SANTOS ARCANJOS MIGUEL, GABRIEL E RAFAEL

SOLENIDADE

Precisamente hoje, dia 29 de setembro, a Liturgia da Igreja celebra a Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, que aparecem nas Sagradas Escrituras com missões importantes que foram determinadas por Deus. Esses três arcanjos representam a alta hierarquia dos anjos-chefes, o seleto grupo dos sete espíritos puros que atendem ao trono de Deus e são os mensageiros dos decretos divinos aqui na terra, “os espíritos servidores, enviados a serviço daqueles que vão receber a salvação como herança”. (Hb 1,14).

A Igreja, guiada pelo Espírito Santo, herdou do Antigo Testamento a devoção a esses três arcanjos, que são os protetores e os intercessores que vêm do Céu em nosso socorro, pois, como nos ensina São Paulo, vivemos num constante bom combate. A palavra Arcanjo significa Anjo principal e, por isso, durante as atribulações do nosso cotidiano, nas tempestades e nos vendavais na vida, eles costumam aconselhar-nos e auxiliar-nos, além, é claro, de levar as nossas orações a Deus, trazendo-nos as mensagens da Providência Divina.

Os três arcanjos, Miguel, Gabriel e Rafael “estão diante de Deus, são os nossos companheiros porque têm a mesma vocação no mistério da salvação: levar em frente o mistério da salvação. Adoram a Deus, glorificam a Deus, servem a Deus”. (Papa Francisco, Homilia em 29 de setembro de 2017). Os três nomes dos arcanjos terminam com a palavra “EL” que significa “Deus”, ou seja, Deus está inscrito nos seus nomes e em suas naturezas. Desse modo, eles trazem Deus a nós, abrem o céu para nós, abrindo, ao mesmo tempo, a terra. Por estarem juntos do Deus Altíssimo, eles podem estar também muito próximos de nós, os seres humanos, incentivando-nos a permanecer na presença do Senhor, adorando-O em espírito e verdade.

Miguel significa “ninguém é como Deus”, ou “semelhança de Deus”. Ele é considerado o príncipe guardião, o guerreiro, o defensor do trono celeste, o fiel  escudeiro do Pai Eterno, o chefe supremo do exército celeste e dos anjos fiéis a Deus.

Miguel é o arcanjo da justiça e do arrependimento, o padroeiro da Igreja Católica e o protetor dos fiéis cristãos. A invocação de seu nome costuma ser de grande ajuda no combate contra as forças maléficas. Ele é citado três vezes na Sagrada Escritura e o seu culto é um dos mais antigos da Igreja. Miguel é chamado pelo profeta Daniel, no Antigo Testamento, de príncipe protetor dos judeus. No Novo Testamento, ele é citado na carta de São Judas e no Livro do Apocalipse.

Gabriel significa “Deus é meu protetor” ou “homem de Deus”. Ele é o arcanjo anunciador, por excelência, das revelações de Deus e é, talvez, aquele que esteve perto de Jesus na agonia entre as oliveiras. Segundo o profeta Daniel (9, 21), foi Gabriel quem anunciou o tempo da vinda do Messias.

No desenvolvimento dessa missão, ele apareceu a Zacarias “estando de pé à direita do altar do incenso (Lc 1, 10-19), para lhe dar a conhecer o futuro nascimento de João Batista, o profeta precursor do Cristo que une o Antigo e o Novo testamentos.

Finalmente, ele foi o embaixador que Deus enviou à Virgem Maria, em Nazaré, para proclamar o mistério da encarnação do Verbo. No episódio da anunciação, Gabriel foi o portador de um trecho de uma das orações mais populares e queridas do povo de Deus, a Ave Maria.

Gabriel é o padroeiro da diplomacia e dos trabalhadores dos correios, comumente associado a uma trombeta, indicando que é aquele que transmite a voz de Deus, o portador das boas notícias, o comunicador da plenitude dos tempos.

Rafael, cujo significado é “Deus te cura” ou “cura de Deus”, exerceu a missão de acompanhar o jovem Tobias, em sua viagem, como seu segurança e guia. Ele é considerado o chefe da ordem das virtudes e o guardião da saúde e da cura física e espiritual. É o padroeiro dos cegos, dos médicos, dos sacerdotes e, também, dos viajantes, dos soldados e dos escoteiros.

No Livro de Tobias são narrados a ajuda e o socorro que Rafael lhe prestou. Para cumprir sua missão, Rafael tomou a forma humana, fez-se chamar Azarias e acompanhou-o em sua viagem, ajudando-a em suas necessidades, guiando-o por todo o caminho e auxiliando-o a encontrar uma esposa, a jovem Sara.

Aproveitamos a celebração da Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael para refletirmos sobre o ministério angélico na vida da Igreja e em nossas vidas.

Celebrar os três arcanjos que as Escrituras nos dão a conhecer é, na verdade, celebrar esta comunhão que Deus deseja para os seres humanos e o mundo espiritual. É também uma oportunidade de darmos graças a Deus pelo inestimável auxílio que os santos anjos nos prestam no cotidiano da fé.

Peçamos a São Miguel que nos ajude no bom combate em prol da fé e na luta contra o nosso defeito dominante, o mal, o egoísmo e o pecado. Peçamos a São Gabriel que nos traga sempre mais boas notícias, boas novas de salvação, infundindo em nossos corações a plena certeza de que Cristo está conosco nos caminhos da História, a fim de que não permaneçamos parados ou acomodados. Que ele também nos ajude a desempenhar as nossas atividades diárias com serenidade e proveito espiritual. Peçamos a São Rafael que nos conduza pela mão e nos auxilie no caminho da alegria do Evangelho para que não erremos a estrada e saibamos colaborar nos serviços da comunidade da Igreja.

São Miguel, Gabriel e Rafael são os poderosos ministros de Deus que têm a missão de nos defender na luta contra o mal e de nos ajudar na perseverança na fé e na santidade. Peçamos, hoje, amanhã e sempre, que estes ministros de Deus nos obtenham a graça de corresponder sempre mais, com generosidade e zelo, à vontade do Senhor em
nossas vidas. Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, rogai por nós!

Aloísio Parreiras
(Escritor e membro do Movimento de Emaús)

Publicado em Arquidiocese de Brasília.

O castelo de nossas almas

Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa própria casa, não a encontraremos em casas alheias.

A analogia de Santa Teresa de Ávila, em suas “Moradas”, comparando a alma a um grande castelo, é uma dessas intuições geniais que se podem dizer, sem medo, inspiradas por Deus.

Quem nunca ficou admirado, ao tomar contato com imagens do passado, com os belíssimos castelos medievais, a majestosa arquitetura antiga, ou nunca se imaginou morando em um desses lugares fantásticos, cheios de longas escadarias e obras de arte portentosas? Pois bem, não é grande tolice que nos detenhamos a contemplar essas belas obras humanas ou que nos fixemos demasiadamente naquilo que é material e ignoremos o tão elevado castelo que é a nossa própria alma? Como indica a própria Teresa, “sabemos muito por alto que nossa alma existe, porque assim ouvimos dizer e a fé nos ensina”, mas raramente consideramos “as riquezas que há nesta alma, seu grande valor, quem nela habita”[1].

Em sua obra, Teresa convida suas irmãs carmelitas a adentrarem nos castelos de suas almas. Diferentemente dos castelos comuns, para os quais uma breve visita significaria ter de juntar altas somas de dinheiro, percorrer longas distâncias ou, talvez, até atravessar oceanos, para adentrar no castelo de nossas almas, podendo aí permanecer por muito tempo, basta colocar-se à porta: “Pelo que entendo, a porta para entrar neste castelo é a oração”[2]. Porém, ainda que seja simples entrar neste castelo, são poucos os que verdadeiramente abrem a sua porta e entram em si mesmos, por assim dizer.

Mas, por que entrar nesse castelo? Para quê, afinal? Primeiramente, para ganhar a salvação, pois “é desatino pensar que havemos de entrar no céu sem primeiro entrar em nós mesmos”[3]. Não à toa Santo Afonso de Ligório dizia que “quem reza, se salva; quem não reza, se condena”: o primeiro santuário no qual todo homem deve entrar é o de si mesmo; aí, além de sua miséria e de sua condição de criatura, ele encontrará o seu Criador, como aconteceu a Santo Agostinho: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”[4].

Depois, sem recolhermo-nos em nós mesmos, é impossível que nos santifiquemos. Infelizmente, tomados por uma mentalidade mesquinha, temos oferecido a Deus o nosso “mínimo”, muitas vezes “nos arrastando à força e cumprindo nossas obrigações somente para evitar pecados”[5]. Ao contrário, se quisermos de fato amar a Deus sobre todas as coisas e corresponder à “vocação universal à santidade”[6], devemos ser generosos, determinando-nos a conformar nossa vontade com a do Senhor e agradá-Lo em tudo.

Por fim, não pode haver verdadeira paz senão no interior: “Haverá maior mal do que não podermos estar em nossa própria casa? Se em nosso próprio lar não achamos sossego, que esperança teremos de encontrá-lo em casas alheias?”[7], pergunta Santa Teresa. Uma filha sua que experimentou a fundo essa verdade foi Santa Teresinha do Menino Jesus. Descrevendo a viagem que fez pela Europa, um ano antes de sua tomada de hábito, ela escreve:

“Durante toda a viagem, hospedamo-nos em hotéis principescos; jamais estive cercada de tanto luxo. É mesmo o caso de dizer que a riqueza não traz a felicidade, pois teria-me sentido mais feliz sob o teto de uma choupana e com a esperança do Carmelo, do que entre lambris dourados, escadas de mármore branco, tapetes de seda e com a amargura no coração… Ah! Eu bem o sentia: a alegria não se acha nos objetos que nos cercam; encontram-se no mais íntimo da alma, pode-se possuí-la do mesmo modo numa prisão ou num palácio. A prova é que sou mais feliz no Carmelo, mesmo no meio de provações interiores e exteriores, do que no mundo, cercada das comodidades da vida e, sobretudo, das ternuras do lar paterno!…”[8]

Como a Teresa do século XVI, a Teresa do século XIX tinha aprendido a grande lição: “Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa casa, não a encontraremos nas alheias”[9].

Referências

  1. Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 2. In: São Paulo: Paulus, 2014.
  2. Idem, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 7
  3. Idem, Segundas Moradas, n. 11
  4. Santo Agostinho. Confissões, Livro X, n. 38. In:20ª. ed. São Paulo: Paulus, 2008
  5. Castelo Interior, Quintas Moradas, capítulo 3, n. 6
  6. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen Gentium, 21 de novembro de 1964, n. 32
  7. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9
  8. Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma alma: Manuscrito A, 65r. In: Obras completas escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002
  9. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9

Publicado em Equipe Christo Nihil Praeponere (Padre Paulo Ricardo).

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