Hoje a Igreja celebra a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

REDAÇÃO CENTRAL, 01 Jan. 23 / 12:01 am (ACI).- A solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus (Theotokos) é a mais antiga que se conhece no Ocidente. Nas Catacumbas ou antiquíssimos subterrâneos de Roma, onde se reuniam os primeiros cristãos para celebrar a Santa Missa, encontram-se pinturas com esta inscrição.

Segundo um antigo testemunho escrito no século III, os cristãos do Egito se dirigiam a Maria com a seguinte oração: “Sob seu amparo nos acolhemos, Santa Mãe de Deus: não desprezeis a oração de seus filhos necessitados; livra-nos de todo perigo, oh sempre Virgem gloriosa e bendita” (Liturgia das Horas).

No século IV, o termo Theotokos era usado frequentemente no Oriente e Ocidente porque já fazia parte do patrimônio da fé da Igreja.

Entretanto, no século V, o herege Nestório se atreveu a dizer que Maria não era Mãe de Deus, afirmando: “Então Deus tem uma mãe? Pois então não condenemos a mitologia grega, que atribui uma mãe aos deuses”.

Nestório havia caído em um engano devido a sua dificuldade para admitir a unidade da pessoa de Cristo e sua interpretação errônea da distinção entre as duas naturezas – divina e humana – presentes Nele.

Os bispos, por sua parte, reunidos no Concílio de Éfeso (ano 431), afirmaram a subsistência da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do Filho. Por sua vez, declararam: “A Virgem Maria sim é Mãe de Deus porque seu Filho, Cristo, é Deus”.

Logo, acompanhados pelo povo e levando tochas acesas, fizeram uma grande procissão cantando: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém”.

São João Paulo II, em novembro de 1996, refletiu sobre as objeções expostas por Nestório para que se compreenda melhor o título “Maria, Mãe de Deus”.

“A expressão Theotokos, que literalmente significa ‘aquela que gerou Deus’, à primeira vista pode resultar surpreendente; suscita, com efeito, a questão sobre como é possível que uma criatura humana gere Deus. A resposta da fé da Igreja é clara: a maternidade divina de Maria refere-se só a geração humana do Filho de Deus e não, ao contrário, à sua geração divina”, disse o papa.

“O Filho de Deus foi desde sempre gerado por Deus Pai e é-Lhe consubstancial. Nesta geração eterna Maria não desempenha, evidentemente, nenhum papel. O Filho de Deus, porém, há dois mil anos, assumiu a nossa natureza humana e foi então concebido e dado à luz por Maria”, acrescentou.

Do mesmo modo, afirmou que a maternidade da Maria “não se refere a toda a Trindade, mas unicamente à segunda Pessoa, ao Filho que, ao encarnar-se, assumiu dela a natureza humana”. Além disso, “uma mãe não é Mãe apenas do corpo ou da criatura física saída do seu seio, mas da pessoa que ela gera”, disse são João Paulo II.

Por fim, é importante recordar que Maria não é só Mãe de Deus, mas também nossa porque assim quis Jesus Cristo na cruz, quando a confiou a São João. Por isso, ao começar o novo ano, peçamos a Maria que nos ajude a ser cada vez mais como seu Filho e iniciemos o ano saudando a Virgem Maria.

Saudação à Mãe de Deus

Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima,
Mãe de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja,
eleita pelo santíssimo Pai celestial,
que vos consagrou por seu santíssimo
e dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito!
Em vós residiu e reside toda a plenitude
da graça e todo o bem!
Salve, ó palácio do Senhor! Salve,
ó tabernáculo do Senhor!
Salve, ó morada do Senhor!
Salve, ó manto do Senhor!
Salve, ó serva do Senhor!
Salve, ó Mãe do Senhor,
e salve vós todas, ó santas virtudes
derramadas, pela graça e iluminação
do Espírito Santo,
nos corações dos fiéis
transformando-os de infiéis
em servos fiéis de Deus!

Publicado em ACI Digital.

O consumismo e o verdadeiro espírito do Natal

Natal é Jesus. Assim gostaria de começar esse texto, para que já fique explícito desde o começo qual é o verdadeiro sentido dessa festa que se aproxima. Sentido esse que fica muitas vezes em segundo plano nas celebrações, dando lugar a um consumismo desenfreado que cega o espírito que deveríamos ter nessa época.

consumismo

Isso não é novo. Todos sabemos que nessa época o comércio fica aberto até mais tarde para que possamos comprar aquelas coisas de última hora. Conhecemos a correria para comprar o tender, o peru, o presente daquela pessoa que tínhamos esquecido, etc….

Também não é novidade que existe uma reação à tudo isso. Podemos ver nos jornais, revistas e internet uma grande quantidade de pessoas que criticam todo esse consumismo que vemos nessas épocas. Mas aqui percebo um grande problema que estamos vivendo atualmente. Em vários desses artigos, os autores pregam um retorno à essência do Natal, que é o sentimento de família, a magia que ronda em torno a figura do Papai Noel, as luzes que enfeitam essa época “mágica”, a inocente alegria das crianças esperando o bom velhinho descer pela chaminé e outras coisas desse tipo.

“Natal é Jesus. E não se pode confundir isso apenas com sentimentos positivos”.

Por isso comecei o texto dessa maneira. Natal é Jesus. E não se pode confundir isso apenas com sentimentos positivos. Celebramos nessa data um acontecimento real. Deus veio ao mundo em um frágil menino, filho de Nossa Senhora de Nazaré. E é isso que devemos, como católicos, anunciar para o mundo inteiro.

O mundo está descontente. Esse exemplo do consumismo de Natal é bem gráfico. Se percebe intuitivamente que estamos celebrando mal essa festa, mas não se percebe qual é a Verdade que mostra como celebrá-la bem. De uma maneira mais geral, podemos dizer que o mundo muitas vezes está triste, cansado e procura sua alegria em coisas que não podem dar, porque a alegria verdadeira de todo mundo está em encontrar-se com Deus.

“Os presentes e a festa fazem parte de tudo isso. É um tempo de verdadeira alegria, mas que precisa ser entendida, para não perder o foco”. 

Mas encontrar-se com Ele não é tão simples assim. Ele não veio cheio de pompa, em um castelo imponente. Ele veio frágil, em uma manjedoura. Só o encontramos se ficamos atentos aos sinais dele em nossa vida, como os pastores que receberam a visita dos anjos e os reis magos que seguiram a estrela que os guiava. É preciso fazer silêncio e ficar atento. Exatamente o contrário do que muitas vezes fazemos nessas épocas.

Os presentes e a festa fazem parte de tudo isso. É um tempo de verdadeira alegria, mas que precisa ser entendida, para não perder o foco. Os reis magos trouxeram presentes para o menino Jesus. Presentes valiosos inclusive, ouro, incenso e mirra. Mas o fizeram sabendo porque o faziam. Tinham encontrado Jesus e essa era a alegria de cada um deles.

Mas realmente não importa se não podemos comprar nada nessa época. Existe uma música que é muito bonita, a canção do pequeno tamborileiro, que conta a história de um garotinho que havia encontrado a Jesus que tinha acabado de nascer em Belém, mas como era muito pobre, só podia tocar para Ele o seu velho tambor.

gesu-bambino

Muitos pensariam talvez que esse não é um presente digno de Deus, mas conta a música que quando Ele ouviu o toque do tambor, sorriu para o pequeno tamborileiro. Pensemos se com as nossas atitudes nesse Natal, estamos fazendo, nós também, com que Jesus sorria ou não.

Publicado em A12 Redação.

A paciência tudo alcança

Wikipédia

Uma das súplicas que pedimos e ouvimos com mais frequência é: “Ah, meu Deus, dê-me paciência!”. Incessantemente suplicamos ao Senhor essa virtude, porém nos falta perspicácia suficiente para perceber que Deus concede a virtude aliada à prática.
Nosso Senhor, em sua infinita sabedoria, nos proporciona ocasiões para que sejamos pacientes. O hábito faz a perfeição! Quer ser paciente com seu esposo ou sua esposa, com seu pai e mãe, irmãos e amigos? Então, aproveite as oportunidades que o Senhor lhe concede e pratique a paciência.

Quantas vezes você se deparou com uma situação na qual era suficiente um pouquinho mais de paciência para ser resolvida? Bastava respirar fundo e oxigenar o cérebro ao invés de responder com tanta aspereza. Vejamos a recomendação que a Palavra de Deus nos dá: “Um espírito paciente vale mais que um espírito orgulhoso. Não cedas prontamente ao espírito de irritação; é no coração dos insensatos que reside a irritação” (Eclesiastes 7,8b-9). Percebe como a pedagogia de Deus é diferente da nossa?

Na oração de Santa Teresa D’Ávila há uma referência sobre a paciência que diz: “a paciência tudo alcança”. Todavia, para alcançar esse “tudo” precisamos de muita luta espiritual, muito silêncio. Se for preciso “engolir um sapo” de vez enquanto, não há problema, o importante é atingir nossa meta principal: a eternidade. Não à toa os santos costumavam dizer que uma das formas de martírio, além da morte de espada, era o da paciência. Assim sendo, ser paciente é uma via segura que nos conduz à santidade. Alcançamos a fortaleza nas adversidades cultivando a paciência. Porém, o sofrimento somente é vencido pela graça de Deus unido a nossa perseverança.
“O erro deveria ser uma ponte para o acerto, não um obstáculo capaz de criar um abismo entre pessoas importantes em nossa vida”.

Esta virtude dos fortes, cada vez mais escassa em nossa convivência, exige, antes de tudo, a confiança em Deus. A paciência é o alimento que sustenta o diálogo. Quando o fio da comunicação familiar se fragiliza, nada melhor do que a prática desta virtude. Quantas famílias se desestruturam, separam-se devido à falta de diálogo, de uma boa conversa ao pé do ouvido com o cônjuge ou com os filhos! Por vezes, trocamos a paciência pelo orgulho. Recordemos novamente: “Um espírito paciente vale mais que um espírito orgulhoso” (Ecle 7,8b).

Fixamos uma ideia na cabeça e nada nos faz voltar atrás; não admitimos erros, sejam os nossos ou de outros. Colocamos uma barreira que nos distancia dia após dia. O erro deveria ser uma ponte para o acerto, não um obstáculo capaz de criar um abismo entre pessoas importantes em nossa vida. Nosso erro maior não é falhar por tentar, mas desistir sem ao menos ter tentando. Necessitamos, contudo, de muita coragem para superar essas fragilidades provocadas pela fraqueza humana, e os fortes de espírito encaram esse desafio da convivência familiar na dificuldade, porém com confiança; ao contrário dos fracos, que lhes faltam o equilíbrio e ousadia para, sem medo, arriscar vencer as barreiras.

Outros pensam que, por serem fracos, não conseguirão, pois suas forças são poucas. Além de lhes faltar coragem, falta-lhes confiança na misericórdia de Deus que tudo sonda. Nesta perspectiva, inúmeras famílias, em seu íntimo, carecem de esperança: esperança em pagar as dívidas, esperança na união da família, esperança no obstáculo das drogas e álcool, esperança contra a violência, esperança na fidelidade conjugal e no futuro. O fundamento da esperança está justamente na paciência como ouvimos dizer da Sagrada Escritura: “a paciência prova a fidelidade, e esta comprovada produz esperança. E a esperança não engana” (cf.Romanos 5,4-5). Irmãos, a esperança não engana, pelo contrário, ela elucida a nossa paciência em todas as atribulações, pois, na provação, resta-nos apenas esperar com paciência a graça vinda de Deus.

A paciência também nos salva, pois o Senhor utiliza dela conosco. São Pedro nos afirma: “O Senhor não retarda o cumprimento de suas promessas, como alguns pensam, mas usa dela convosco. Ele não quer que ninguém pereça; ao contrário, quer que todos se arrependam” (cf. II Pedro 3,9).
Ora, se nosso Senhor usa de paciência conosco, isso é sinal de misericórdia. Não sejamos diferentes para com aqueles que atravessam nosso caminho, mas sejamos sinais de salvação para quem precisa. Seja paciente e tolerante com a vizinha que insiste em fazer fofoca; seja paciente consigo na luta contra o pecado; tenha paciência nas relações difíceis, porque, no tempo certo, a transformação virá e, então, você colherá os frutos das sementes lançadas nos sulcos da paciência. Só lhe falta a paciência quando lhe falta oração.

Façamos juntos a oração da mística e doutora da Igreja:
Nada te perturbe,
nada te amedronte.
Tudo passa,
a paciência tudo alcança.
A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta!

Santa Teresa de Ávila

Fonte: Rodrigo Stankevicz

Publicado em Rádio Fraternidade.

Fé católica, cultura e sociedade contemporânea: um descompasso radical

ARTIGO

Vivemos, na atualidade, em uma sociedade neopagã. A afirmação categórica é do então Cardeal Joseph Ratzinger – Bento XVI – hoje na condição de Papa Emérito, em seu livro “Ser Cristão na Era Neopagã”. A obra contém seus discursos e homilias, proferidos entre 1986 a 1999, cuja tradução foi publicada no Brasil, em 2014. Ora, tal afirmação contundente é fruto de observações acuradas, ao longo de décadas, mais exatamente, desde o tempo de sua participação como padre e professor, ao tempo da realização do Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965. Anos se seguiram e chegaram a esta conclusão já em meados da década de 80, ou seja, passados quase 20 anos daquele Concílio. Mas que relação haveria entre o Concílio Vaticano II e o neopaganismo dominante na sociedade contemporânea? Não é uma resposta fácil e simples para este panorama desconcertante. O conteúdo apresentado aqui não trata, especificamente, dos escritos do Cardeal Ratzinger, mas de uma sedimentação de dados e fatos relacionados à crescente secularização da Igreja, imersa em uma era neopagã. 

Este panorama é algo inaudito na história da Igreja Católica, por motivos óbvios, porque aponta para um retrocesso cultural da civilização judaico-cristã. Ou seja, o ponto de partida do Cristianismo foi justamente trazer aos povos pagãos o anúncio do Evangelho de Cristo e este objetivo foi quase em sua totalidade atingido no mundo contemporâneo. A demonstração disso é que todas as instituições que regulam a sociedade Ocidental tem base no legado judaico-cristão. No entanto, pouco a pouco, as sociedades foram deixando de lado esta herança, principalmente, a partir do século XIX – ainda que de maneira discreta – os valores universais que a fundamentam. Isto porque, no caldo cultural produzido pela Revolução Francesa, devido às perseguições à Igreja, surgiram ideias e ideais contrários a este legado. Como resultado dessa virada abrupta e sanguinária, houve a pretensão de estabelecer um mundo novo, em bases neopagãs e ateias. Ainda que fosse norteado pelo patrimônio cultural cristão, desde a evangelização dos povos, naquele século indivíduos quiseram romper definitivamente com os pressupostos do Cristianismo. 

Por outro lado, no final do século XIX, a Igreja Católica, acompanhando a realidade dos sindicatos de trabalhadores e a condição dos operários, lançou a Doutrina Social da Igreja, na forma de uma Carta Encíclica, publicada pelo Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891. Estavam lançadas as bases para os católicos se situarem diante da industrialização crescente, tanto para os empregados, quanto para os empregadores. Ou seja, os donos das indústrias não estavam livres em sua consciência para explorar seus empregados, enquanto os empregados sabiam que tinham direitos, mas desde que correspondessem às expectativas de seus empregadores. Nem tanto o liberalismo econômico por parte dos patrões, nem tanto as reivindicações exacerbadas dos sindicatos, minados de comunistas.

Na continuidade, vieram as 1ª e a 2ª Grandes Guerras e o sofrimento humano foi sem precedentes, principalmente na 1ª Grande Guerra. Mas, encerrados estes ciclos, com o fim da 2ª Guerra, em 1945, teve início a reconstrução da Europa. Passados cinco anos, um novo ímpeto, o do progresso, surgiu naquele continente e nos Estados Unidos. E, como não poderia deixar de ser, o mesmo aconteceu dentro da Igreja Católica, na esteira do pós-Guerra. Correntes, já antigas, chamadas de modernistas trataram de, internamente, incentivar mais e mais a ideia de progresso, de renovação da Igreja. Embarcaram neste ideal, a geração da época e posteriores e com o passar dos anos, na década de 60, aquela motivação benévola de abertura para a modernidade, por parte do Concílio Vaticano II, foi desvirtuada passo a passo. Enfim, uma má interpretação dos seus fundamentos e propostas acabou se impondo, o que gerou, com o passar dos anos e décadas, no quase esquecimento do que constituiu a Cristandade até o Concílio Vaticano II.

Preocupado com esta nova face da Igreja Católica que ia se formando e até se solidificando, quando assumiu o Papado, o então Papa Bento XVI, incansavelmente, falou da chamada “hermenêutica da continuidade”, embutida neste Concílio. Ou seja, a renovação do que necessitava ser repensado, mas sem descuidar do legado, do depósito da fé de dois mil anos de Cristianismo. Isto porque estavam contidos no Magistério e na Doutrina da Igreja Católica, ambos, rigorosamente, embasados nas Escrituras Sagradas. Mas, a pressão exterior, sob o véu do progressismo, sobre leigos e consagrados, de forma consciente ou não, acabou gerando um desvirtuamento tal, que só não destruiu a Igreja até o nosso tempo, porque o próprio Jesus afirmou que as portas do Inferno sobre ela jamais prevalecerão. 

A propósito, voltando um pouco no tempo, foram agregados outros fatores dentro da própria Igreja Católica, mais arraigados, que influenciaram leigos e consagrados ao longo do tempo. Tais fatores remontam a meados do século XIX, quando a Maçonaria e o Manifesto Comunista, vieram ambos a público, em 1848, e, com ousadia, afirmaram seus propósitos, obviamente, sob a capa do bem comum. Se mostravam pretensamente humanistas, ou seja, tendo por base ideais, já bastante conhecidos, como “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que remontavam à selvagem e sanguinária Revolução Francesa, em 1789, referida logo no início deste texto. Desse modo, é sabido e documentado que houve a partir desta época – isto é, meados do século XIX, infiltrações nos seminários. Estas infiltrações avançaram com mais ênfase no período da Revolução Comunista, em 1917, estendendo-se tal estratégia, ou seja, a da tentativa de enfraquecimento da Igreja Católica durante todo o período no qual estava no comando da URSS (União das Repúblicas Socialistas), o ditador russo, Joseph Stálin e período posterior. Neste, foi engendrada a estrutura da Teologia da Libertação, que consistia para o comunismo russo uma extensão de seu domínio na América Latina. Este dado veio à tona através de entrevistas com um ex-espião da União Soviética, Ion Mihai Pacepa, que foi general da polícia secreta da Romênia comunista. Pacepa pediu demissão do cargo e fugiu para os Estados Unidos, no fim da da década de 70. Obviamente, não teria curso esta estratégia se não houvesse na Igreja Católica uma leva de simpatizantes do ideário comunista. De modo similar, isto é, engendrar tentativas de minar a Igreja Católica por dentro por agentes externos se aplica também à Maçonaria, já antes referida, mas esta, sub-repticiamente, adotou uma tática pública, ou seja, buscar a aceitação de maçons no seio da Igreja. Esta entidade, que passou a ostentar uma fachada social, mas mantém encontros fechados a partir de certo grau que seus membros “ascendem”, fez duas tentativas ostensivas. Uma delas se deu durante a gestão do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o então Cardeal Joseph Ratzinger (de novembro de 1981 a abril de 2005), no início do Papado de João Paulo II (16 de outubro de 1978), que a rechaçou, e no Papado do próprio Bento XVI, a partir de 2005. Este, encomendou a uma junta de especialistas alemães um exame sobre a base conceitual da Maçonaria, e, já no 2º Grau, entre os 33 que a compõem, ficou comprovado que esta associação não se adequava ao Cristianismo e, por extensão, à Doutrina católica. Desse exame, foi lavrado um parecer em que consta não haver compatibilidade entre ser maçom e participar da Igreja Católica.

IGREJA INVISÍVEL

Assim, este verdadeiro bombardeio de propostas de “ser Igreja”, após as inúmeras leituras da proposta inicial do Concílio Vaticano II, em um mundo que adentrava em uma era neopagã, não poderia resultar em outra coisa, a não ser em uma fragmentação, onde a Igreja Católica passou a agradar ou ter os bons olhos da sociedade, em franco ímpeto de rejeição do passado, a partir dos anos 50 e 60. Isto, se deu em larga escala e os aplausos, interna e externamente, foram muitos, o que por si só é algo que é estranho ao Cristianismo. Ou seja, se o espírito mundano nas sociedades gera aprovação é porque a Doutrina da Igreja foi relaxada num todo, e, sendo assim, em seu interior, pouco a pouco os valores cristãos, que são exigentes, principalmente, católicos, passaram a ocupar um segundo plano. Ou seja, foram adotadas ideias e costumes não condizentes com o próprio Cristianismo. Um exemplo disso, foi ao tempo do Concílio, um casal norte-americano apresentou a proposta do uso de pílulas anticoncepcionais pelos católicos, o que gerou muita controvérsia, chamando a atenção da imprensa mundial, que não economizou páginas em entrevistas sobre este ou aquele ponto de vista. De certo modo, se estabeleceu uma ponte entre a Igreja e o mundo nesta época. Era o que o pensamento mundano queria, incluindo boa parte dos leigos católicos, mas o uso da pílula pelos casais católicos se opunha radicalmente ao valor que o Cristianismo dá à abertura ao dom da vida no matrimônio. Ainda que a proposta tenha sido rejeitada, a difusão do assunto pelo mundo inteiro, deu margem à aceitação pelas famílias católicas do controle da natalidade por este meio. Isto, como que desgastou o princípio da geração da vida, dádiva de Deus, passando a vinda de uma criança a ser calculada, planejada, conforme as condições materiais dos casais católicos. Assim se deu com o recurso ao DIU (Dispositivo Intra Uterino) pelas mulheres, inclusive católicas, no mundo inteiro. Para piorar o quadro instalado, a partir deste acontecimento, já em 1972, nos Estados Unidos, o direito ao aborto foi aprovado, amparado por lei federal. Alguns Estados acolheram a legalização, enquanto outros o mantiveram como ilegal. Foi o estopim para a ideia se espalhar pelo mundo todo, quando surgiram no início da da década de 70, os primeiros movimentos pró-aborto, na esteira da “revolução sexual” surgida nesta mesma década ou poucos antes dela. A propósito, a Profª Dra. em Filosofia, Alice von Hildebrand, esposa do renomado filósofo e teólogo católico, Dietrich von Hildebrand, teceu em seu livro “O Privilégio de Ser Mulher”, duras críticas ao aborto legal, que, como é sabido, trouxe consigo a cultura da morte a centenas de países. Na mesma esteira, em toda exposição pública a que tinha acesso, Madre Teresa de Calcutá falava em auditórios no Ocidente contra a prática do aborto. Dizia ela que, se alguém é capaz de matar uma criança em seu ventre, o que esperar de uma sociedade que patrocina este assassinato? Em sua singeleza, pedia, quando estava diante da situação que a mãe desse à luz e trouxesse a criança para ela adotar. Foi ouvida e levada a sério por muitas pessoas, que, ao fim e ao cabo, por ser muito admirada pelo Papa João Paulo II, a trazia para falar às multidões. Com certeza, Santa Teresa de Calcutá teve grande influência em seu combate ao aborto, abrindo os olhos de milhares enquanto viva esteve, e, na atualidade, por certo, o mesmo acontece a milhões de pessoas de todos os credos, já que com o advento da internet, seu pensamento obstinado contra o aborto, continua circulando no mundo todo. É uma gota em um oceano de mal feitos, mas é bendita sobremaneira esta filha da Igreja Católica, já que sua voz determinada, ainda que humilde, marcou profundamente gerações de adultos e jovens, que passaram a lutar em movimentos pró-vida, principalmente, no rebanho católico. 

São exatamente estes leigos, que são indiferentes ao respeito humano – termo antigo, já em desuso, mas ainda válido, a saber, colocar o ser humano à frente do que é correto aos olhos de Deus – é que compõem a Igreja invisível, fazendo frente aos desatinos do mundanismo. É importante dizer que há correntes no interior da Igreja, que compõem entusiasticamente a Cristandade contemporânea, mas não se dão conta de que não estão levando em conta o legado do Santo Magistério e da Sã Doutrina católicos nesse sentido. Mais ainda, o que é pior, os desprezam, deixando-se arrastar por ideais contrários à própria Doutrina Social da Igreja Católica, tal como o comunismo e o socialismo, pela via do marxismo. Ora, como cristãos, em obediência aos ensinamentos de Jesus aos Apóstolos, no Novo Testamento, seria uma decorrência natural rejeitar o mundo e as ideias e atitudes apartadas desse ensino. 

Dessa forma, na atualidade, o ideário do “politicamente correto”, de base marxista, quase dominante na cultura, deve ser rejeitado com decisão pelos cristãos, porque sua base é neopagã, isto é, o ser humano é o fundamento de todas coisas, – ou seja, se trata de um humanismo radical, portanto, ateu e materialista. Dessa maneira, é um mundo sem Deus e sua Lei Revelada, daí porque remonta ao tempo do paganismo. Esta tendência, que deriva do marxismo, conseguiu, pouco a pouco, se imiscuir na Igreja, e encontrou na corrente da Teologia da Libertação uma via de pleno desenvolvimento. Nesta, Deus, como que está a serviço dos interesses materiais, em nome de uma pretensa justiça social, ou seja, o Paraíso na Terra aqui e agora, em vista da instauração do Reino de Deus. Esta “teologia” é enganosa, além de reduzir ao mínimo o caráter sagrado da fé católica. 

No entanto, a Igreja invisível persiste, guiada pelo Espírito Santo, suscitando combatentes, que atuam dentro e fora dela, sem esmorecer. Ali onde o erro quer dominar, surge um movimento contrário. Cumpre-se, então, a promessa de Cristo de que Sua Igreja jamais seria destruída. É verdade que em seu todo, a Igreja Católica, neste século e desde o início do passado, pareça, aqui e ali, desfigurada, ao ser comparada à Igreja primitiva até o advento da era industrial. Nesse sentido, não importa tanto a forma, e, sim, o conteúdo de sua mensagem. Até é possível conviver com o despojamento estético das igrejas católicas, como se fossem templos protestantes, isto é, sem as bordaduras das roupas clericais ou o estilo arquitetônico moderno, ainda que seja lamentável vê-las despojadas de belas imagens inspiradoras. A ascese, o fervor místico, na prática, desaparecem da mente e do coração do fiel. Mas há algo ainda pior nesse sentido. Em várias partes do Brasil e no mundo, não é possível ver crucifixos com a figura de Jesus Cristo, e menos ainda, uma imagem da Virgem Maria. No máximo, são apresentadas figuras estilizadas, inclusive da Via Sacra. No entanto, como foi referido acima, é possível suportar essa dessacralização se há um sacerdote piedoso, inspirado e sábio. Quando não há um tal sacerdote, as almas divagam dentro da própria igreja, conferindo o celular ou conversam sobre assuntos alheios à Santa Missa. Tem sido muito comum estas ocorrências devido à dispersão quase generalizada, à perda do sentido do sagrado, à ênfase que, no mundo publicitário, é dada ao que está acontecendo nas redes sociais. É um problema amplo, mas se é levado para a celebração, fica evidente o que a dessacralização gera na vida dos fiéis.

Por conseguinte, esta combinação, ou seja, a falta de dedicados pastores de almas e a mundanização, gera como que um efeito cascata, que atinge indiretamente as famílias, minando até mesmo seu sentido de estar no mundo. Afinal, a Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Ele é a Cabeça. Este Corpo é composto, em sua maioria, de famílias, desde a pia batismal até o matrimônio. Se não há ensino, admoestação e exortação, por parte de padres e Bispos em homilias bem preparadas, o que pais (e filhos por extensão), ou jovens, o quê todos vão levar para casa e pôr em prática em relação aos valores cristãos?

Novamente, volta o drama que o neopaganismo vigente espalha com seus inúmeros tentáculos. Não seria este ideário – o neopagão, obviamente – que poderia trazer paz, amor mútuo, compreensão e perdão entre os membros de uma família, pelo contrário, vai predominar a confusão, o desencontro. Daí a importância de bons pastores, bons confessores, que vão ser, em quase todas as situações de conflito, uma influência benévola. Vão como que “por nos eixos” os desajustes eventuais que qualquer família católica, vez ou outra, atravessa, ao viver em um mundo que tende para o caos. Este é o poder da Igreja invisível, que como a palavra refere, não pode ser vista, porque é mística, mas, na trama caótica do mundo, é vital, essencial. Nosso Senhor Jesus Cristo a orienta e pequenos milagres acontecem todos os dias nas famílias ou aos indivíduos, por intermédio dos sacerdotes a Ele fiéis, bem como, leigos, profunda e valentemente, cristãos.

Lúcia Barden Nunes – Jornalista.

Santa Teresa d’Ávila

Santa Teresa de Jesus nasceu em Ávila, Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Em sua autobiografia, ela menciona alguns detalhes da sua infância: o nascimento “de pais virtuosos e tementes a Deus”, em uma grande família, com nove irmãos e três irmãs. Ainda jovem, com pelo menos 9 anos, leu a vida dos mártires, que inspiram nela o desejo de martírio, tanto que chegou a improvisar uma breve fuga de casa para morrer como mártir e ir para o céu (cf. Vida 1, 4): “Eu quero ver Deus”, disse a pequena aos seus pais. Alguns anos mais tarde, Teresa falou de suas leituras da infância e afirmou ter descoberto a verdade, que se resume em dois princípios fundamentais: por um lado, que “tudo o que pertence a este mundo passa”; por outro, que só Deus é para “sempre, sempre, sempre”, tema que recupera em seu famoso poema: “Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta!”. Ficando órfã aos 12 anos, pediu à Virgem Santíssima que fosse sua mãe (cf. Vida 1,7).

Se, na adolescência, a leitura de livros profanos a levou às distrações da vida mundana, a experiência como aluna das freiras agostinianas de Santa Maria das Graças, de Ávila, e a leitura de livros espirituais, em sua maioria clássicos da espiritualidade franciscana, ensinaram-lhe o recolhimento e a oração. Aos 20 anos de idade, entrou para o convento carmelita da Encarnação, sempre em Ávila. Três anos depois, ela ficou gravemente doente, tanto que permaneceu por quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Também na luta contra suas próprias doenças, a santa vê o combate contra as fraquezas e resistências ao chamado de Deus.

Em 1543, ela perdeu a proximidade da sua família: o pai morre e todos os seus irmãos, um após o outro, migram para a América. Na Quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega o topo de sua luta contra suas próprias fraquezas. A descoberta fortuita de “um Cristo muito ferido” marcou profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que naquele momento sente profunda consonância com o Santo Agostinho das “Confissões”, descreve assim a jornada decisiva da sua experiência mística: “Aconteceu que…de repente, experimentei um sentimento da presença de Deus, que não havia como duvidar de que estivesse dentro de mim ou de que eu estivesse toda absorvida n’Ele” (Vida 10, 1).

Paralelamente ao amadurecimento da sua própria interioridade, a santa começa a desenvolver, de forma concreta, o ideal de reforma da Ordem Carmelita: em 1562, funda, em Ávila, com o apoio do bispo da cidade, Dom Álvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e logo depois recebe também a aprovação do superior geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi.

Nos anos seguintes, continuou a fundação de novos Carmelos, um total de dezessete. Foi fundamental seu encontro com São João da Cruz, com quem, em 1568, constituiu, em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento das Carmelitas Descalças. Em 1580, recebe de Roma a ereção a Província Autônoma para seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem Religiosa dos Carmelitas Descalços. Teresa termina sua vida terrena justamente enquanto está se ocupando com a fundação.

Em 1582, de fato, tendo criado o Carmelo de Burgos e enquanto fazia a viagem de volta a Ávila, ela morreu, na noite de 15 de outubro, em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas frases: “No final, morro como filha da Igreja” e “Chegou a hora, Esposo meu, de nos encontrarmos”. Uma existência consumada dentro da Espanha, mas empenhada por toda a Igreja. Beatificada pelo Papa Paulo V, em 1614, e canonizada por Gregório XV, em 1622, foi proclamada “Doutora da Igreja” pelo Servo de Deus Paulo VI, em 1970. Teresa de Jesus não tinha formação acadêmica, mas sempre entesourou ensinamentos de teólogos, literatos e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve ao que tinha experimentado pessoalmente ou visto na experiência de outros (cf. Prefácio do “Caminho de Perfeição”), ou seja, a partir da experiência.

Teresa consegue tecer relações de amizade espiritual com muitos santos, especialmente com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, é alimentada com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerônimo, São Gregório Magno, Santo Agostinho. Entre suas principais obras, deve ser lembrada, acima de tudo, sua autobiografia, intitulada “Livro da Vida”, que ela chama de “Livro das Misericórdias do Senhor”. Escrito no Carmelo de Ávila, em 1565, conta o percurso biográfico e espiritual, por escrito, como diz a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do “Mestre dos espirituais”, São João de Ávila. O objetivo é manifestar a presença e a ação de um Deus misericordioso em sua vida: Para isso, a obra muitas vezes inclui o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura fascinante, porque a santa não apenas narra, mas mostra como reviver a profunda experiência do seu amor com Deus. Em 1566, Teresa escreveu o “Caminho da perfeição”, chamado por ela de “Admoestações e conselhos” que dava às suas religiosas. As destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José, em Ávila. Teresa lhes propõe um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais importantes, destaca-se o comentário sobre o Pai Nosso, modelo de oração.

A obra mística mais famosa de Santa Teresa é o “Castelo Interior”, escrito em 1577, em plena maturidade. É uma releitura do seu próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espírito Santo. Teresa refere-se à estrutura de um castelo com sete “moradas”, como imagens da interioridade do homem, introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce em uma borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa se inspira na Sagrada Escritura, especialmente no “Cântico dos Cânticos”, para o símbolo final dos “dois esposos”, que permite descrever, na sétima “morada”, o ápice da vida cristã em seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial.

À sua atividade fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o “Livro das fundações”, escrito entre 1573 e 1582, no qual fala da vida do nascente grupo religioso. Como na autobiografia, a história é dedicada principalmente a evidenciar a ação de Deus na fundação dos novos mosteiros.

Santa Teresa de Jesus é uma verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Em nossa sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa nos ensina a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua ação; ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe em nosso coração, esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia, novamente.

Papa Bento XVI

Publicado em Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.

REFLEXÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS CRISTO

Por Santo Afonso Maria de Ligório

«Oh! se conhecesses o mistério da cruz!, disse Santo André ao tirano que queria induzi-lo a renegar a Jesus Cristo, por ter Jesus se deixado crucificar como malfeitor. «Oh! se entendesses, tirano, o amor que Jesus Cristo te mostrou querendo morrer na cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna…»

Quanto agrada a Jesus Cristo que nós nos lembremos continuamente de sua paixão e da morte ignominiosa que por nós sofreu, muito bem se deduz de haver ele instituído o Santíssimo Sacramento do altar com o fito de conservar sempre viva em nós a memória do amor que nos patenteou, sacrificando-se na cruz por nossa salvação. Já sabemos que na noite anterior à sua morte ele instituiu este sacramento de amor e depois de ter dado seu corpo aos discípulos, disse-lhes – e na pessoa deles a nós todos – que ao receberem a santa comunhão se recordassem do quanto ele por nós padeceu: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beber de deste cálice, anunciareis a morte do Senhor” (1 Cor 11, 26). Por isso a santa Igreja, na missa, depois da consagração, ordena ao celebrante que diga em nome de Jesus Cristo: “Todas as vezes que fizerdes isto, fazei-o em memória de mim”. E São Tomás escreve: “Para que permanecesse sempre viva entre nós a memória de tão grande benefício, deixou seu corpo para ser tomado como alimento” (Op. 57). E continua o santo a dizer que por meio de um tal sacramento se conserva a memória do amor imenso que Jesus Cristo nos demonstrou na sua paixão

Se alguém padecesse por seu amigo injúrias e ferimentos e soubesse que o amigo, quando se falava sobre tal acontecimento nem sequer nisso queria pensar e até costumava dizer: falemos de outra coisa – que dor não sentiria vendo o desconhecimento de um tal ingrato? Ao contrário, quanto se consolaria se soubesse que o amigo reconhece dever-lhe uma eterna obrigação e que disso sempre se recorda e se lhe refere sempre com ternura e lágrimas? Por isso é que todos os santos, sabendo a satisfação que causa a Jesus Cristo quem se recorda continuamente de sua paixão, estão quase sempre ocupados em meditar as dores e os desprezos que sofreu o amantíssimo Redentor em toda a sua vida e particularmente na sua morte. Santo Agostinho escreve que as almas não podem se ocupar com coisa mais salutar que meditar cotidianamente na paixão do Senhor. Deus revelou a um santo anacoreta que não há exercício mais próprio para inflamar os corações com o amor divino do que o meditar na morte de Jesus Cristo. E a Santa Gertrudes foi revelado, segundo Blósio, que todo aquele que contempla com devoção o crucifixo é tantas vezes olhado amorosamente por Jesus quantas ele o contempla. Ajunta Blósio que o meditar ou ler qualquer coisa sobre a paixão traz-nos maior bem que qualquer outro exercício de piedade. Por isso escreve São Boaventura: “A paixão amável que diviniza quem a medita” (Stim. div. amor, p. 1. c. 1). E falando das chagas do crucifixo, diz que são chagas que ferem os mais duros corações e inflamam no amor divino as almas mais geladas.

O SALVADOR

Adão peca e se rebela contra Deus e sendo ele o primeiro homem, pai de todos os homens, perdeu-se com todo o gênero humano. A injúria foi feita a Deus, motivo por que nem Adão nem os outros homens, com todos os sacrifícios, mesmo oferecendo sua própria vida, poderiam dar uma digna satisfação à Majestade divina; para aplacá-la plenamente era necessário que uma pessoa divina satisfizesse a justiça divina. E eis que o Filho de Deus, movido à compaixão pelos homens, arrastado pelos extremos de sua misericórdia, se oferece a revestir-se da carne humana e a morrer pelos homens, para assim dar a Deus uma completa satisfação por todos os seus pecados e obter-lhes a graça divina que perderam.

Desce, pois, o amoroso Redentor a esta terra e fazendo-se homem quer curar os danos que o pecado causara ao homem. Portanto, quer não só com seus ensinamentos, mas também com os exemplos de sua santa vida, induzir os homens a observar os preceitos divinos e por essa maneira conseguir a vida eterna. Para esse fim Jesus Cristo renunciou a todas as honras, às delícias e riquezas de que podia gozar neste mundo e que lhe eram devidas como ao Senhor do mundo, e escolhe uma vida humilde, pobre e atribulada até morrer de dor sobre uma cruz. Foi um grande erro dos judeus pensar que o Messias devia vir à terra para triunfar de todos os seus inimigos com o poder das armas e, depois de os ter debelado e adquirido o domínio do mundo inteiro, deveria tornar opulentos e gloriosos os seus sequazes. Mas se o Messias fosse qual os judeus o desejavam, príncipe soberano e honrado de todos os homens como senhor de todo o mundo, não seria o Redentor prometido por Deus e predito pelos profetas. É o que ele mesmo declara quando responde a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Por esse motivo repreende São Fulgêncio a Herodes por ter tão grande temor de ser privado do seu reino pelo Salvador, quando ele não viera para vencer o rei pela guerra, mas a conquistá-lo com sua morte (Serm. 5 de Epiph.).

Dois foram os erros dos judeus a respeito do Redentor esperado: o primeiro foi que, quando os profetas falavam dos bens espirituais e eternos, eles o interpretavam dos bens terrenos e temporais. “E a fé reinará nos teus tempos; a sabedoria e a ciência serão as riquezas da salvação; o temor do Senhor esse é o teu tesouro” (Is 33, 6). Eis os bens prometidos pelo Redentor, a fé, a ciência das virtudes, o santo temor, eis as riquezas da prometida salvação. Além disso, promete que dará remédio aos penitentes, perdão aos pecadores e liberdade aos cativos dos demônios: “Enviou-me para evangelizar os mansos, para curar os contritos de coração e pregar remissão aos cativos e soltura aos encarcerados” (Is 61, 1).

O outro erro dos judeus foi que pretenderam entender da primeira vinda do Salvador o que fora predito pelos profetas da segunda vinda, para julgar o mundo no fim dos séculos. Assim, escreve Davi do futuro Messias que ele deverá vencer os príncipes da terra e abater a soberba de muitos e com a força da espada subjugar toda a terra (Sl 109,6). E o profeta Jeremias escreve: “A espada do Senhor devorará a terra de um extremo a outro” (Lm 12, 12). Isso, porém, entende-se da segunda vinda, quando vier como juiz a condenar os malvados. Falando, porém, da primeira vinda, na qual deveria consumar a obra da redenção, mui claramente predisseram os profetas que o Redentor levaria neste mundo uma vida pobre e desprezada. Eis o que escreve o profeta Zacarias, falando da vida abjeta de Jesus Cristo: “Eis que o teu rei virá a ti, justo e salvador; ele é pobre e vem montado sobre uma jumenta e sobre o potrinho da jumenta” (Zc 9, 9).

Esta profecia realizou-se plenamente quando Jesus entrou em Jerusalém, assentado sobre um jumento, sendo recebido com todas as honras, como o Messias desejado, segundo o testemunho de São João (Jo 12,14). Também sabemos que ele foi pobre desde o seu nascimento, tendo vindo a este mundo em Belém, lugar desprezado, e numa manjedoura: “E tu, Belém Efrata, tu és pequenina entre os milhares de Judá, mas de ti é que há de sair aquele que há de reinar em Israel e cuja geração é desde o princípio, desde os dias da eternidade” (Mq 5, 2). E essa profecia foi assinalada por São Mateus (2,6) e São João (7, 42). Além disso, escreve o profeta Oséias: “Do Egito chamarei o meu Filho” (11, 1), o que se realizou quando Jesus Cristo, como menino, foi levado para o Egito, onde permaneceu sete anos como estranho no meio de gente bárbara, dos parentes e dos amigos, devendo viver necessariamente mui pobremente. Continuou, depois de voltar à Judéia, a levar uma vida pobre. Ele mesmo predisse pela boca de Davi que pobre deveria ser durante toda a sua vida e atribulado pelas fadigas: “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade” (Sl 87,16).

A EXPIAÇÃO

Deus não podia ver plenamente satisfeita a sua justiça com os sacrifícios oferecidos pelos homens, mesmo sacrificando-lhe suas vidas e, por isso, dispôs que seu próprio Filho tomasse um corpo humano e fosse a digna vítima que o reconciliasse com os homens e lhes obtivesse a salvação. “Não quiseste hóstia nem oblação, mas tu me formaste um corpo” (Hb 10, 5). E o Filho unigênito se ofereceu voluntariamente a sacrificar-se por nós e desceu à terra para completar o sacrifício com sua morte e assim realizar a redenção do homem: “Eis, aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade, como está escrito de mim no princípio do livro” (Hb 10, 7).

Pergunta o Senhor, referindo-se ao pecador: “Que importará que eu vos fira de novo?” (Is 1, 5). Isso dizia Deus, para nos dar a entender que, por mais que punisse os seus ofensores, suas penas não seriam suficientes para reparar a sua honra ultrajada, e por isso enviou seu próprio Filho a satisfazer pelos pecados dos homens, visto que ele podia dar uma digna reparação à justiça divina. Depois declarou por Isaías, falando de Jesus feito vítima para expiar nossas culpas: “Eu o feri por causa dos crimes de meu povo” (53, 8), e não se contentou com uma pequena satisfação, mas quis vê-lo abatido pelos tormentos: “E o Senhor quis quebrantá-lo na sua enfermidade” (Is 53, 10). Ó meu Jesus, ó vítima de amor, consumida de dores na cruz para pagar os meus pecados, desejaria morrer de dor, pensando quantas vezes vos tenho desprezado depois de tanto me haverdes amado. Não permitais que eu continue a viver tão ingrato a tão grande bondade. Atraí-me todo a vós: fazei-o pelos merecimentos desse sangue que derramastes por mim!

Quando o Verbo divino se ofereceu para remir os homens, de duas maneiras se podia fazer essa redenção: uma por meio do gozo e da glória, outra das penas e dos vitupérios. Ele, porém, que com sua vinda não só pretendia livrar o homem da morte eterna, mas também ganhar a si o amor de todos os corações humanos, repeliu o caminho do gozo e da glória e escolheu o das penas e dos vitupérios (Hb 10, 34). A fim, portanto, de satisfazer por nós a justiça divina e juntamente para inflamar-nos com seu santo amor, quis qual criminoso sobrecarregar-se de todas as nossas culpas e, morrendo sobre uma cruz, obter-nos a graça e a vida feliz. É justamente o que exprime Isaías quando afirma: “Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores” (Is 53, 4).

Disso encontram-se duas figuras claras no Antigo Testamento: a primeira era a cerimônia usada todos os anos do “bode expiatório” sobre o qual o sumo pontífice entendia impor todos os pecados do povo e por isso todos, cumulando-o de maldições, o enxotavam para a floresta para servir aí de objeto à ira divina (Lv 16, 5). Esse bode figurava nosso Redentor, que quis espontaneamente sobrecarregar-se com todas as maldições a nós devidas por nossos pecados (Gl 3, 13), feito por nós maldição, para nos obter as bênçãos divinas. E assim escreve o Apóstolo em outro lugar: “Aquele que desconhecia o pecado, fê-lo por nós, para que nós fôssemos feitos justiça de Deus nele” (2 Cor 5, 21). Como explicam Santo Ambrósio e Santo Anselmo, aquele que era a mesma inocência, fê-lo pecado; revestiu-se com as vestes do pecador e quis tomar sobre si as penas devidas a nós pecadores, para nos obter o perdão e nos tornar justos aos olhos de Deus.

A segunda figura do sacrifício que Jesus Cristo ofereceu por nós a seu eterno Pai na cruz, foi a “serpente de bronze” suspensa em um poste, que curava os hebreus mordidos pela serpente de fogo, quando para ela olhavam (Nm 21, 8). Assim escreve São João: “Como Moisés suspendeu a serpente no deserto, assim importa que seja levantado o Filho do homem, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 14).

À LUZ DAS PROFECIAS

É preciso refletir que no capítulo 2.º da “Sabedoria” está predita a morte ignominiosa de Jesus Cristo. Ainda que as palavras desse capítulo possam se referir à morte de qualquer homem justo, contudo, afirma Tertuliano, São Cipriano, São Jerônimo e muitos outros santos Padres, que de modo especial quadram à morte de Cristo: Aí se diz no versículo 18: “Se realmente é o verdadeiro filho de Deus, ele o amparará e o livrará das mãos dos contrários”. Essas palavras correspondem perfeitamente ao que diziam os judeus, quando Jesus estava na cruz: “Confiou em Deus: livre-o agora, se o ama; pois disse que era filho de Deus” (Mt 27, 43). Continua o sábio a dizer: “Façamos-lhe perguntas por meio de ultrajes e tormentos… e provemos a sua paciência. Condenemo-lo a uma morte a mais infame” (Sb 2, 19-20). Os judeus escolheram para Jesus Cristo a morte da cruz, que era a mais ignominiosa, para que seu nome ficasse para sempre aviltado e não fosse mais relembrado, segundo um outro testemunho de Jeremias: “Ponhamos madeira no seu pão e exterminemo-lo da terra dos viventes e não haja mais memória de seu nome” (Jr 11, 19). Ora, como podem dizer hoje em dia os judeus ser falso que Jesus fosse o Messias prometido, por ter sido arrebatado deste mundo por uma morte torpíssima, quando seus mesmos profetas haviam predito que ele deveria ter uma morte tão vil?

Jesus aceitou, porém, semelhante morte porque morria para pagar os nossos pecados: também por esse motivo quis qual pecador ser circuncidado, ser resgatado quando foi apresentado ao templo, receber o batismo de penitência de São João. Na sua paixão, finalmente quis ser pregado na cruz para pagar por nossos licenciosas liberdades, com a sua nudez reparar a nossa avareza, com os opróbrios a nossa soberba, com a sujeição aos carnífices a nossa ambição de dominar, com os espinhos os nossos maus pensamentos, com o fel a nossa intemperança e com as dores do corpo os nossos prazeres sensuais. Deveríamos por isso continuamente agradecer com lágrimas de ternura ao eterno Pai por ter entregue seu Filho inocente à morte para livrar-nos da morte eterna. “O qual não poupou seu próprio Filho, mas entregou-o por todos nós: como não nos deu também com ele todas as coisas?” (Rom 8, 32). Assim fala São Paulo e o próprio Jesus diz, segundo São João (3, 16): “Tanto Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho unigênito”. Daí exclamar a santa Igreja no sábado santo: “Ó admirável dignação de vossa piedade para conosco! Ó inestimável excesso de vossa caridade! Para resgatar o escravo, entregastes o vosso Filho”. Ó misericórdia infinita, ó amor infinito de nosso Deus, ó santa fé! Quem isto crê e confessa, como poderá viver ser arder em santo amor para com esse Deus tão amante e tão amável?

Ó Deus eterno, não olheis para mim, carregado de pecados, olhai para vosso Filho inocente, pregado numa cruz, e que vos oferece tantas dores e suporta tantos ludíbrios para que tenhais piedade de mim. Ó Deus amabilíssimo e meu verdadeiro amigo, por amor, pois, desse Filho que vos é tão caro, tende piedade de mim. A piedade que desejo é que me concedais o vosso santo amor. Ah, atraí-me inteiramente a vós do meio do lodo de minhas torpezas. Consumi, ó fogo devorador, tudo o que vedes de impuro na minha alma e a impede de ser toda vossa.

NOSSO FIADOR

Agradeçamos ao Pai e agradeçamos igualmente ao Filho que quis tomar a nossa carne e juntamente os nossos pecados para dar a Deus com sua paixão e morte uma digna satisfação. Diz o Apóstolo que Jesus Cristo se fez nosso fiador, obrigando-se a pagar as nossas dívidas (Hb 7, 22). Como mediador entre Deus e os homens, estabeleceu um pacto com Deus por meio do qual se obrigou a satisfazer por nós a divina justiça e em compensação prometeu-nos da parte de Deus a vida eterna. Já com muita antecedência o Eclesiástico nos advertia que não nos esquecêssemos do benefício deste divino fiador, que, para obter a salvação, quis sacrificar a sua vida (Eclo 29, 20). E para mais nos assegurar do perdão, diz São Paulo, foi que Jesus Cristo apagou com seu sangue o decreto de nossa condenação, que continha a sentença da morte eterna contra nós, e a afixou à cruz, na qual, morrendo, satisfez por nós a justiça divina (Col 2, 14). Ah, meu Jesus, por aquele amor que vos obrigou a dar a vida e o sangue no Calvário por mim, fazei-me morrer a todos os afetos deste mundo, fazei que eu me esqueça de tudo para não pensar senão em vos amar e dar-vos gosto. Ó meu Deus, digno de infinito amor, vós me amastes sem reserva e eu quero também amar-vos sem reserva. Eu vos amo, meu sumo Bem, eu vos amo, meu amor, meu tudo.

Em suma, tudo o que nós podemos ter de bens, de salvação, de esperança, tudo possuímos em Jesus Cristo e nos seus merecimentos, como disse São Pedro: “E não há em outro nenhuma salvação, nem foi dado aos homens um outro nome debaixo dos céus em que nós devemos ser salvos” (At 4, 12). Assim para nós não há esperança de salvação senão nos merecimentos de Jesus Cristo. Donde São Tomás, com todos os teólogos, conclui que depois da promulgação do Evangelho nós devemos crer explicitamente, por necessidade não só de preceito, como também de meio, que somente por meio de nosso Redentor nos é possível a salvação.

Todo o fundamento de nossa salvação está, portanto, na redenção humana do Verbo divino, operado na terra. É preciso, pois, refletir que ainda que as ações de Jesus Cristo feitas no mundo, sendo ações de uma pessoa divina, eram de um valor infinito, de maneira que a mínima delas bastava para satisfazer a justiça divina por todos os pecados dos homens, contudo só a morte de Jesus foi o grande sacrifício com o qual se completou a nossa redenção, motivo pelo qual as Sagradas Escrituras se atribui a redenção do homem principalmente à morte por ele sofrida na cruz: “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2, 8). Razão por que escreve o Apóstolo que, quando tomamos a sagrada eucaristia, nos devemos recordar da morte do Senhor: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste vinho, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Cor 11,26). Por que é que diz da morte e não da encarnação, do nascimento, da ressurreição? Porque foi esse tormento, o mais doloroso de Jesus Cristo, que completou a redenção.

Por isso dizia S. Paulo: “Não julgueis que eu sabia alguma coisa entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1 Cor 2,2). Muito bem sabia o apóstolo que Jesus Cristo nascera numa gruta, que habitara por trinta anos uma oficina que ressuscitara e subira aos céus. Por que então escreve que não sabia outra coisa senão Jesus crucificado? Porque a morte sofrida por Jesus na cruz era o que mais o movia a amá-lo e o induzia a prestar obediência a Deus, a exercer a caridade para com o próximo, a paciência nas adversidades, virtudes praticadas e ensinadas particularmente por Jesus Cristo na cátedra da cruz. São Tomás escreve: “Em qualquer tentação encontra-se na cruz o auxílio; aí a obediência para com Deus, aí a caridade para com o próximo, aí a paciência nas adversidades, donde assevera Agostinho: A cruz não foi só o patíbulo do mártir, como também a cátedra do mestre”. (In c. 12 ad Heb.).

À SOMBRA DA CRUZ

Almas devotas, procuremos ao menos imitar a esposa dos Cânticos, que dizia: “Eu assentei-me à sombra daquele que tanto desejei” (Cânt 2, 3). Oh! que doce repouso as almas que amam a Deus encontram nos tumultos deste mundo e nas tentações do inferno e mesmo nos temores dos juízos de Deus, contemplando a sós em silêncio o nosso amado Redentor agonizando na cruz, gotejando seu sangue divino de todos os seus membros já feridos e rasgados pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos. Oh! como a vista de Jesus crucificado afugenta de nossas mentes todos os desejos de honras mundanas, das riquezas da terra e dos prazeres dos sentidos! Daquela cruz emana uma vibração celeste, que docemente nos desprende dos objetos terrenos e acende em nós um santo desejo de sofrer e morrer por amor daquele que quis sofrer tanto e morrer por amor de nós.

Ó Deus, se Jesus Cristo não fosse o que ele é, Filho de Deus e verdadeiro Deus nosso criador e supremo senhor, mas um simples homem, quem não sentiria compaixão vendo um jovem de nobre linhagem, inocente e santo, morrer à força de tormentos sobre um madeiro infame, para pagar, não os seus delitos, mas os de seus mesmos inimigos e assim libertá-los da morte em perspectiva? E como é possível que não ganhe os afetos de todos os corações um Deus que morre num mar de desprezos e de dores por amor de suas criaturas? Como poderão essas criaturas amar outra coisa fora de Deus? Como pensar em outra coisa que em ser gratos para com esse tão amante benfeitor? “Oh! se conhecesses o mistério da cruz!”. disse Santo André ao tirano que queria induzi-lo a renegar a Jesus Cristo, por ter Jesus se deixado crucificar como malfeitor. Oh! se entendesses, tirano, o amor que Jesus Cristo te mostrou querendo morrer na cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna, certamente não te empenharias em persuadir-me a renegá-lo; pelo contrário, tu mesmo abandonarias tudo o que possuis e esperas nesta terra para comprazeres e contentares um Deus que tanto te amou. Assim já procederam tantos santos e tantos mártires que abandonaram tudo por Jesus Cristo. Que vergonha para nós, quantas tenras virgenzinhas renunciaram a casamentos principescos, riquezas reais e todas as delícias terrenas e voluntariamente sacrificaram sua vida para testemunhar qualquer gratidão pelo amor que lhes demonstrou este Deus crucificado.

Como explicar então que a muitos cristãos a paixão de Cristo faz tão pouca impressão? Isso provém do pouco que consideram nos padecimentos sofridos por Jesus Cristo por nosso amor. Ah, meu Redentor, também eu estive no número desses ingratos. Vós sacrificastes vossa vida sobre uma cruz, para que não me perdesse, e eu tantas vezes quis perder-vos, ó bem infinito, perdendo a vossa graça! Ora, o demônio, com a recordação de meus pecados, pretenderia tornar-me dificílima a salvação, mas a vista de vós crucificado, meu Jesus, me assegura que não me repelireis de vossa face se eu me arrepender de vos haver ofendido e quiser vos amar. Oh! sim, eu me arrependo e quero amar-vos com todo o meu coração. Detesto aqueles malditos prazeres que me fizeram perder a vossa graça. Amo-vos, ó amabilidade infinita, e quero amar-vos sempre e a recordação de meus pecados servirá para me inflamar ainda mais no vosso amor, que viestes em busca de mim quando eu de vós fugia. Não, não quero mais separar-me de vós, nem deixar mais de vos amar, ó meu Jesus. Maria, refúgio dos pecadores, vós que tanto participastes das dores de vosso Filho na sua morte, suplicai-lhe que me perdoe e me conceda a graça de o amar.

Fonte: “Reflexões sobre a Paixão de Jesus Cristo expostas às almas devotas”

Tradução: Pe. José Lopes Ferreira, C.Ss.R.

Publicado em Blog Quadrante (Quadrante Editora é uma entidade sem fins lucrativos, que iniciou as atividades no ano de 1964, em São Paulo, com a publicação do livro Caminho, de São Josemaria Escrivá.

As Lições de Quinta-feira Santa

Aqui começa o Tríduo Pascal, a preparação para a grande celebração da Páscoa, a Vitória de Jesus Cristo sobre a morte, o pecado, o sofrimento e o inferno.

Este é o dia em que a Igreja celebra a instituição dos grandes Sacramentos da Ordem e da Eucaristia. Jesus é o grande e eterno Sacerdote; mas quis precisar de ministros sagrados, retirados do meio do povo, para levar ao mundo a Salvação que Ele conquistou com a sua Morte e Ressurreição.

Jesus desejou ardentemente celebrar aquela hora: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer” (Lc 22,15).

Na celebração da Páscoa, após instituir o Sacramento da Eucaristia, ele disse aos Discípulos: “Fazei isto em memória de Mim”. Com essas palavras Ele instituiu o Sacerdócio cristão: “Pegando o cálice, deu graças e disse: Tomai este cálice e distribui-o entre vós. Tomou em seguida o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 17-19).

Na noite em que foi traído, mais nos amou; bebeu o cálice da Paixão até a última e amarga gota. São João disse que: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou” (Jo 13,1).

Depois que Jesus passou por toda a terrível paixão e morte de Cruz, ninguém mais tem o direito de duvidar do amor de Deus por cada pessoa.

Aos mesmos discípulos ele vai dizer depois no Domingo da Ressurreição: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,23). Estava assim instituída também a sagrada Confissão, o sacramento da Penitência; o perdão dos pecados dos homens que Ele tinha acabado de conquistar com o seu Sangue.

(…)

Na noite da Ceia Pascal o Senhor lavou os pés dos discípulos, fez esse gesto marcante, que era realizado pelos servos, para mostrar que no seu Reino “o último será o primeiro”, e que o cristão deve ter como meta servir e não ser servido. Quem não vive para servir não serve para viver. Quem não vive para servir não é feliz, porque a autêntica felicidade, que o tempo não apaga, as crises não destroem e o vento não leva, é a que nasce do serviço ao outro, desinteressadamente.

Nesta mesma noite Jesus fez várias promessas importantíssimas à Igreja que institui sobre Pedro e os Apóstolos. Prometeu-lhes o Espírito Santo, e a garantia de que ela seria guiada por Ele a “toda a verdade”. Sem isto a Igreja não poderia guardar intacto o “depósito da fé”, que São Paula chamou de “sã doutrina”. Sem a assistência permanente do Espírito Santo desde Pentecostes, ela não poderia ter chegado até hoje e não poderia cumprir sua missão de levar a salvação a todos os homens de todas as nações.

“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós” (Jo 14, 16-17).

Que promessa maravilhosa: o Espírito da Verdade permanecerá convosco e em vós. Como pode alguém ter a coragem de dizer que um dia a Igreja errou o caminho. Seria preciso que o Espírito da Verdade a tivesse abandonado.

“Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 25-26).

Na última Ceia o Senhor deixou à Igreja essa grande promessa: O Espírito Santo “ensinar-vos-á todas as coisas”. É por isso que São Paulo disse a Timóteo que “a Igreja é a coluna e o fundamento da verdade” (1Tm 3, 15). Quem desafiar a verdade de doutrina e de fé ensinada pela Igreja, vai escorregar pelas trevas do erro.

E na mesma santa Ceia, o Senhor lhes diz: “Muitas coisas ainda tenho a dizer-vos, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade…” (Jo 16, 12-13).

Jesus sabia que aqueles homens simples não tinham condições de compreender toda a teologia cristã; mas assegura-lhes que o Paráclito lhes ensinaria tudo, ao longo do tempo, até os nossos dias de hoje. E o Sagrado Magistério dirigido pelo Papa continua assistido pelo Espírito de Jesus.

São essas Promessas, feitas à Igreja na Santa Ceia, que dão a ela a estabilidade e a infalibilidade em matéria de fé e de costumes. Portanto, não só o Senhor instituiu os Sacramentos da Eucaristia e da Ordem, na Santa Ceia, mas colocou as bases para a firmeza permanente da Sua Igreja. Assim, ele concluiu a obra que o Pai lhe confiou, antes de consumar sua missão na Cruz.

Publicado por Prof. Felipe Aquino.

Quarta-feira de trevas: A concretude da espera da Paixão

A noite fica mais escura quando está perto de amanhecer

comshalom

Hoje é Quarta-Feira Santa e encerra-se oficialmente o período da Quaresma, que começa na Quarta-Feira de Cinzas. Neste dia celebra-se o Ofício chamado de “Trevas” (Tenebrae), que é uma tradição herdada desde a Igreja medieval, para relembrar aos fiéis que a escuridão vai descer sobre a Terra com a morte daquele que É: o Cristo, a Luz do mundo.

Neste dia, é importante que cada cristão já se prepare concretamente para a Paixão do Nosso Senhor, de maneira sóbria e vigilante. O uso de aparelhos eletrônicos deve ser diminuído, de forma que o silêncio já seja perceptível no lar de cada um que espera a redenção que passa pelo calvário. O recolhimento para a oração também precisa acontecer de forma mais intensa — uma vez que chegou a hora de viver os últimos momentos de Jesus nessa peregrinação terrestre. Leituras espirituais serão muito bem vindas, principalmente aquelas que levem o fiel batizado a meditar nos momentos finais de Cristo antes da consolidação do seu objetivo final.

Depois dos quarenta dias no deserto, enfim a verdadeira Luz já se aproxima, no entanto, “a noite parece mais escura quando está perto de amanhecer”. Muitas são as más inclinações que rebaixam o homem à sua condição mais miserável, no entanto, é tempo de descer com Jesus às sombras da morte, para com ele também ressuscitar. Neste dia, um bom exame de consciência é muito bem vindo, seguido de uma contrição perfeita, de um arrependimento autêntico, que conduza a alma a uma verdadeira conversão.

Depois de muitas quedas e avanços no período quaresmal, chegou a hora de fazer propósitos concretos que não vão mais durar somente durante o período da quaresma — mas que vão acompanhar o fiel batizado até a Vida Eterna, o destino que lhe aguarda. É essencial reconhecer aquilo que não deu certo durante as últimas semanas: as quedas não devem ser motivo de escrúpulos, mas de confiança na misericórdia divina que tudo perdoa e que sempre dá a cada alma a possibilidade do recomeço.

O Tríduo Pascal já se aproxima — e nele o centro da salvação humana — o “sim” humilde que foi capaz de dar um novo destino para cada homem pecador. A Quarta-Feira de trevas não deve ser um dia triste, mas uma espera cheia de sentido, com a certeza de que a salvação está mais próxima do que antes. É tempo de voltar ao essencial através do jejum, da esmola, da oração e da recitação do Santo Terço. Eis o dia propício para agradecer pela encarnação do Verbo, que habitou entre os homens e que agora toma os seus filhos pela mão para retirá-los deste vale de lágrimas. A esperança já se aproxima — a noite escura já perde a força porque uma nova aurora deseja despontar.

Um santo e fecundo Tríduo Pascal!

Publicado em Comunidade Católica Shalom.

Semana Santa

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Semana Santa

A Semana Santa é uma tradição religiosa católica que celebra a Paixão, a Morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Ela se inicia no Domingo de Ramos, que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e termina com a ressurreição de Jesus, que ocorre no domingo de Páscoa.

Os dias da Semana Santa

Domingo de Ramos

O Domingo de Ramos abre solenemente a Semana Santa, com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Jesus é recebido em Jerusalém como um rei, mas os mesmos que o receberam com festa o condenaram à morte. Jesus é recebido com ramos de palmeiras. Nesse dia, são comuns procissões em que os fiéis levam consigo ramos de oliveira ou palmeira, o que originou o nome da celebração. Segundo os evangelhos, Jesus foi para Jerusalém para celebrar a Páscoa Judaica com os discípulos e entrou na cidade como um rei, mas sentado num jumentinho – o símbolo da humildade – e foi aclamado pela população como o Messias, o rei de Israel. A multidão o aclamava: “Hosana ao Filho de Davi!” Isto aconteceu alguns dias antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição. A Páscoa Cristã celebra então a Ressurreição de Jesus Cristo.

Segunda-Feira Santa

É o segundo dia que vem depois de Domingo de Ramos onde se recorda a prisão de Jesus Cristo. Estando na casa de seu amigo Lázaro (a quem Ele havia ressuscitado), e de Marta e Maria Madalena. (Jo 12, 1-11). Faltavam seis dias para a Páscoa. E, enquanto estavam a jantar, Maria tomou um vaso de nardo (um perfume autêntico e muito caro), e ungiu Jesus nos pés, e depois enxugou-os com seus cabelos.
Tal gesto foi de imediato criticado por Judas Iscariotes. Jesus ignorou a crítica e, saindo em defesa de Maria, justificou o ato: “Antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura. Asseguro-vos que em qualquer parte do mundo onde se proclame o evangelho, se recordará o que ela fez”.

Terça-Feira Santa

O terceiro dia da Semana Santa, onde são celebradas as Sete dores de Nossa Senhora Virgem Maria. E muito comum também por ser o dia de penitência no qual os cristãos cumprem promessas de vários tipos ou o dia da memória do encontro de Jesus e Maria no caminho do Calvário.
É o dia, em que com grande tristeza, Jesus anuncia a sua morte, causando grande sofrimento aos seus discípulos. Anuncia também a traição, e indica o traidor. Com isto Jesus, manifesta em pleno o Seu amor por todos nós, e consciente aceita o destino que O aguarda, como forma de mostrar ao mundo a glória de Deus, e assim, para que a Sua salvação chegue até aos últimos confins da terra.

Quarta-Feira Santa

É o quarto dia da Semana Santa. Em algumas igrejas celebra-se neste dia a piedosa procissão do encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Ainda há igrejas que neste dia celebram o Ofício das Trevas, lembrando que o mundo já está em trevas devido à proximidade da morte de Jesus.
No evangelho deste dia, é-nos apresentada a traição de Judas, descrevendo-nos como este foi ter com os chefes dos sacerdotes, a quem se ofereceu para trair o Jesus. Aceita assim, trinta moedas de prata como recompensa da sua traição.

Quinta-Feira da Ceia

O quinto dia da Semana Santa e, na manhã deste dia, nas catedrais das dioceses, o bispo se reúne com o seu clero para celebrar a Celebração do Crisma, na qual são abençoados os óleos que serão usados na administração dos sacramentos do Batismo, Crisma e Unção dos Enfermos. Com essa celebração se encerra a Quaresma. Neste mesmo dia, à noite, são relembrados os três gestos de Jesus durante a Última Ceia: a Instituição da Eucaristia, o exemplo do Lava-pés, com a instituição de um novo mandamento (ou “ordenança”) segundo algumas denominações cristãs, e a instituição do sacerdócio. É neste momento que Judas Iscariotes sai para entregar Jesus por trinta moedas de prata. E é nesta noite em que Jesus é preso, interrogado e, no amanhecer da sexta-feira, açoitado e condenado. A igreja fica em vigília ao Santíssimo, relembrando os sofrimentos de Jesus, que tiveram início nesta noite. A igreja já se reveste de luto e tristeza, desnudando os altares (quando são retirados todos os enfeites, toalhas, flores e velas), tudo para simbolizar que Jesus já está preso e consciente do que vai acontecer. Também cobrem-se todas as imagens existentes no templo, com panos de cor roxa.

Sexta-Feira Santa

Também chamada de Sexta-Feira da Paixão, é quando a Igreja recorda a morte de Jesus. É celebrada a Solene Ação Litúrgica, Paixão e a Adoração da Cruz. A recordação da morte de Jesus consiste em quatro momentos: A Liturgia da Palavra, Oração Universal, Adoração da Cruz e Rito da Comunhão. Presidida por presbítero ou bispo, os paramentos para a celebração são de cor vermelha.
Neste dia, é praticado o jejum, e a abstinência da carne em sinal de penitência e respeito pela morte de Jesus Cristo. È recitada a Via Sacra no seu ponto mais alto.

Sábado Santo

Também era chamado de Sábado de Aleluia, é o dia da espera. Os cristãos junto ao sepulcro de Jesus aguardam sua ressurreição. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como disse Santo Agostinho, que se inicia com a Bênção do Fogo Novo e também do Círio Pascal; proclama-se a Páscoa através do canto do Exultet e faz-se a leitura de 8 passagens da Bíblia (4 leituras e 4salmos) percorrendo-se toda história da salvação, desde Adão até o relato dos primeiros cristãos. Entoa-se o Glória e o Aleluia, que foram omitidos durante todo o período quaresmal. Há também o batismo daqueles adultos que se prepararam durante toda a quaresma. A celebração se encerra com a Liturgia Eucarística, o ápice de todas as missas.

Domingo de Páscoa

É o dia mais importante para a fé cristã, pois é o dia da ressurreição, onde Jesus se levanta de sua sepultura, e vence a morte. É o dia do grande milagre! O dia em que Cristo volta à vida através da Sua Ressurreição de entre os mortos. É o dia em que se celebra a vida, o amor e a misericórdia de Deus. Após morrer na cruz, o corpo de Cristo é colocado em um sepulcro, onde permaneceu por três dias, até o Domingo de Páscoa, altura em que Ele Ressuscita.
“Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!” Esse dia é estendido por mais cinqüenta dias até o Domingo de Pentecostes.

Publicado em Prefeitura de Maricá.

DOAR-NOS AOS OUTROS POR AMOR A DEUS É A RECEITA PARA SERMOS FELIZES TAMBÉM NA TERRA

*QUARESMA

Doar-nos aos outros por amor a Deus é a receita para sermos felizes também na terra.

Chegamos ao limiar da Semana Santa. Daqui a poucos dias, ao assistirmos às cerimônias litúrgicas do solene Tríduo Pascal, participaremos das últimas horas da vida terrena de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando se ofereceu ao Pai Eterno como Sacerdote e Vítima da Nova Aliança, selando com o seu Sangue a reconciliação de todos os homens com Deus. Apesar da sua carga dramática, à qual não podemos nem devemos nos acostumar – o Inocente carregado com as culpas dos pecadores, o Justo que morre no lugar dos injustos! –, a tragédia da Semana Santa é fonte da mais pura alegria para os cristãos: Feliz culpa, que mereceu tal Redentor! (1), canta a Igreja no Pregão pascal a propósito do pecado dos nossos primeiros pais e – dizemo-lo nós – dos nossos erros pessoais diários, na medida em que servem para que retifiquemos, cheios de dor de amor, e para que cresçamos em espírito de compunção.

Minhas filhas e meus filhos, nestes dias que se avizinham, aconselho-os a que procurem fomentar nas suas almas muitos atos de reparação e de dor – dor de amor –, pedindo ao Senhor perdão pelas faltas de vocês e pelas da humanidade inteira. Ponham-se junto de Cristo com o pensamento e com o desejo naquelas provas amargas da Paixão, e procurem consolá-lo com as suas palavras cheias de carinho, com as suas obras fiéis, com a sua mortificação e com a sua penitência generosa, sobretudo no cumprimento fiel dos deveres de cada momento. Se assim o fizerem, podem ter a certeza de que ajudarão Jesus a levar a Cruz – essa Cruz que pesa e que pesará sobre o Corpo místico de Cristo até o final dos séculos –, sendo corredentores com Ele. Participarão da glória da sua Ressurreição, porque padeceram com Ele (2), e ficarão repletos de alegria, de uma alegria que nada nem ninguém poderá tirar-lhes (3).

Filhas e filhos da minha alma, nunca esqueçamos que o gaudium cum pace, a alegria e a paz que o Senhor nos prometeu se somos fiéis, não depende do nosso bem-estar material nem de que as coisas corram na medida dos nossos desejos. Não se fundamenta em motivos de saúde nem no êxito humano. Em todo caso, essa seria uma felicidade efêmera, perecedoura, ao passo que nós aspiramos a uma bem-aventurança eterna. A alegria profunda que preenche completamente a alma tem a sua origem na união com Nosso Senhor. Lembrem-se daquelas palavras que o nosso amadíssimo Fundador do Opus Dei, São Josemaria Escrivá, repetiu numa das suas últimas tertúlias: «Se queres ser feliz, sê santo; se queres ser mais feliz, sê mais santo; se queres ser muito feliz – já na terra! –, sê muito santo» (4).

Minha filha, meu filho: a receita está muito experimentada, porque o nosso santo Fundador, que tanto sofreu pelo Senhor, foi felicíssimo na terra. Melhor dito: precisamente por ter-se unido intimamente a Jesus Cristo na Santa Cruz – nisto consiste a santidade, em identificarmo-nos com Cristo crucificado –, recebeu o prêmio da alegria e da paz.

Escutai o que nos confiava em 1960, pregando uma meditação na Sexta-feira Santa. Na sua oração pessoal, rememorava essa forja de sofrimentos que foi a sua vida e animava-nos a não termos «medo da dor, nem da desonra, sem pontos de soberba. O Senhor, quando chama uma criatura para que seja dEle, faz que ela sinta o peso da Cruz. Sem pôr-me como exemplo, posso dizer-vos que, ao longo da minha vida, sofri dor, amargura. Mas, em meio a tudo isso, encontrei-me sempre feliz, Senhor, porque Tu foste o meu Cireneu.

«Rejeita o medo da Cruz, meu filho! Tu vês Cristo pregado nela e, apesar disso, procuras apenas aquilo que é prazeroso? Isso não está certo! Não te lembras de que o discípulo não é mais do que o Mestre? (cf. Mt 10, 24).

«Senhor, mais uma vez renovamos a aceitação de tudo aquilo que, na ascética, se chama tribulação, embora eu não goste desta palavra. Eu não tinha nada: nem idade, nem experiência, nem dinheiro; sentia-me humilhado, não era… nada, nada! E, dessa dor, chegavam respingos aos que estavam ao meu lado. Foram anos tremendos, mas jamais me senti desgraçado. Senhor, que os meus filhos aprendam da minha pobre experiência. Sendo miserável, nunca estive amargurado. Caminhei sempre feliz! Feliz, chorando; feliz, com penas. Obrigado, Jesus! E perdoa-me por não ter sabido aproveitar melhor a lição» (5).

Ao meditarmos nestas palavras do São Josemaria, a conclusão que temos de tirar é clara: nunca, em nenhuma circunstância, devemos perder a alegria sobrenatural que emana da nossa condição de filhos de Deus. Se alguma vez ela vier a faltar-nos, recorreremos imediatamente à oração e à direção espiritual, ao exame de consciência bem feito, a fim de descobrirmos a causa e aplicarmos o remédio oportuno.

É verdade que, por vezes, essa ausência de alegria pode nascer da doença ou do cansaço; então, é obrigação grave dos diretores facilitar a esses seus irmãos o descanso e os cuidados oportunos, estando atentos para que ninguém – por causa de uma sobrecarga excessiva de trabalho, por falta de sono, por esgotamento ou por qualquer outra razão – chegue a uma situação que ocasione um dano à sua resposta interior.

Em outros momentos, como o São Josemaria nos assinalava, a perda da alegria esconde raízes ascéticas. Sabeis qual é a mais frequente? A preocupação excessiva pela própria pessoa, o dar voltas e mais voltas em torno de si mesmo. Se cada um de nós é tão pouca coisa, como pode passar pela sua cabeça, meu filho, minha filha, girar em torno do próprio eu? «Se amamos a nós mesmos de um modo desordenado», escreve o São Josemaria, «há motivo para estarmos tristes. Quanto fracasso, quanta pequenez! A posse dessa nossa miséria tem de causar-nos tristeza, desalento. Mas se amamos a Deus sobre todas as coisas e os outros e nós mesmos em Deus e por Deus, quantos motivos de alegria!» (6).

Esse foi o exemplo do Mestre, que entregou a sua vida por nós. Correspondamos ao que Deus nos pede da mesma maneira, por Ele e pelos outros. Afastemos qualquer preocupação pessoal do nosso horizonte cotidiano; e se alguma nos assaltar, abandoná-la-emos com plena confiança no Sagrado Coração de Jesus e no Coração Dulcíssimo de Maria, nossa Mãe, e ficaremos tranquilos. Minhas filhas e meus filhos, temos de preocupar-nos – melhor dito, temos de ocupar-nos – somente das coisas de Deus, que são as coisas da Igreja, da Obra, das almas. Não percebeis que, até humanamente, saímos ganhando? E, além disso, somente assim estaremos sempre cheios do gaudium cum pace, da alegria e da paz, e atrairemos muitas outras pessoas ao nosso caminho.

Permiti-me que insista nisto com outras considerações do São Josemaria, tomadas da tertúlia a que me referia anteriormente. «Ser santo», repisava, «é ser feliz, também aqui na terra. Padre, e o senhor foi sempre feliz? Eu, sem mentir, dizia há poucos dias […] que nunca tive uma alegria completa; quando chega uma alegria, dessas que satisfazem o coração, o Senhor fez-me sentir sempre a amargura de estar na terra; como uma faísca do Amor… E, contudo, nunca fui infeliz, não recordo ter sido infeliz nunca. Percebo que sou um grande pecador, um pecador que ama Jesus Cristo com toda a sua alma» (7).

Você e eu, minha filha, meu filho, nós, sim, somos pecadores. Mas amamos o Senhor com toda a nossa alma? Esforçamo-nos para retificar uma vez e outra – felix culpa! –, tirando motivos de mais amor, de maior compunção, dos nossos tropeços?

Notas:

  1. Missal Romano, Vigília Pascal (Pregão pascal)
  1. Cf. Rm 8, 18.
  1. Cf. Jo 16, 22.
  1. São Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 7/06/1975 (AGP, biblioteca, P01, VII-1975, pág. 219).
  1. São Josemaria, Notas de uma meditação, 15/04/1960.
  1. São Josemaria, Carta, 24/03/1931, n. 25.
  2. São Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 07/06/1975 (AGP, biblioteca, P01, VII-1975, pág. 219).

Fonte: Álvaro del Portillo, Caminhar com Jesus ao longo do tempo litúrgico. Quadrante, 2016.

Publicado em Quadrante Editora (Entidade sem fins lucrativos, que iniciou as atividades no ano de 1964, em São Paulo, com a publicação do livro Caminho, de São Josemaria Escrivá).

  • Grifo meu.

Afinal, qual a importância da Santa Missa?

Domingo, dia do Senhor! Vamos à Santa Missa?

A Santa Missa é o pilar central da fé católica, por ela, recebemos Jesus vivo na Eucaristia, corpo e sangue, que nos sustentam na luta pela santidade. Não há como buscar o Céu sem buscar a Cristo no altar da Santa Missa, veja o que diz o Catecismo da Igreja Católica:

2180 — O mandamento da Igreja determina e especifica a lei do Senhor: “Nos domingos e nos outros dias de festa de preceito aos fiéis têm a obrigação de participar da missa”. “Satisfaz ao preceito de participar da missa quem assiste à missa celebrada segundo o rito católico no próprio dia de festa ou à tarde do dia anterior”.

2181 — A eucaristia do domingo fundamenta e sanciona toda a prática cristã. Por isso os fiéis são obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser por motivos muito sérios (por exemplo, uma doença, cuidado com bebês) ou dispensados pelo próprio pastor.

Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem pecado grave [também chamado pecado mortal, e devem procurar a confissão].

A Santa Missa é a presentificação do Sacrifício de Jesus no Calvário. Não é repetição e nem multiplicação desse acontecimento; é a sua renovação, atualização. As ações de Cristo são “teândricas”, isto é, humanas e divinas ao mesmo tempo, por isso, não se esgotam no tempo como as nossas ações. Deus está acima do tempo, que é sua criatura.

A Missa é oferecida com várias finalidades: homenagem de adoração suprema ao Pai Eterno por Seu Filho encarnado, feito homem, unindo as nossas com as Dele e as de toda a Igreja. É um ato de oferecimento de cada fiel ao Senhor para o amar e servir.

É um culto de ação de graças ao Pai para agradecer-lhe os dons que recebemos: a glória da Virgem Maria, seus méritos e os dos santos e todos os benefícios que recebemos pelos méritos de Cristo. É também um ato de reparação pelos nossos pecados e os da humanidade. Diz São Pedro Julião que “Deus Pai nada nos pode recusar visto que nos deu Seu Filho, que se mantém na Sua presença nesse estado de Sacrifício e de vítima pelos nossos pecados e os de todos os homens”. É o momento de apresentar a Deus nossas necessidades pessoais; e, sobretudo, a graça necessária para vencer os piores pecados que nos escravizam.

Além disso, no oferecimento eucarístico do pão e do vinho, são também apresentadas a Deus toda a riqueza e pobreza da humanidade inteira. Assim rezamos pelas necessidades de todos os homens espalhados pelo mundo inteiro, em particular pelos mais necessitados. Quando participamos da Santa Missa ajudamos concreta e eficazmente os outros. De fato, a Santa Missa é fonte privilegiada de justiça, de partilha, de paz, de reconciliação e de perdão entre todos os povos. A Eucaristia sempre é celebrada sobre o altar do mundo. Une o céu e terra (cf. Ecclesia de Eucharistia, 8).

Na celebração da santa Missa, tudo lembra o Sacrifício de Jesus por nós. O altar de pedra contém relíquias de santos, às vezes até ossos, pois eles participam da glória de Cristo e “intercedem por nós sem cessar”; as velas que queimam no altar e se consomem, e os círios, simbolizam a fé, a esperança e a caridade. As toalhas brancas que cobrem o altar representam os lençóis com que foi envolvido o Corpo de Jesus Cristo; o crucifixo representa-O morrendo por nós. Tudo lembra o Calvário.

Fonte: Professor Felipe Aquino.

Publicado em Missão Eterno Céu.

Homilia Diária | Sexta-feira Santa – “Como cordeiro ao matadouro” – Padre Paulo Ricardo

Ficheiro:1583 Annibale Caracci, Crucifixion Santa Maria della Carità, Bologna.jpg

Publicado em Padre Paulo Ricardo.

Imagem: Wikipédia (Annibale Caracci, Crucifixion Santa Maria della Carità, Bologna, 1583).

Meu Encarceramento (Seculares Contemplativos)

Meu Encarceramento

Ainda lembro como se fosse hoje como tudo aconteceu. Era uma sexta-feira, já no finalzinho da tarde, quando já ansiava pelo fim de semana que se avizinhava. Eles entraram no meu local de trabalho, não bateram na porta, nem cumpriram os rituais de boa educação. Simplesmente, deram-me voz de prisão, sem que eu pudesse resistir. Não estavam munidos de cassetete, algemas ou arma de fogo. Não eram como os policiais normais: suas armas eram palavras, imagens, fatos e um alarmante índice de mortos. Minha sensação naquele momento foi de um cidadão comum. Senti-me perplexo, perdido e acuado. Sem que minhas angustias fossem escutadas, fui levado às pressas para o camburão. Não me foi permitido levar muitas coisas. Eles me levaram em um veículo escuro e hostil a minha dor. No entanto, percebi que não era o único que havia sido preso, milhares de pessoas também estavam ali, também elas haviam sido delatadas. A acusação que recaia sobre todos nós era que levávamos uma vida comum. Algo totalmente injusto para um trabalhador como eu, que paga os meus impostos e cumpre com os seus deveres com a Nação. Mas o mais chocante de tudo ainda estava para acontecer. O local do meu encarceramento se chamava casa. Casa? Sim, não qualquer casa, mas a minha casa. Era realmente maldade o que faziam comigo, estar preso em minha própria casa. Casa, para mim, colocava-me em contato com um “nós”. Confesso que sempre tive dificuldade em conjugar os verbos na terceira pessoa do plural, por isso, com o passar do tempo havia criado muitos espaços onde a conjugação na primeira pessoa do singular era permitida. Era ridículo que nessa altura da vida fosse obrigado a passar por essa situação tão constrangedora. Os meus algozes, como um gesto benéfico, deixaram-me usar o smartphone. Era um refrigério em meio ao caos! Mas o tempo da privação foi alongando-se e com ele foram aflorando os meus medos e preocupações. Como vou pagar as minhas dívidas? Como vou sustentar a minha família? Essas e outras perguntas eram frequentes… Mas as minhas dúvidas não eram ouvidas, tentei fazê-los entender a importância que eu tinha na empresa e que muitas coisas dependiam de mim. Eu, que me achava imprescindível no meu trabalho, agora estava privado de qualquer certeza ou garantia de um dia voltar para ele. Esses pensamentos e preocupações, somadas ao enfado de estar naquele lugar, que já não merecia o nome de casa, mas de cárcere, levou-me ao delírio… Como é difícil constatar que não temos as coisas em nossas mãos e que de uma hora para outra tudo se torna relativo! O delírio, que de início se manifestava como um intruso, já ocupava cada segundo do meu dia. Hoje, tendo passado alguns anos do meu encarceramento posso admitir que o cume de tudo foi aquele espelho. De fato ele sempre esteve lá, mas até então servia apenas para ajudar-me a fazer a barba. Aquele espelho colocou-me em contato com o meu “eu”. O “eu verdadeiro” que vive escondido dentro de cada um de nós. Temos vergonha dele, por isso, fazemos questão de negá-lo. Mas já não me era mais possível fugir, minha condição de encarcerado não me permitia. Até mesmo o smartphone, de início tão solidário a minha dor, havia se revelado como um verdadeiro inimigo que me roubava de mim mesmo e, consequentemente, dos outros. Que cena deprimente foi escutar a voz do meu “eu verdadeiro”. Tive que reconhecer que havia muitas coisas em mim sem resolver. É como se me deparasse com um aglomerado de entulhos sem saber o que fazer. Não consigo colocar no papel o que consiste encontrar-se consigo mesmo em meio ao caos. Medo, insegurança, frustração, dúvidas, ódio, desespero… São palavras apenas! O que está em mim é bem mais do que isso. Porém, foi exatamente nesse instante, entre o desespero e a lucidez que vi emergir em mim uma voz. Não seria ela projeção do meu desespero? Não seria um refúgio metal criado pela minha fraqueza? Não, não conseguiria produzir por mim mesmo aquela sensação de paz. Não vinha de mim, mas de um “outro” estranhamente presente em mim. Agora reconheço que ela não surgiu no desespero, ela sempre esteve ali. Aquela voz amena e cálida me indicava apenas duas atitudes infantis como âncora naquela tempestade: a confiança e o abandono. Confiança e abandono não são palavras mágicas. Estão repletas de significado existencial. Foi quando no auge de meu encarceramento, quando havia perdido todas as esperanças de sobreviver a esse caos, é que emergiu essa Presença afável e sutil. Não sei explicar como alguém passa da dor à alegria, da prisão à liberdade, do desespero à esperança… São coisas complexas que não conseguimos expressar com palavras. Mas foi assim, quando do cume do meu cárcere fui liberto de mim mesmo e me abri à Transcendência.

Publicado em Seculares Contemplativos.

Nossa Senhora de La Salette – Memória – 19 de setembro: “Por que Nossa Senhora aparece chorando em La Salette? (Comunidade Católica Palavra Viva)

Hoje, 19 de setembro, é o dia da aparição de Nossa Senhora de La Salette, em 1846, na França. A aparição foi reconhecida pela Igreja Católica.

“O texto dos dois segredos foram ambos entregues ao Papa Pio IX em 18 de julho de 1851.

A 19 de Setembro de 1851, quinto aniversário da aparição, esta foi aprovada oficialmente em carta pastoral do bispo diocesano, sob o título “Nossa Senhora de La Salette”. (Wikipedia.org)

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Por que Nossa Senhora aparece chorando em La Salette?

 

 

Nossa Senhora apareceu em La Salette, no dia 19 de setembro de 1846, por causa de “duas coisas” principais, que estavam tornando pesado o braço de seu divino Filho. Ouçamos o que ela tem a revelar, entre lágrimas, a Mélanie, a Maximin e, através deles, a toda a humanidade:

Se meu povo não quer se submeter, sou forçada a deixar cair a mão de meu Filho. Ela é tão forte e pesada que não posso mais retê-la. Há quanto tempo sofro por vocês! Se quero que meu Filho não os abandone, sou obrigada a suplicá-lo incessantemente. E vocês nem se importam com isso. Por mais que rezem, por mais que façam, jamais poderão recompensar a aflição que tenho sofrido por vocês.

(1Dei-lhes seis dias para trabalhar, e reservei-me o sétimo, e não me querem concedê-lo. É o que faz pesar tanto o braço de meu Filho.

(2) Os carroceiros não sabem falar sem usar o Nome de meu Filho. São essas duas coisas que tornam tão pesado o braço de meu Filho. [1]

Nós, os orgulhosos e descrentes homens do século XXI, somos quase tentados a não acreditar que a santíssima Mãe de Deus tenha saído do Céu, da bem-aventurança eterna em que se encontra, contemplando a face de seu divino Filho, simplesmente para nos dizer: parem de pecar contra o segundo e o terceiro mandamentos! Ela tem mais uma mensagem a passar, sim, principalmente às autoridades civis e religiosas, mas a primeira coisa que ela pede, aos dois videntes de La Salette, é para as pessoas guardarem os domingos e não tomarem o santo nome de Deus em vão.

A nós parece pouco? Infelizes de nós, meus amigos, que não temos dimensão do que seja o pecado! Se eram infelizes os homens do século XIX, castigados que foram por desrespeitar esses dois mandamentos, muito mais infeliz é a nossa época, que já há muito tempo lançou fora as próprias tábuas dos Mandamentos; que já há muito tempo deixou de temer a Deus…

Nossa apostasia, no entanto, já era prevista pela Virgem de La Salette, noutra parte de sua mensagem. Esta, Nossa Senhora havia pedido expressamente a Mélanie que a guardasse em segredo, até 1858, e dizia o seguinte:

No ano de 1864, Lúcifer e um grande número de demônios serão libertados do inferno: eles abolirão a fé pouco a pouco e mesmo nas pessoas consagradas a Deus; eles vão cegá-las de tal maneira que, exceto por uma graça particular, essas pessoas serão tomadas pelo espírito desses anjos maus; muitas casas religiosas perderão inteiramente a fé e perderão muitas almas.

Os maus livros abundarão sobre a terra, e os espíritos das trevas espalharão por toda parte um relaxamento universal em tudo aquilo que se refere ao serviço de Deus […]. A verdadeira fé estará extinta e a falsa luz iluminará o mundo. […] Os governantes civis terão todos o mesmo objetivo, que será abolir e fazer desaparecer todo princípio religioso, para dar lugar ao materialismo, ao ateísmo, ao espiritismo e a toda espécie de vícios.

No ano de 1865, a abominação será vista nos lugares santos; nos conventos, as flores da Igreja apodrecerão e o demônio tornar-se-á como o rei dos corações. Que aqueles que estão à frente das comunidades religiosas tomem cuidado com as pessoas que devem acolher, porque o demônio usará de toda sua malícia para introduzir nas ordens religiosas pessoas entregues ao pecado, pois as desordens e o amor aos prazeres carnais serão espalhados por toda a terra. […] Todos pensarão apenas em se divertir; os maus vão se entregar a toda espécie de pecados; mas os filhos da Santa Igreja, os filhos da fé, meus verdadeiros imitadores, crescerão no amor de Deus e nas virtudes que me são mais caras. […]

Tremei, ó terra, e vós que fazeis profissão de servir a Jesus Cristo e que, por dentro, adorais a vós mesmos, tremei; pois Deus vai entregar-vos a seu inimigo, porque os lugares santos estão na corrupção; muitos conventos não são mais casas de Deus, mas pastagens de Asmodeu e dos seus. […] Os homens estarão cada vez mais pervertidos [2].

Além da disseminação dos pecados carnais — também mencionados por Nossa Senhora em Fátima —, percebam que a principal profecia que se percebe ao longo de toda a mensagem de La Salette é a perda da fé: os demônios “abolirão a fé pouco a pouco”, “muitas casas religiosas perderão inteiramente a fé”, “a verdadeira fé estará extinta” etc.; ao mesmo tempo, e na contramão dessa tendência, “os filhos da Santa Igreja” são chamados pela Virgem Santíssima “os filhos da fé”.

Disso se deduz que a fé é importantíssima, e nunca se insistirá o bastante nesse ponto. Muitas vezes pode parecer exagero ficar repetindo, mas a ideia é que, de tanto ouvir essa mesma coisa, as pessoas finalmente se dêem conta da necessidade de crer — e crer não em qualquer coisa, mas sim em tudo o que crê e ensina a Santa Igreja Católica. Esse é o começo de tudo. De nada adiantaria, por exemplo, pregar sobre os deveres do cristão, sobre a importância de ir à Missa aos domingos ou fazer abstinência às sextas-feiras, de batizar os próprios filhos e contribuir com o dízimo na paróquia, se as pessoas, de maneira generalizada, deixaram de ter fé em Jesus Cristo e no que ensina a Igreja que Ele mesmo fundou.

Se as pessoas continuam a levar suas vidas no pecado mortal, elas podem até pagar “o dízimo da hortelã, do endro e do cominho”, como faziam os fariseus, mas “os preceitos mais importantes da Lei” continuarão a ser negligenciados (cf. Mt 23, 23). Se as pessoas não acreditarem que precisam abandonar o pecado, procurar o sacramento da Confissão e se reconciliar com Deus, nossas igrejas continuarão a ser lugar de sacrilégio e profanação, onde as pessoas comem e bebem a própria condenação (cf. 1Cor 11, 29). Pior do que isso: se não acreditarem no que diz o Catecismo, ao invés de dar ouvidos às modas ou às ideologias do momento, elas sequer acharão que precisam de conversão.

é por isso que Nossa Senhora chora em La Salette. A mensagem que a santíssima Mãe de Deus veio nos trazer do Céu não é um tipo de “conscientização social”, dessas que se faz em uma propaganda banal de televisão; não é um recado “moralista”, de quem quer filhos “bem comportados” e seguindo à risca uma espécie de “manual de boas maneiras”. Não! Nossa Senhora apareceu em La Salette para chamar todos os seres humanos a um desafio radical, a uma mudança absoluta, que se chama conversão a Deus. Isso significa, em primeiro lugar, transformar completamente a nossa mentalidade, conformando-a à vontade divina, crendo naquilo que Deus revelou por meio de sua Igreja.

Por onde começar? A Virgem em La Salette só o que faz é repetir as palavras de Cristo ao jovem rico do Evangelho: “Se queres entrar na vida, observa os Mandamentos” (Mt 19, 17). Eis a nossa primeira vocação, eis o nosso primeiro desafio. Deus nos revelou que não devemos trabalhar no domingo, nem tomar seus santo nome em vão. Se nos parece pouco, se nos parece nadaserá que Deus está errado ou somos nós, ao contrário, que temos pouca fé?

Deus nos revelou, e repetiu pela boca de Nossa Senhora, que precisamos rezar. Sem isso, não teremos forças para cumprir mandamento algum. As orações, “ah, meus filhos, é preciso fazê-las, à noite e pela manhã”, disse a Virgem aos videntes de La Salette. “Quando não puderem fazer melhor, rezem ao menos um Pai Nosso e uma Ave Maria; e quando tiverem mais tempo e puderem fazer melhor, rezem-nos por mais tempo” [3].

E nós, o que faremos? Trataremos o apelo da Virgem com indiferença? Ou nos deixaremos finalmente sacudir por suas lágrimas, saindo de nossa frieza e insensibilidade aos Mandamentos?

Nossa Senhora de La Salette chora por causa de nossos pecados; pior: chora por um século apóstata e sem fé, que até a noção de pecado já perdeu [4]. Se ela se revelou aos homens chorando, no entanto, é porque ainda há esperança, é porque Deus ainda busca a nossa conversão. Ouçamos a sua voz, despertemo-nos de nossa letargia e enxuguemos as lágrimas da Santíssima Virgem com uma vida de penitência e amor a Deus. Não pode haver nada que alegre mais o seu Sagrado Coração do que um pecador que se arrepende e volta para a casa do Pai (cf. Lc 15, 7).

Referências

  1. A Aparição da Santíssima Virgem na Montanha de La Salette em 19 de setembro de 1846. In: Léon Bloy, Aquela que chora — e outros textos sobre Nossa Senhora da Salette (trad. de Roberto Mallet), Campinas: Ecclesiae, 2016, pp. 149-150.
  2. Ibid., pp. 155-159.
  3. Ibid., p. 161.
  4. Cf. Papa Pio XII, Radiomensagem ao Congresso Eucarístico dos Estados Unidos, 26 de outubro de 1946.

Publicado em Comunidade Católica Palavra Viva.

Leia também:

Santo do Dia – 19 de Setembro – Nossa Senhora de La Salette (Templário de Maria)

O SEGREDO DE LA SALETTE – Texto completo em Português  (A Aparição de La Salette e suas Profecias)

173 anos depois: é a ressurreição de La Salette? (A Aparição de La Salette e suas Profecias) 

Sexta-Feira da Paixão do Senhor (misericordia.org)

Sexta-Feira da Paixão do Senhor

Por meio da dor e do sofrimento, Cristo é elevado à Cruz para reconciliar o homem com Deus, consigo mesmo e com o universo. Ele se entrega confiantemente nas mãos de seu Pai e cumpre a vontade daquele que O enviou.

Na Sexta-feira Santa somos chamados a refletir sobre o acontecimento supremo do Amor de Deus pela humanidade: a morte de Cristo na cruz. Ele morreu na cruz por todas as pessoas. A cruz é o símbolo central deste dia e de toda a celebração desta Sexta-feira Santa¹.

Portanto, “neste dia em que ‘Cristo nossa Páscoa, foi imolado’ (1 Cor 5,7), torna-se clara a realidade daquilo que há muito tempo havia sido prenunciado, mas que era envolto em mistério: a ovelha verdadeira substitui a ovelha figurativa, e mediante um único sacrifício realiza-se plenamente o que a variedade das antigas vítimas significava”².

Com efeito, a obra da redenção da humanidade e da perfeita glorificação de Deus, prefigurada pelas suas obras grandiosas no meio do povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo Mistério Pascal da sua Paixão, Morte e Ressurreição dentre os mortos e gloriosa Ascensão, mistério esse pelo qual, morrendo, destruiu nossa morte e, ressuscitando, restaurou nossa vida³.

Assim, ao contemplar Cristo morto na cruz, a Igreja comemora o seu próprio nascimento e a sua missão de estender a todos os povos os salutares efeitos da Paixão de Cristo, efeitos que hoje celebra em ação de graças por dom tão inefável4.

Desta feita, não só adoramos o mistério da Cruz, mas rezamos a Prece Universal, pela Igreja, seus pastores e fiéis; pelos catecúmenos, pela unidade dos cristãos, pelos judeus, pelos que não creem no Cristo nem em Deus, pelos poderes públicos e pelos sofredores (MR, pp.255-260).

Por isso mesmo rezamos à Divina Misericórdia: “pela sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro” e ainda: “ó Sangue e água que jorraram do coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós, eu confio em Vós” – era assim que rezava Santa Faustina e hoje devotamente celebramos o que rezamos.


Nota:
1. AUGÉ, Matias, Quaresma – Páscoa – Pentecostes, Ave Maria, p.57.
2. Cerimonial dos Bispos, 312.
3. Cf. Cerimonial dos Bispos, 312.
4. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, Carta Circular sobre a preparação e celebração das festas pascais, 58.

 

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