expressa também nas últimas linhas da “História de uma alma”: ‘Um só olhar ao Santo Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr… Não é para o primeiro lugar, mas para o último que me oriento… Sim, sinto-o, mesmo se tivesse na consciência todos os pecados que se podem cometer, iria, com o coração despedaçado pelo arrependimento, lançar-me entre os braços de Jesus, porque sei quanto ama o filho pródigo que volta a Ele’.

“Confiança e amor” são, portanto, o ponto final da narração da sua vida, duas palavras que como faróis iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar os outros pela sua mesma “pequena via de confiança e de amor” da infância espiritual. Confiança como a do menino que se abandona nas mãos de Deus, inseparável do compromisso forte e radical do verdadeiro amor, que é dom total de si, para sempre, como diz a santa contemplando Maria: “Amar é dar tudo, e dar-se a si mesmo”.

Matteo Liut (Avvenire), Rui Jorge Martins (SNPC).

Publicado em Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC).