Novena de Santa Teresa d’Ávila

Uma novena para crescer a intimidade com Deus através da vida de Santa Teresa D’Ávila.

Com Santa Teresa aprendemos que a oração é o caminho que devemos seguir para nos encontrarmos com Cristo, para vivermos com Ele uma profunda intimidade. A oração de contemplação nos faz conhecer toda a humanidade de Jesus e, a partir daí, experimentar um crescimento e uma maturidade para vivermos o matrimônio Espiritual com o Amado Esposo.

“A oração de intimidade com Deus não é outra coisa senão um morrer quase total a todas as coisas do mundo para alegrar-se só em Deus.”

1º Dia – Vida de Santa Teresa de Jesus

Santa Teresa de Jesus nasceu em um lar cristão e desde criança foi chamada a viver só para Deus. O pai era um homem muito caridoso com os pobres e piedoso com os doentes. Ninguém jamais o viu murmurar ou praguejar. Sua mãe, devota de Nossa Senhora, ensinou-lhe a recitar o rosário. Herdou também de sua mãe o gosto pela leitura de histórias de santos e, também histórias de cavalaria. Histórias estas que influenciaram sua vida. 

As histórias de martírio de algumas santas levaram Teresa e seu irmão a desejarem fugir para a terra dos mouros para morrerem decapitados, pois queriam gozar tão logo dos bens celestes. Percebendo que isso era impossível, queriam, então, ser eremitas. Nas brincadeiras com as amigas, gostava de fazer mosteiros, como se fosse uma monja.
Com a perda de sua mãe, tomou Maria por mãe e, a partir de então, começou a entender as graças que o Senhor lhe concedia, e o quanto a Sua Majestade queria que fosse toda dEle. Esta descoberta a fez ofendê-Lo, ao invés de dar-Lhe graças. 

Deixou-se encantar pelos prazeres do mundo, pela vaidade exagerada, pelas companhias dos primos e pelas conversas e entretenimentos levianos. A amizade com uma parenta foi lhe transformando a tal ponto que quase nada lhe restou de sua inclinação natural para a virtude, seus hábitos foram lhe imprimidos. Dizia que sua alma começou a não resistir ao que lhe causava todo mal. Perdeu o temor de Deus e com o medo de também perder a honra, tudo que fazia lhe trazia aflição. Pensando que não seria descoberta, atreveu-se a fazer coisas contra a honra e contra Deus. Mas era impossível ocultar algo de quem tudo vê. Mesmo vivendo desta forma não se entregou a pecados graves. Deus a livrou, contra a sua própria vontade, de se perder por inteira. 

O pai desgostoso com a situação e as suas companhias colocou-a no convento das monjas agostinianas. No início foi difícil a adaptação, mas aos poucos foi encontrando com a sua essência, suas virtudes, e a cada dia foi renascendo no seu coração o amor a Deus e o desejo de nunca mais ofendê-Lo. Acreditava que a Sua Majestade buscava incessantemente a melhor maneira de trazê-la a Si. Dizia: “Bendito sejais, Senhor, que tanto sofrestes por mim.”

Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, porque me remistes,
Vossa, porque me atraístes,
E porque me suportastes
E me salvastes, por fim:
Que mandais fazer de mim?

Reflexão

1.    Santa Teresa experimentou o bem e o mal. Quis ser mártir, depois eremita, e ao descobrir sua vocação – ser toda de Deus – preferiu fugir buscando os prazeres do mundo, a vaidade, as más companhias. Assumo minha vocação acolhendo as verdades de Deus ou me escondo nas coisas que dão prazer à minha carne? 

2.     Mesmo vivendo daquela forma, Deus a livrou de se perder por inteira, pois a queria perto de Si. Santa Teresa se abriu ao toque de amor de Deus, à Sua misericórdia, desejando não mais ofendê-Lo. Abro-me sem reservas a esse toque de amor de Deus?

Oração

Santa Teresa d’Àvila, vós que lutastes contra os desejos da carne para assumir o chamado de ser toda de Deus, fazei com que eu permita que o toque de Deus transforme o meu interior e desperte em mim o desejo de não mais ofendê-lo. Amém. 

Pai Nosso, Ave Maria, Glória.
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

2º Dia – A dor como caminho para encontro com Deus

Uma monja começou a falar a Santa Teresa como decidira ser monja e a recompensa dada pelo Senhor a quem tudo deixa por Ele. Encantava-se com sua conversa santa, porém, tinha aversão à ideia de ser uma monja. Seu coração estava tão duro que nem mesmo a leitura da Paixão lhe arrancava uma única lágrima. Em oração, pediu ao Senhor que lhe indicasse o melhor caminho para servi-Lo. Queria se dedicar a Deus, mas não estava convencida a fazê-lo, pois ainda se entregava mais ao que agradava à sua carne e à vaidade. 

O Senhor lhe deu uma grave doença que a fez retornar à casa paterna. Curada foi visitar uma irmã. No caminho, ficou por alguns dias na casa de um tio. Tempo suficiente para que as palavras de Deus que ouvia e lia, e a sua companhia fizessem-na compreender as verdades da inutilidade das coisas do mundo, a vaidade exagerada e a rapidez de como tudo passa. Decidiu abraçar a vocação, mesmo com medo de não suportar as renúncias e exigências da vida religiosa.

Havia grande contentamento em ser monja, era querida por todos e dedicada em tudo que fazia. Ocupava-se sempre das coisas que dava prazer. No Carmelo, uma monja sofria de uma grave e dolorosa enfermidade, mas suportava tudo com paciência. Vendo-a assim, Santa Teresa pediu a Deus que lhe concedesse a mesma paciência. O Senhor atendeu o seu pedido. Sua enfermidade durou três anos. Foram meses de muita dor, sofrimento e de luta pela vida. Mas a dor maior estava em se ver tão pecadora e pequena diante da grandeza do amor de Deus.

Levada para a casa de seu pai teve um paroxismo tão forte que ficou sem sentido por quatro dias. Sua morte era esperada, tanto que se prepararam para o funeral, mas Sua Majestade a fez recuperar o sentido; então, imediatamente buscou a confissão e a comunhão. Naquela hora recebeu a graça de jamais deixar de confessar qualquer coisa que considerasse pecado, mesmo que fosse venial.

Pediu que a levassem de volta ao mosteiro, mesmo naquele estado: pior que um morto. Tendo melhorado, ficou paralítica por longo tempo, mas grande era sua conformidade com a vontade de Deus, que suportava todo o sofrimento com alegria. Queria muito ser curada para melhor servir a Deus, contudo, o Senhor sabe o que é o melhor para cada um. Os médicos pouco podiam fazer.

Resolveu, então, pedir a S. José, o pai de Jesus. Recebeu a graça que tanto queria, mas isso não a fez perseverar no caminho. Deus dava a ela a graça de fazer o bem, mas o fazia com imperfeições e faltas. Recaiu na vaidade depois de tantas bênçãos recebidas. A mão de Deus continuava a lhe sustentar e fazer com que voltasse a se levantar.

“Busca-me em ti, não por fora…
para me achares ali, 
chama-me, que,  a qualquer hora, 
a ti virei sem demora…”

Reflexão

1. Encantou-se com a história da monja, mas isso não foi suficiente para levá-la a assumir sua vocação, pois tinha medo das renúncias e exigências da vida religiosa.  O encantamento pelo carisma do qual pertenço, me fez deixar tudo e assumir uma vocação. Hoje abraço esse chamado assumindo as dores do servir e das renúncias?

2. Toda enfermidade que sofreu foi para prová-la na paciência de tudo sofrer por amor.  Viu-se tão pequena e pecadora diante da misericórdia de Deus e Sua fidelidade àqueles que são escolhidos. O Senhor usou desta enfermidade para que ela O encontrasse dentro de si. Aceito as dores como caminho para o encontro íntimo com Deus, comigo mesmo e minhas misérias?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que, pela dor e pela enfermidade, encontrastes com amor  e a misericórdia de Cristo, fazei que eu, ao assumir o chamado de Deus, faça do sofrimento o caminho seguro para o encontro e pessoal  e íntimo com  Cristo. Amém.          

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

3º Dia – Batalha entre Deus e o mundo

É importante para as almas entenderem que quando se inicia uma vida de oração é preciso se desapegar de toda espécie de prazer, e entrar num caminho voltado somente para ajudar Cristo a carregar a Sua cruz, apenas como um bom cavaleiro, sem pagamento algum, apenas pelo prazer de servir o seu Rei. É fundamental seguir com determinação e sem querer consolações; o caminho é a cruz: “toma a tua cruz e segue-me”. 

Santa Teresa travou uma grande batalha entre lidar com Deus e lidar com o mundo. Não se rejubilava em Deus, nem se alegrava no mundo. Somente com as misericórdias de Deus é que teve ânimo para orar. Dos vinte e oito anos de oração, passou mais de dezoito nessa luta. 

Sua alma, já cansada, entrou um dia no oratório, viu a imagem de um Cristo com grandes chagas que inspirava tamanha devoção, que ela ficou extremamente perturbada, visto que a imagem representava bem o que Jesus passou por nós. Foi tão grande o sentimento de ter sido mal–agradecida àquelas chagas que o seu coração quase partiu. Imediatamente lançou-se aos Seus pés, em lágrimas, suplicou que a fortalecesse para que não O ofendesse mais.

Naquele momento depositou toda a sua confiança em Deus. Em oração se esforçava por representar Cristo dentro de si e se sentia melhor nas passagens onde O via mais sozinho. Na oração do Horto, fazia-Lhe companhia; ficava pensando no suor e na aflição que sofrera, desejando se possível for, enxugar-Lhe o suor tão doloroso. Mas, não ousava fazer, pois vinham em sua mente os pecados cometidos. Por longos anos, quase todas as noites, antes de dormir, ao se encomendar a Deus, pensava na oração do Horto, pois era um costume que adquiriu antes mesmo de ser monja.  

Santa Teresa pediu a Sua Majestade um remédio para viver sem muito sobressalto nessa guerra tão perigosa. Disse Ele ser o amor e o temor, pois o amor nos fará apressar o passo e o temor nos levará a nos atentar por onde colocamos nossos pés, para que não caiamos em uma trilha tão pedregosa, assim não seremos enganados. Dizia às suas filhas espirituais que, quem ama genuinamente a Deus não pode amar a vaidade, a riqueza, as coisas do mundo, os deleites, as honras ou ter contendas ou inveja. Tudo porque a única coisa que devemos pretender é contentar o Amado, desejando ardentemente ser amado por Ele, empenhando a vida em atender como agradá-Lo mais. 

“Ditoso o coração enamorado
Que só em Deus coloca o pensamento;
Por ele renuncia a todo criado,
Nele acha glória, paz, contentamento…”

Reflexão

1. Santa Teresa passou longos anos de sua vida travando uma luta entre Deus e o mundo. Pela misericórdia de Deus não se afastou da vida de oração, mas encontrou nela forças para renunciar ao mundo e ajudar Cristo a carregar a Sua cruz. A minha oração me impulsiona a dizer sim a Deus, colocando-me a serviço de Cristo sem nada esperar, pelo simples prazer de servir?

2. A experiência com Jesus crucificado e Suas chagas fez Santa Teresa experimentar toda dor da Paixão de Cristo e Sua solidão. Nesse momento, entendeu a dimensão do amor perfeito e pleno, e o quanto precisa lutar para amar genuinamente a Deus e não o que dá prazer à carne. Ao olhar para Jesus crucificado, contemplando a Sua dor, vejo a necessidade que tenho de ser inteiro em Cristo?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que lutastes para ser serva de um único Rei, Jesus Cristo, fazei com que eu, contemplando a Paixão de Jesus, experimente o verdadeiro amor que nasce do Seu Sagrado Coração e das Suas chagas,  e viva em plenitude a minha consagração. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

4º Dia – Cruz, sinal do amor a Deus

Em suas orações o Senhor lhe concedia a graça de vê-Lo, de ouvir a Sua voz. Aparecia-lhe de várias formas, dependendo do modo que se encontrava. Quando passava por tribulações, para revigorá-la, mostrava-Se com as chagas, na Cruz ou no Horto.

A Sua Majestade concedia à Santa visões celestiais que não eram bem interpretadas por alguns mestres, por isso, davam-lhe mal conselho. Por pensarem que fosse obra do demônio e para livrá-la do mal, ordenavam-lhe que fizesse figa, o sinal-da-cruz e se opusesse à cruz. Obedecia, mas era um grande sofrimento para ela. Para não fazer o sinal-da-cruz a todo tempo, segurava na mão a cruz do rosário.

Certo dia, estando com ela na mão, o Senhor a tomou em Suas mãos e quando lhe devolveu estava formada por quatro pedras grandes muito mais preciosas que diamantes. As cinco chagas estavam formosamente cravejadas na cruz.  Assim o Senhor lhe pediu que sempre visse a cruz: no lugar da madeira as pedras. Esta visão só ela tinha.

Dizia às suas filhas que o Senhor quer levar como almas fortes àqueles que buscam a contemplação, dando a eles a cruz que Sua Majestade sempre teve. A cruz que não é leve, e se soubessem o caminho e maneiras pelos quais Deus lhes dá essa cruz se espantariam; muitos não suportariam os sofrimentos dados se não fossem as consolações recebidas.

É absurdo crer que o Senhor admita ter como amigos íntimos pessoas comodistas e que não sofrem. Os caminhos dos contemplativos são ásperos, cheios de irregularidades, fazendo-os por vezes pensar que se perdem e que devem recomeçar a percorrer os trechos já percorridos, sendo necessário que Ele os dê mantimentos; não água, mas vinho, pois embriagados não se atentem por aquilo que passam e suportem as dores.

Para Santa Teresa, a tarefa dela e de suas monjas é de se apegar à cruz que o Esposo tomou sobre si. Aquela que mais puder padecer, que padeça mais por Ele e será a que melhor se libertará.  O maior favor que o Senhor pode lhes dar é uma vida que imita a vida de Seu Filho tão amado. As graças recebidas visa fortalecer as suas fraquezas, assim poderão imitá-Lo no sofrimento. 

“O consolo está, e a vida, 
Só na cruz;
E ao Céu é a única senda 
Que conduz.”

Reflexão

1. Santa Teresa diz que o caminho para aqueles que buscam a contemplação é a cruz, pois por ela se experimenta a dor, o sofrimento, a renúncia, mas ao mesmo tempo o consolo de Deus. O caminho que percorro na minha consagração tem sido marcado pela dor e sofrimento que emanam da cruz de Cristo?

2. A tarefa de Santa Teresa e de suas monjas é de se apegar à cruz que o Esposo tomou sobre Si, para que suas vidas sejam uma imitação da vida de Cristo.  A cruz que carrego hoje me leva à identificação com Cristo, com Sua dor e o abandono na vontade de Deus?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que vencestes os prazeres da carne para assumir a cruz de Cristo, as Suas dores e os Seus sofrimentos, fazei que eu abrace com amor e determinação a cruz, que é o caminho para a glória e a estrada para o céu. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

5º Dia – Pobreza

O Senhor já lhe dera o desejo de pobreza, desejo de, mesmo no seu estado, pedir esmola por amor a Deus, de não ter casa ou qualquer outra coisa. Mas pensava que talvez as monjas não tivessem esse mesmo desejo. Muita coisa ouvia sobre esse assunto e inquietava o seu coração. Um dia estando em oração, ao olhar Cristo na cruz tão pobre e desnudo, não suportou a ideia da riqueza.

Suplicava-Lhe em lágrimas que fizesse as coisas de maneira que viesse a ser tão pobre quanto Ele. Insatisfeita com o voto de pobreza que se seguia no mosteiro, questionou algumas pessoas sobre qual seria a melhor forma para vivê-lo, mas não recebeu o apoio que desejava. Entregou o caso à Sua Majestade que lhe pediu para não deixar de estabelecer o mosteiro na pobreza, pois esta era vontade de Seu Pai e Sua, e que lhe ajudaria.

Muitas monjas temiam passar fome, por isso, ensinava que viver a pobreza é ter a certeza que nada vai lhes faltar, que o sustento vem do Senhor, e que Ele dará o próprio alimento. Assim, que não se preocupassem com a renda e com o alimento, mas deixassem isso com o Senhor dos ricos e da riqueza. Estava certa que a promessa de Deus, feita um dia a ela, não deixaria de ser cumprida. 

Conceituava que a pobreza é um bem que traz em si todos os bens do mundo; uma grande soberania. Dizia que quem deseja honra tem interesse por rendas ou dinheiro; mas quem é pobre, mesmo que mereça honra para si, é pouco considerado. Suas casas eram pobres em tudo e pequenas, assemelhando-se em algo no Rei que teve por casa apenas o presépio de Belém onde nasceu, e a cruz onde morreu.  

Considerava que além de se viver a pobreza material deveria se viver a pobreza espiritual. Nas horas de tribulação, de intranquilidade, nas perseguições, nos sofrimentos e nos tempos de aridez encontrava em Cristo o bom amigo, porque O via como Homem, permanecendo em sua companhia. Para ela o Senhor se viu privado de todo consolo, restando-lhe apenas os sofrimentos; não desejava, então deixá-Lo só, fazendo-O sofrer mais.

A verdadeira pobreza de espírito consiste em não buscar consolo nem prazer na oração, mas consolações nos sofrimentos, por amor Àquele que sempre viveu em meio a eles, e em ter paz nos sofrimentos e securas. Mesmo que sinta alguma coisa, a alma não deve se inquietar ou perturbar, como fazem certas pessoas que consideram tudo perdido se não tiverem sempre trabalhando com o intelecto e sentindo fervor.

“A pobreza é a estrela real
Que o Imperador celestial
Trilhou com todo o desvelo,
Monjas do Carmelo.”

Reflexão

1. Ao ver Cristo na cruz, pobre e desnudo, não suportou a ideia da riqueza, por isso, suplicou-Lhe que a ajudasse a viver a mesma pobreza de Cristo no Carmelo. Vivo a pobreza, o desprendimento dos bens materiais, confiando na providência divina?

2. A verdadeira pobreza espiritual, segundo Santa Teresa, consiste em encontrar em Deus a consolação nos sofrimentos, e em ter paz nos momentos de dores e securas. Nos momentos de sofrimentos, solidão, aridez, tribulações, busco o consolo em Deus encontrando em Cristo o verdadeiro e bom amigo?

Oração

Santa Teresa de Jesus, vós que vivestes a pobreza material e espiritual, encontrando em Sua Majestade o consolo e ajuda adequada nos momentos de sofrimento e aridez, fazei com que eu, livre de todos os bens terrenos e abraçando a cruz de Cristo, assuma a verdadeira pobreza que nasce do coração de Deus. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

6º Dia – O amor a Deus e aos irmãos

É extremamente importante o amor entre os irmãos, pois assim não haverá problema que não seja resolvido com facilidade. Se este mandamento fosse respeitado pelos homens muito favorecia a guarda do outro. Contudo, por excesso ou por falta, nunca se chega a guardá-lo com perfeição.

Santa Teresa trata o amor de duas maneiras: a primeira é espiritual e nada tem a ver com os sentidos, nem com a ternura da nossa natureza a ponto de ser privada de sua pureza; a segunda, também é espiritual, mas sendo acompanhada da nossa sensibilidade e da nossa fraqueza. Quem se deixa instruir pelo Senhor na oração ou a quem Ele deseja instruir, essa pessoa ama de modo distinto, diferente daquele que não chegou a esse ponto.

Dizia às suas filhas: não se contente em amar pelo corpo e por seus atrativos exteriores. Ame pelo fato de amar, sem se importar se serão amadas. Podendo ocorrer, a princípio, que se inclinem a gostarem de ser amadas, mas depois vão perceber que isso é um disparate, caso isso não traga proveito algum à alma, seja na doutrina ou na oração.

O amor verdadeiro para Santa Teresa é com mais paixão e mais proveitoso, pois as almas sempre cuidam mais em dar do que de receber, agindo assim mesmo diante do Criador. Quando amam alguém, as almas perfeitas têm desejo de que ele seja digno do amor de Deus, porque só assim podem continuar a amá-Lo. 

“Quanto mais se pratica o amor ao próximo, tanto mais se estará praticando amor a Deus. Isso porque é tão grande o amor que o Senhor nos tem que, para recompensar aquele que demonstramos pelo próximo, faz crescer por mil maneiras o amor que temos a Ele”.

“O amor que é mundano
Se apega a esta vida;
Mas o amor divino
À outra nos convida.
Sem ti, Deus eterno,
Quem pode viver?”

Reflexão

1. É extremamente importante amar uns aos outros, pois assim não haverá problema que não seja resolvido com facilidade, diz Santa Teresa. O amor que sinto pelos meus irmãos me leva a derrubar as barreiras da indiferença, do orgulho e do egoísmo?

2. Quanto mais se pratica o amor ao próximo, tanto mais se estará praticando o amor a Deus. Amar o outro sem nada desejar em troca. Como vivo esta realidade na minha vida fraterna e na missão?

Oração

Santa Teresa de Jesus, vós que vivestes o amor perfeito, que amastes o outro sem esperar ser amada ou receber algo em troca, fazei que eu me deixe ser instruída pela Sua Majestade para alcançar esse amor perfeito. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

7º Dia – Oração – encontro com o Amigo íntimo

Desde que entrara para o Carmelo sua saúde não foi muito estável, chegando quase à morte. Por 20 anos tinha vômitos pela manhã, sendo impedida de alimentar-se até o meio dia. Como comungava diariamente, durante à noite, provocava-o para que seu mal estar não fosse pior. Apesar de todos esses males era alegre, pois tinha a impressão de com isso estava a servir o Senhor de alguma maneira.

Para ela na doença e em situações difíceis, a alma que ama tem como verdadeira oração fazer a dádiva dos seus sofrimentos, lembrar daqueles por quem os padece, conformar-se com as suas dores. Trata-se, portanto, do exercício do amor, pois somos obrigados a orar quando temos momentos de solidão, porque se estes nos faltam, mesmo assim se pode orar. O Senhor nos tira o tempo da oração com sofrimentos, mas consegue-se obter lucros com esses momentos.

Santa Teresa nos ensina o caminho da oração. Este caminho começa por estar a sós, somente na companhia do próprio Mestre, pois Ele com amor e humildade é que nos ensina a orar. Para ela é preciso ter os nossos olhos nos Seus olhos, pois Ele está sempre a nos olhar, suportando as abominações que praticamos contra Ele.

Ela compara a cada uma de suas filhas a uma esposa bem casada que se mostra triste quando vê o esposo triste e alegre quando o vê alegre, mesmo que não esteja. Se estivermos alegres, vejamo-Lo ressuscitado, pois o simples imaginar que saiu do sepulcro nos alegrará. Se estivermos tristes, vejamo-Lo a caminho do Horto; pensemos na tamanha aflição de Sua alma.

Podemos vê-Lo atado às colunas, cheio de dores, com a carne feita em pedaços, sofrendo muito; perseguido por uns, cuspido por outros, renegados pelos amigos, desamparado por eles, sem ninguém que O defendesse, gelado de frio, posto em imensa solidão. Teresa pedia: contemplai o Senhor carregando a cruz, sem que O deixassem recobrar o fôlego; com os olhos cheios de lágrimas, esquecendo de Suas dores para consolar as nossas.

Ela chama suas filhas para carregar a cruz de Cristo, para que Ele não siga tão carregado, não se incomodando com os judeus que as atropelam; não se importando com o que dizem e fazendo-se de surdas aos murmúrios; tropeçando ou caindo com o Esposo não devem se afastar e nem deixar a cruz.

“Sem tal companhia
Vejo me cativo.
Sem ti, vida minha,
É morte o que eu vivo.”

Reflexão

1. Santa Teresa fez de sua oração um encontro pessoal e íntimo com Jesus, mergulhando em Suas alegria, dores e sofrimentos. Contemplando a vida, morte e ressurreição de Cristo, caminho para a união plena com o Amado, tornando-me um com Ele?

2. Santa Teresa fez da dor uma oração, conformando a sua vontade com a vontade de Deus, entendendo que mesmo naquela situação era chamada a servir. A minha oração é de um verdadeiro abandono à vontade de Deus, assumindo a vocação de serva de Sua Majestade, não parando nas minhas limitações e dores?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que fizestes da oração o caminho perfeito para viver a união plena com o Amado, fazei com que eu, por meio do encontro íntimo com Jesus, identificando-me com Suas dores e sofrimentos, abrace com amor a cruz que sou chamado a carregar, vivendo em plenitude a união espiritual com Cristo. Amém. 

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

8º Dia – Matrimônio Espiritual

Estando um dia no Convento da Encarnação, ao receber a comunhão, o padre João da Cruz, partiu a Hóstia para a outra irmã. Pensou ela que era por falta de Hóstia, mas ele queria mortificá-la, pois havia dito a ele, anteriormente, que gostava muito quando as Hóstias eram bem grandes. Ouviu naquele dia de Sua Majestade: “não tenhas medo, filha, que alguém tenha poder de afastar-te de Mim”.

O Senhor apresentou-se, no seu íntimo, dando-lhe a Sua mão direita dizendo: “Olha este prego, que é sinal de que serás Minha esposa de hoje em diante. Até agora não o tinhas merecido; doravante, defenderás Minha honra não só como Criador, como Rei e como teu Deus, mas como verdadeira esposa Minha: Minha honra é a tua, e a tua, Minha.”
Tamanha foi sua alegria que ficou como que desatinada e disse ao Senhor que ou aumentasse a sua baixeza ou não a concedesse tão infinita graça, pois certamente não lhe parecia que a sua natureza pudesse suportar.

No matrimônio espiritual a união secreta se passa no centro mais íntimo da alma, que deve ser onde está o próprio Deus. Não precisa de porta para entrar, porque em todas as graças, os sentidos e as faculdades parecem servir de intermediários, o mesmo devendo acontecer com esse aparecimento da Humanidade do Senhor. Ele aparece no centro da alma sem visão imaginária, mas intelectual, tal como surgiu aos Apóstolos, sem entrar pela porta, e lhes disse: “a paz esteja convosco”.

O Matrimônio espiritual é como se a água caísse do céu sobre um rio ou uma fonte, confundindo-se então todas as águas. Já não se sabe o que é água do rio ou água que cai do céu. “Quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito”, talvez São Paulo esteja se referindo a união da alma com o seu Esposo. Sem dúvida, a alma que se esvazia de tudo o que é criado e desapega-se dele por amor a Deus, o próprio Senhor a preenche de Si mesmo.

“Eis aqui meu coração:
Deponho-o na vossa palma;
Minhas entranhas, minha alma,
Meu corpo, vida e afeição.
Doce Esposo e Redenção,
A vós entregar-me vim:
Que mandais fazer de mim?

Reflexão

1. A alma que se esvazia de tudo que é criado e se desapega dele por amor a Deus é preenchida pelo seu Senhor, tornando-se uma com Ele. O que mais me impede hoje de viver essa união plena com o meu Amado?

2. Santa Teresa se tornava naquela Eucaristia uma só em Cristo. Sua alma, sua vida não mais pertencia a si mesma, mas era toda de Deus. Os passos que dou na vida consagrada estão me levando a ser inteira de Deus, estão me levando a viver esse matrimônio espiritual?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que lutastes contra o desejo da carne, contra vossos apegos para assim viver a união plena com o Amado, fazei que eu esvazie, a cada dia, a minha alma de tudo que é criado para que o meu coração seja preenchido somente pelo meu Senhor, tornando-me assim Sua Esposa. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

9º Dia – Maria, Mãe das Carmelitas

Um dia no mosteiro, conversando com outras monjas, nasceu a ideia de viverem segundo as regras primitivas do Carmelo. Resolveram colocar todos os planos e projetos nas mãos de Deus. Certa vez, após a comunhão, o Senhor lhe ordenou expressamente que se dedicasse a esse empreendimento com todas as suas forças, prometendo-lhe que o mosteiro não deixaria de ser feito e dizendo que ali seria muito bem servido. Este devia ser dedicado a S. José, pois este santo glorioso guardaria uma porta, Nossa Senhora, a outra, e Cristo andaria ao seu lado; e a casa seria uma estrela da qual sairia um grande resplendor.

Começou, então, a construção do mosteiro de S. José. Muitos foram os problemas, as tribulações e perseguições para que ela desistisse. Mas se manteve firme e em silêncio diante dos ataques; sempre esperando em Deus. Achava que aquele espaço não seria adequado, pensou em ampliá-lo, mas o Senhor não permitiu, pois queria que este fosse pequeno e que ali se vivesse a pobreza. 

No dia de Nossa Senhora da Assunção, considerando seus inúmeros pecados veio-lhe um arroubo imenso, sentou-se naquele momento e teve a impressão que alguém lhe cobria com uma roupa de grande brancura e esplendor. No início não via quem fazia isso, depois percebeu que era Nossa Senhora do seu lado direito e S. José, do esquerdo adornando-a com aquelas vestes, purificando-a dos seus pecados.

Maria dizia que se contentava em vê-la servindo ao glorioso S. José e que o mosteiro se faria de acordo com o seu desejo e que os dois seriam muito bem servidos ali. Pediu para que nada temesse, pois o seu Filho prometera andar ao seu lado.

 Até conseguir a licença para ir para o Mosteiro de S. José foram muitas batalhas travadas com o demônio que usava de todas as armas para combatê-la, mas sentiu consolada quando lá chegou. Numa festa da Assunção da Rainha dos Anjos e Senhora Nossa, o Senhor quis lhe fazer um favor apresentando-lhe a Sua subida ao céu, a alegria e a solenidade com que Ela foi recebida, bem como  o lugar onde está. O seu espírito teve enorme exultação ao contemplar a imensa glória. Isso fez com que santa Teresa desejasse cada vez mais suportar grandes sofrimentos e servir a essa Senhora, que tanto mereceu.

Sabia que era preciso confiar nos méritos de Jesus e de Sua Mãe para vencer as batalhas. Sentia-se muito indigna de vestir o hábito de Sua Mãe, mas pedia a todas as suas filhas que louvassem por ele, porque eram verdadeiramente filhas dessa Senhora. E que deviam sempre imitá-La e considerar a imensa grandeza dessa Senhora, bem como a vantagem de tê-la por padroeira; pois nem seus grandes pecados e o fato de ser como era podiam ofuscar minimamente essa sagrada Ordem.

“Seu Único Filho 
O Pai nos envia
Nasce hoje na lapa,
Da Virgem Maria.

Reflexão

1. Santa Teresa via Maria como mãe e protetora, pois em todos os momentos recorreu a Ela e foi prontamente atendida. Na minha vida de consagrado encontro em Maria a proteção, o consolo, a direção?

2. Santa Teresa pedia que suas monjas considerassem grande honra ter Nossa Senhora como padroeira e que, como filhas dessa boa Mãe, louvassem a Deus pelo hábito que traziam e que a imitassem sempre. Busco em Maria as virtudes necessárias para bem servir Jesus Cristo?

Oração

Santa Teresa d’Ávila, vós que encontrastes em Maria a proteção, o consolo, o caminho que vos levaria a Jesus, fazei que eu, conduzido pelas mãos da Mãe da Luz da Vida, resplandeça a verdadeira luz que ilumina as trevas do mundo. Amém.

Pai Nosso, Ave Maria, Glória. 
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós.

Fonte: Luz da vida.

Publicado em Comunidade Católica Shalom.

Santa Teresa d’Ávila: A jornada espiritual e os sete estágios do Castelo Interior

A vida de Santa Teresa d’Ávila começou em Gotarrendura, uma pequena vila próxima a Ávila, Espanha, em 28 de março de 1515. Ela nasceu em uma família de ascendência judaica convertida ao catolicismo. Seu nome de nascimento era Teresa de Cepeda y Ahumada.

Desde cedo, Teresa demonstrou uma profunda devoção à fé católica. Seu pai, Alonso Sánchez de Cepeda, era um homem culto e amante da leitura, o que influenciou positivamente a educação de Teresa. Ela cresceu em um ambiente que valorizava a religião, e sua família incentivou seu crescimento espiritual.

No entanto, a juventude de Teresa não foi isenta de desafios. Aos 14 anos, ela perdeu sua mãe, Beatriz de Ahumada, o que a afetou profundamente. Aos 16 anos, ela foi enviada para o Convento das Irmãs Agostinianas de Santa Maria de Gracia, em Ávila, principalmente porque seu pai desejava que ela recebesse uma educação religiosa adequada. Teresa permaneceu no convento por cerca de um ano, mas sua saúde precária a levou de volta para casa.

Durante sua adolescência, Teresa gostava de ler histórias de santos e escrever cartas para suas amigas. Ela era uma jovem introspectiva e espiritualmente inclinada, e essas características se tornariam fundamentais em sua futura jornada como freira e mística.

Aos 20 anos, Teresa decidiu seguir sua vocação religiosa e ingressou no Convento das Carmelitas da Encarnação, em Ávila, marcando o início de sua vida como freira carmelita. Foi o começo de uma jornada espiritual que a levaria a se tornar uma das figuras mais importantes da história da Igreja Católica e da mística cristã.

Esses anos iniciais da vida de Santa Teresa d’Ávila foram marcados por sua devoção crescente e pela busca por um entendimento mais profundo de sua fé. Sua entrada no convento marcou o início de uma jornada espiritual extraordinária que impactaria não apenas sua vida, mas também na história da espiritualidade cristã.

A grande contribuição de Santa Teresa à Igreja Católica foi a reforma do Carmelo, esta reforma recebeu o nome de Carmelitas Descalças, um movimento que buscava restaurar o rigor monástico e a simplicidade na vida das freiras carmelitas. Ela acreditava que a vida monástica deveria ser uma busca intensa e apaixonada por Deus. Em 1562, Santa Teresa fundou o Convento de São José em Ávila, que foi o primeiro de muitos conventos carmelitas reformados que ela estabeleceu.

Além de sua atividade na reforma do Carmelo, Santa Teresa foi uma prolífica escritora. Suas obras mais famosas incluem “O Livro da Vida” e “Caminho de Perfeição”. Ela escreveu sobre suas experiências místicas, suas visões e sua busca por uma união profunda com Deus. Suas escritas são valorizadas até hoje por sua profundidade espiritual e estilo literário.

Santa Teresa d’Ávila também foi uma grande defensora da oração contemplativa e do recolhimento espiritual. Ela descreveu o estado de êxtase místico, no qual a alma se sente unida a Deus de maneira indescritível, como uma das experiências mais elevadas da vida espiritual.

O livro “Castelo Interior,” também conhecido como “As Moradas” (ou “Las Moradas” em espanhol), é uma das obras mais conhecidas de Santa Teresa d’Ávila. O ensinamento principal deste livro é a descrição da jornada espiritual e o caminho em direção à união com Deus. É uma obra que explora profundamente a vida interior e a busca pela contemplação divina.

O livro compara a alma humana a um castelo com sete moradas, cada uma representando um estágio diferente na busca espiritual. O objetivo final é alcançar a união íntima com Deus, que é representado como o centro do castelo, a morada mais interna.

Os ensinamentos fundamentais do “Castelo Interior” incluem:

  • A importância da oração e da contemplação: Santa Teresa enfatiza a necessidade de uma vida de oração profunda e íntima como o meio pelo qual a alma pode progredir em direção a Deus.
  • A jornada interior: O livro descreve as diferentes etapas da jornada espiritual, desde o início, quando a alma está distante de Deus, até a culminação na união mística.
  • A purificação da alma: Santa Teresa destaca a importância da purificação da alma de todas as impurezas e apegos mundanos como parte essencial do processo espiritual.
  • O papel da graça divina: Ela enfatiza que a progressão na jornada espiritual depende da graça de Deus e da disposição da alma em abrir-se para essa graça.
  • A união mística: O objetivo final da jornada é a união mística com Deus, uma experiência profunda e indescritível de comunhão divina.

Como comentado, as sete moradas representam os diferentes estágios da jornada espiritual em direção à união com Deus. Cada morada descreve um nível específico do progresso espiritual. Aqui estão as sete moradas:

  1. Primeira Morada: Neste estágio inicial, a alma começa a despertar para a vida espiritual, muitas vezes após uma conversão ou um despertar espiritual. Ela começa a perceber a importância da oração e da busca por Deus, mas ainda está fortemente ligada às preocupações mundanas.
  2. Segunda Morada: Na segunda morada, a alma experimenta um desejo mais profundo de comunhão com Deus e começa a se dedicar mais à oração e à vida espiritual. Ela começa a enfrentar os desafios da vida interior, como a luta contra as distrações na oração.
  3. Terceira Morada: Neste estágio, a alma progride ainda mais em sua busca por Deus. Ela começa a experimentar momentos de consolação divina, momentos de profunda alegria e presença de Deus em sua vida. No entanto, essas experiências podem ser intercaladas com períodos de aridez espiritual.
  4. Quarta Morada: Na quarta morada, a alma experimenta uma intensificação das experiências místicas e um desejo ardente de se entregar completamente a Deus. Ela se torna mais consciente de suas fraquezas e pecados e busca a purificação interior.
  5. Quinta Morada: Neste estágio, a alma experimenta uma profunda união com Deus, frequentemente descrita como um “êxtase místico”. Ela está mais centrada em Deus do que em si mesma e está disposta a fazer grandes sacrifícios para alcançar uma comunhão mais profunda.
  6. Sexta Morada: Na sexta morada, a alma atinge uma união quase constante com Deus. Ela está em um estado de amor divino e entrega completa. A luta contra o ego e as preocupações mundanas continua, mas a alma está cada vez mais imersa na presença divina.
  7. Sétima Morada: A sétima morada é o estágio mais elevado da jornada espiritual, onde a alma atinge a união completa e permanente com Deus. Neste estágio, a alma está completamente transformada pela graça divina e vive em profunda comunhão com Deus.

É importante notar que Santa Teresa enfatiza que essa jornada espiritual não é linear, e as almas podem avançar e retroceder nos estágios, dependendo da graça divina e da busca contínua. Cada morada representa um estágio de progresso na vida espiritual, e nosso objetivo é a união com Deus na sétima morada.

Que possamos pedir a Deus a graça para caminhar firmemente em direção à morada final, onde nosso Senhor residirá no centro de nossa alma, e nós, livres das amarras do mundo, poderemos verdadeiramente louvar e agradecer por termos um Pai como Ele.

Por fim, compartilhamos a linha poesia de Santa Tereza: “Vossa sou, para Vós nasci”:

Vossa sou, para Vós nasci

Vossa sou, para Vós nasci,
Que quereis fazer de mim?

Soberana Majestade,
Eterna Sabedoria,
Bondade tão boa para a minha alma,
Vós, Deus, Alteza, Ser Único, Bondade,
Olhai para a minha baixeza,
Para mim que hoje Vos canto o meu amor.
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, pois me resgatastes,
Vossa, pois me suportais,
Vossa, pois me chamastes,
Vossa, pois me esperais,
Vossa pois não estou perdida,
Que quereis fazer de mim?

Que quereis então, Senhor tão bom,
Que faça tão vil servidor?
Que missão destes a este escravo pecador?

Eis-me aqui, meu doce amor,
Meu doce amor, eis-me aqui.
Que quereis fazer de mim?

Eis o meu coração,
Que coloco em vossas mãos,
Com o meu corpo, minha vida, minha alma,
Minhas entranhas e todo o meu amor.
Doce Esposo, meu Redentor,
Para ser vossa me ofereci,
Que quereis fazer de mim?

Dai-me a morte, dai-me a vida,
A saúde ou a doença
Dai-me honra ou desonra,
A guerra, ou a maior paz,
A fraqueza ou a paz plena,
A tudo isso, digo sim:
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, para Vós nasci,
Que quereis fazer de mim?

Publicado em Paróquia São Pedro e São Paulo.

Imagem: Wikipédia.

Memória de Santa Teresa de Jesus: 15 de Outubro

Santa Teresa de Ávila (Santa Teresa de Jesus) foi uma grande expoente da Teologia Mística durante a Idade Moderna. Suas obras foram imprescindíveis para o desenvolvimento de uma perspectiva mais cristológica acerca da espiritualidade prática. Podemos dizer que a obra de Teresa apresenta uma verdadeira “pedagogia do amor”, pois se propõe a promover uma reflexão holística concernente aos valores, virtudes, hábitos e práticas necessárias para o crescimento na caridade cristã e na jornada de união afetiva com Deus. 

Uma das características mais marcantes nos escritos teresianos é a espontaneidade com que a santa discorre sobre determinado assunto, sobretudo por meio de digressões e de uma linguagem essencialmente poética e metafórica. Sendo assim, Teresa de Jesus não é sistemática, mas mantém uma coerência nítida ao longo de suas obras. “Com estilo próprio, singular, a escrita de Teresa dialoga com o leitor, provocando interação, sendo atraente e, ao mesmo tempo, instigante (…)” (PRATES, 2016, p.54).

Ela se dirige também a nós como estivesse conosco face a face, e se monstra descontraída fazendo confidências pessoais. Desviando-se do tema sempre de novo, ela volta e meia cai em si ( e pergunta: “onde é que eu estava mesmo? Oh! Sim…) e volta ao tema principal, retomando o fio da meada. Eis aí algo enlouquecedor e agradável ao mesmo tempo, pois as divagações da Santa são, com frequência, seus parágrafos mais apaixonantes e importantes (…) Pelo fato de ela nos falar com tanta intimidade e de se entusiasmar tantas vezes, os escritos teresianos nem sempre são sistemáticos.BIELECKI, 2000, p.29. 

Vida de Santa Teresa

Teresa nasceu no ano de 1515, na província de Ávila, no Reino de Castela, Espanha. Desde criança, nutria uma profunda admiração pela vida cristã e pelos preceitos da espiritualidade centrada na piedade prática. Gostava de brincar de “fundar mosteiros”. Quando pequena, chegou a fugir de casa, com o irmão, para entregar-se ao martírio nas mãos dos mouros. Entretanto, felizmente, chegou a ser resgata pelo tio.

Ainda com 14 anos, sua mãe morreu e seu pai a colocou num mosteiro. Com 20 anos, tomou uma decisão inexorável: fugir para o Convento das Carmelitas (Mosteiro da Encarnação em Ávila), com o intuito de seguir de forma categórica os preceitos da vida religiosa, mesmo contra a vontade do pai. 

Em 1535 Teresa foge da casa paterna e entra no Mosteiro da Encarnação em Ávila. Vive vinte e sete anos (dos 20 aos 47 anos) no Mosteiro Carmelita da Encarnação. Com breves ausências em função de sua doença. Este mosteiro era uma comunidade monástica numerosa: em torno de duzentas pessoas entre religiosas e familiares residentes. Foram anos de formação. Foi neste mosteiro que aconteceu a segunda conversão de Teresa e sua iniciação na vida mística. Neste período, igualmente já havia projetos de nova fundação. Mas tarde regressará como priora da comunidade (entre os anos de 1571-1574).CARLI, 2017, p. 03.

Depois de se recuperar de uma doença grave, decidiu iniciar um projeto de reforma da Ordem das Carmelitas. Fundou o Carmelo São José de Ávila. Frisou a centralidade cristológica na vida espiritual, a contemplação interior, a eminência da oração e a concentração espiritual. Por meio de seus escritos, a fama de Teresa cresceu imensamente e ela chegou a se associar com um dos maiores expoentes da mística teológica, a saber: São João da Cruz.

Devido à profundidade de seus escritos, Santa Teresa de Ávila é considerada uma “Doutora da Igreja” e suas obras representam clássicos da literatura espanhola. Pela sua grande sabedoria e inteligência, Santa Teresa é padroeira dos professore e invocada frequentemente pelos que sofrem com ansiedade, medo, tristeza e insegurança. 

Ensinamentos práticos de Santa Teresa de Jesus 

  • “Por isso vos digo, filhas, que devemos pôr os olhos em Cristo, nosso bem, e em seus santos, e dali depreenderemos a humildade, e o entendimento há de enobrecer, e o conhecimento de nós mesmas não será rasteiro ou covarde; que, embora esta seja a primeira morada é extremamente rica e de tão grande valor que quem conseguir se livrar de seus parasitas não deixará de seguir adiante. São terríveis os ardis e manhas do demônio para que as almas não se conheçam nem compreendam seus caminhos (…) E a mim parece que jamais chegaremos a conhecer a nós mesmas se não procurarmos conhecer a Deus; contemplando Sua  pureza, veremos nossa sujeira; considerando Sua humildade, veremos o quanto estamos longe de ser humildes”. (TERESA DE JESUS, 2014, p.26-27).
  • “Antes de falar do interior, isto é, da oração propriamente dita, direi algumas coisas que quem pretende seguir o caminho de oração precisa ter, coisas tão necessárias que as que as seguirem, mesmo não sendo muito contemplativas, poderão avançar muito no caminho do Senhor; é impossível, não as seguindo, ser muito contemplativa, e quem pensar que o é estará muito enganado (…) Não penseis, amigas e irmãs minhas, que vos encarregarei de muitas coisas (…). Só me alongarei em falar de três (…), porque é muito importante percebermos o grande proveito de guardar essas coisas para ter a paz interior e exterior que o Senhor tanto nos encomendou. A primeira é o amor de umas para com as outras (amor unas con otras); a segunda, o desapego de todo o criado (desasimiento de todo lo criado); a terceira, a verdadeira humildade (verdadera humildad) – que, embora tratada por último, é a principal, abarcando todas”. (TERESA DE JESUS, 2001, p.311-312).
  • “Digo, tudo depende do desapego, porque se nenhum caso fizermos de todo o criado e abraçarmos somente o Criador, Sua Majestade nos irá infundir na alma as virtudes infusas(…) olhos fitos em Vosso Esposo”. (TERESA DE JESUS, 2001, p. 325-326).
  • “(…) por que razão Nosso Senhor tão amigo desta virtude da humildade e logo se pôs diante, (…) isto; porque Deus é a suma Verdade, e a humildade é andar na Verdade” (TERESA DE JESUS, 2001, Castelo Interior, VI 10,7-8). 
  • “o que entendo é que o alicerce da oração tem como base a humildade e que, quanto mais se humilha na oração, tanto mais a alma é elevada por Deus”. (TERESA DE JESUS, 2001, P.146).
  • “Aprendemos a contradizer em tudo a própria vontade. Se empregardes nisto toda diligência, a pouco e pouco estareis no cume sem saber como”. (TERESA DE JESUS, 2001, Caminho de perfeição, Capítulo XII, 3).
  • “Acreditai-me e não vos deixeis enganar por ninguém que vos mostre um caminho que não seja o da oração.”. (Caminho de Perfeição, XXI, 6).
  • “Em tempos de tristeza e inquietação, não abandones nem as boas obras de oração nem a penitência a que estás habituada. Antes, intensifica-as. E verás com que prontidão o Senhor te sustentará.”.
  • “São felizes as vidas que se consumirem no serviço da Igreja.”.
  • “Uma prova de que Deus esteja conosco não é o fato de que não venhamos a cair, mas que nos levantamos depois de cada queda.”.
  • “…não é outra coisa a oração mental, ao meu ver, se não um trato de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama”. (Livro da vida, cap. 8, 4-5).
  • “A meu ver a oração não é outra coisa senão tratar intimamente com aquele que sabemos que nos ama, e estar muitas vezes conversando a sós com ele”. (Livro da vida 8, 5). 
  • “Não te perturbe, nada te amedronte. Tudo passa, a paciência tudo alcança. A quem tem Deus nada falta. Só Deus basta”.

Material complementar 

BARBOSA, L.I. De amor e de dor: a experiência mística de Santa Teresa de Ávila. 2006. 107f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais. 

BIELECKI, T. Teresa de Ávila: uma introdução à sua vida e escritos. São Paulo, SP: Vozes, 2000. 

BORGES, C.M. Santa Teresa e a Espiritualidade Mística: a circulação de um ideário religioso no mundo Atlântico. In: Congresso Internacional de História Espaço Atlântico de Antigo Regime, 2005, Lisboa. Espaço Atlântico de Antigo Regime. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2005, p.01-10.

CARLI, V.B.A. A vida de oração de Santa Teresa de Ávila como exemplo para vencer as fronteiras da fé. In: Seminário Internacional de Antropologia Teológica: Pessoa e Comunidade em Edith Stein, 2017, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2017, p.01-08.

GUTIÉRREZ, J.L.R. A Filosofia Mística de Teresa de Ávila. Revista Caminhando. Volume 8, n.1 [11], p.127-157, 2003. 

PRATES, A.E. Imaginação material e mística: traços dos quatro elementos naturais presentes na obra Castelo Interior de Santa Teresa de Ávila. 2016. 184f. Tese de Doutorado em Ciências da Religião. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.

TERESA DE JESUS. Escritos completos de Teresa de Ávila. São Paulo, SP: Loyola, 2001. 

______. O Livro da Vida. 7.ed. São Paulo, SP: Editora Paulus, 1983.

______. Obras completas Teresa de Jesus. 2.ed. São Paulo, SP: Loyola, 2002.

______. O Caminho de perfeição. 8.ed. São Paulo, SP: Editora Paulus, 1982. 

______. Castelo Interior ou Moradas. 9.ed. São Paulo, SP: Editora Paulus, 1980. 

VAZ, H.C.L; Experiência Mística e Filosofia na tradição ocidental. São Paulo, SP: Loyola, 2000.

___________________________________
Por Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

Publicado em Fala! Universidades.

Assista o vídeoNada te perturbe“, breve oração composta por Santa Teresa de Ávila, em forma de canto, publicada em Santuário Nossa Senhora do Rosário de Fátima:

“Moradas da alma”: as etapas da vida mística segundo Santa Teresa

No final da sua viagem espiritual, Santa Teresa de Jesus escreveu o livro das Moradas, no qual compara a nossa alma – o lar de Deus – com um castelo. As primeiras moradas correspondem à entrada na vida espiritual e são o fundamento de todas as posteriores.

Santa Teresa de Jesus, também conhecida como Santa Teresa de Ávila, apoia-se principalmente em quatro citações bíblicas:

“Na casa do meu Pai há muitas moradas” (João 14,2) – esta passagem, segundo a santa, evoca o “castelo interior”.

“Quem me ama guardará a minha palavra; meu Pai o amará e viremos a ele e nele faremos a nossa morada” (João 14,23) – um resumo do itinerário espiritual que ela explica.

“Minhas delícias estão nos filhos dos homens” (Provérbios 8,31) – mostra que nós somos o paraíso de Deus.

“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1,26) – a mostra de que fomos criados para amar como Deus ama, porque Deus é amor. A vontade de Deus é que nós nos amemos como Ele nos ama.

A primeira morada é o portal de entrada na vida espiritual

Nós o cruzamos mediante a decisão de buscar a Deus em nós, apoiando-nos n’Ele, já que a pior das misérias, para Santa Teresa de Jesus, é viver sem Deus e até imaginar que podemos fazer o bem sem Deus.

Os quatro frutos da primeira morada, que amadurecerão ao longo do nosso caminho espiritual, são a liberdade, a humildade, o desprendimento e, acima de tudo, a caridade, que é o fim e a culminação.

A segunda, terceira e quarta moradas permitirão aprofundar na vida espiritual entendida como caminho rumo a Deus, como busca de Deus e participação progressiva na vida divina.

Este dom é gratuito, mas temos que estar determinados a recebê-lo e fazer desse recebimento o centro da nossa vida, purificando, assim, o lugar de nós onde habita Deus.

É Deus quem nos faz passar de uma morada à outra, quando quer e da forma que quer.

A segunda morada diz respeito à purificação da nossa relação com o mundo

A arma utilizada para triunfar aqui é a fé em Cristo e a confiança na Sua vinda para nos libertar (cf. Gálatas 5,1).

A terceira morada está ligada ao esclarecimento da relação com nós mesmos

Corremos o risco de ser como aquele jovem rico que teve um bom começo, mas que termina todo triste.

O desafio desta terceira morada é reconhecer-nos como um “servo qualquer”, que recebe tudo de Deus.

A quarta morada aprofunda a nossa relação com Deus

Uma grande paz vai se instaurando progressivamente nas profundidades da nossa alma. A confiança, a humildade e a gratidão são realidades que vão sendo vividas cada vez mais profundamente.

A entrada na quinta morada marca uma transição

Não passamos da quarta à quinta da mesma forma que tínhamos passado da segunda à terceira ou da terceira à quarta.

Consideramos a nossa vida não tanto como um caminho rumo a Deus, mas experimentamos Deus vivendo em nós, como explica a frase de São Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim!” (Gálatas 2,20).

O desejo de amar é mais intenso; ao receber uma vida nova, perdemos os nossos antigos pontos de referência e as nossas seguranças habituais.

A sexta morada consiste nos “compromissos espirituais”

Há uma alternância de sofrimentos ligados ao sentimento de ausência de Deus e a experiências muito profundas da presença de Cristo. Aqui intervém uma dilatação ainda mais profunda do coração e do desejo de Deus.

A arma utilizada aqui é sempre a volta à santa humanidade de Cristo: Jesus se une a nós em nossa debilidade humana para transformá-la, para revitalizar o nosso desejo de amar em comunhão com Ele.

A sétima morada, enfim, é o ponto de culminação definido pela união com Deus no “matrimônio espiritual”

Este matrimônio espiritual foi concedido a Santa Teresa de Jesus em 18 de novembro de 1572.

A união com Deus é uma participação profunda no desejo de Deus de salvar todas as pessoas.

Através do matrimônio espiritual, tudo fica transformado e se recebe um renovado desejo de viver assumindo a própria condição e os próprios compromissos terrenos de maneira ainda mais concreta e sem fugir da realidade.

Fonte: Aleteia

Publicado em Província Carmelitana Fluminense da Ordem do Carmo.

Leitura espiritual do poema “Nada te perturbe”

Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista “Teresa de Jesús”, n. 109

Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo…

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, “Louva, minh’alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome”.

Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe”…

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O “nada te perturbe” é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o “tu”. Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: “… filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe deem contento as minhas.” A Teresa, trata-a com o “tu” a voz interior: “Teresa, não tenhas medo”; “não te metas nisso”, etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do “tuteio”.

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: “tu, alma minha, por que estás triste?”

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do “castelo de sua alma”, não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: “Teresa, que nada te perturbe”.

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: “Não tenhas medo, Teresa”. Referendado pelo tremendo “Eu sou” da Bíblia. Exatamente estas três palavras: “Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei” (Vida 25,18).

Esse “não tenhas medo, filha” não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: “Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada… Oh, que bom Deus!” (ib).

Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: “a ti, leitor, que nada te perturbe”… ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe! ‘Eu sou’ está contigo!”

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso – nada te perturbe – é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: “Que o vosso coração não se perturbe” (Jo. 14,1).

O segundo verso – “nada te espante”: não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, “espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus” (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: “Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!” (Jo. 6,63).

O verso “tudo passa”, que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: “passa este mundo” (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: “céu e terra passarão” (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus – “minhas palavras não passarão” -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

“Deus não muda”. Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade (“ele é amigo verdadeiro”) contrasta com a versatilidade das amizades humanas: “Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais…, que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia” (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

“A paciência tudo alcança”… Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: “com vossa paciência possuireis vossa vida” (Lc. 21,19). O versículo final – “só Deus basta” – é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do “só Deus” de São Bernardo ou do irmão Rafael. “A sós com O só” será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: “nada lhe falta / só Deus basta”. Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: “tudo passa – tudo alcança”.

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos – nadas – só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: “Só Deus!” e ponto O “só Deus” e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.

Rose Lemos (Ordem Carmelita Descalça Secular – OCDS)

Publicado em Lugar de Partilha.

O castelo de nossas almas

Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa própria casa, não a encontraremos em casas alheias.

A analogia de Santa Teresa de Ávila, em suas “Moradas”, comparando a alma a um grande castelo, é uma dessas intuições geniais que se podem dizer, sem medo, inspiradas por Deus.

Quem nunca ficou admirado, ao tomar contato com imagens do passado, com os belíssimos castelos medievais, a majestosa arquitetura antiga, ou nunca se imaginou morando em um desses lugares fantásticos, cheios de longas escadarias e obras de arte portentosas? Pois bem, não é grande tolice que nos detenhamos a contemplar essas belas obras humanas ou que nos fixemos demasiadamente naquilo que é material e ignoremos o tão elevado castelo que é a nossa própria alma? Como indica a própria Teresa, “sabemos muito por alto que nossa alma existe, porque assim ouvimos dizer e a fé nos ensina”, mas raramente consideramos “as riquezas que há nesta alma, seu grande valor, quem nela habita”[1].

Em sua obra, Teresa convida suas irmãs carmelitas a adentrarem nos castelos de suas almas. Diferentemente dos castelos comuns, para os quais uma breve visita significaria ter de juntar altas somas de dinheiro, percorrer longas distâncias ou, talvez, até atravessar oceanos, para adentrar no castelo de nossas almas, podendo aí permanecer por muito tempo, basta colocar-se à porta: “Pelo que entendo, a porta para entrar neste castelo é a oração”[2]. Porém, ainda que seja simples entrar neste castelo, são poucos os que verdadeiramente abrem a sua porta e entram em si mesmos, por assim dizer.

Mas, por que entrar nesse castelo? Para quê, afinal? Primeiramente, para ganhar a salvação, pois “é desatino pensar que havemos de entrar no céu sem primeiro entrar em nós mesmos”[3]. Não à toa Santo Afonso de Ligório dizia que “quem reza, se salva; quem não reza, se condena”: o primeiro santuário no qual todo homem deve entrar é o de si mesmo; aí, além de sua miséria e de sua condição de criatura, ele encontrará o seu Criador, como aconteceu a Santo Agostinho: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”[4].

Depois, sem recolhermo-nos em nós mesmos, é impossível que nos santifiquemos. Infelizmente, tomados por uma mentalidade mesquinha, temos oferecido a Deus o nosso “mínimo”, muitas vezes “nos arrastando à força e cumprindo nossas obrigações somente para evitar pecados”[5]. Ao contrário, se quisermos de fato amar a Deus sobre todas as coisas e corresponder à “vocação universal à santidade”[6], devemos ser generosos, determinando-nos a conformar nossa vontade com a do Senhor e agradá-Lo em tudo.

Por fim, não pode haver verdadeira paz senão no interior: “Haverá maior mal do que não podermos estar em nossa própria casa? Se em nosso próprio lar não achamos sossego, que esperança teremos de encontrá-lo em casas alheias?”[7], pergunta Santa Teresa. Uma filha sua que experimentou a fundo essa verdade foi Santa Teresinha do Menino Jesus. Descrevendo a viagem que fez pela Europa, um ano antes de sua tomada de hábito, ela escreve:

“Durante toda a viagem, hospedamo-nos em hotéis principescos; jamais estive cercada de tanto luxo. É mesmo o caso de dizer que a riqueza não traz a felicidade, pois teria-me sentido mais feliz sob o teto de uma choupana e com a esperança do Carmelo, do que entre lambris dourados, escadas de mármore branco, tapetes de seda e com a amargura no coração… Ah! Eu bem o sentia: a alegria não se acha nos objetos que nos cercam; encontram-se no mais íntimo da alma, pode-se possuí-la do mesmo modo numa prisão ou num palácio. A prova é que sou mais feliz no Carmelo, mesmo no meio de provações interiores e exteriores, do que no mundo, cercada das comodidades da vida e, sobretudo, das ternuras do lar paterno!…”[8]

Como a Teresa do século XVI, a Teresa do século XIX tinha aprendido a grande lição: “Se não tivermos e não procurarmos a paz em nossa casa, não a encontraremos nas alheias”[9].

Referências

  1. Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 2. In: São Paulo: Paulus, 2014.
  2. Idem, Primeiras Moradas, capítulo 1, n. 7
  3. Idem, Segundas Moradas, n. 11
  4. Santo Agostinho. Confissões, Livro X, n. 38. In:20ª. ed. São Paulo: Paulus, 2008
  5. Castelo Interior, Quintas Moradas, capítulo 3, n. 6
  6. Cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen Gentium, 21 de novembro de 1964, n. 32
  7. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9
  8. Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma alma: Manuscrito A, 65r. In: Obras completas escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002
  9. Castelo Interior, Segundas Moradas, n. 9

Publicado em Equipe Christo Nihil Praeponere (Padre Paulo Ricardo).

Santa Teresa de Ávila [de Jesus] – Papa Bento XVI – Audiência Geral – Sala Paulo VI – 2011

PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI
Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2011

(…)

Santa Teresa de Ávila [de Jesus]

Prezados irmãos e irmãs!

Durante as Catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e de mulheres da Idade Média tive a oportunidade de meditar também sobre alguns Santos e Santas que foram proclamados Doutores da Igreja pela sua doutrina eminente. Hoje gostaria de começar uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja. E começo com uma santa que representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos: santa Teresa de Ávila [de Jesus].

Nasce em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na autobiografia ela menciona alguns pormenores da sua infância: o nascimento de «pais virtuosos e tementes a Deus», numa família numerosa, com nove irmãos e três irmãs. Ainda menina, com menos de 9 anos, tem a ocasião de ler as vidas de alguns mártires que lhe inspiram o desejo do martírio, a tal ponto que improvisa uma breve fuga de casa para morrer mártir e subir ao Céu (cf. Vida 1, 4); «Quero ver Deus», diz a pequena aos pais. Alguns anos depois, Teresa falará da suas leituras da infância e afirmará que nelas descobriu a verdade, que resume com dois princípios fundamentais: por um lado, «o facto de que tudo o que pertence ao mundo daqui, passa»; por outro, que só Deus é «para sempre», tema que retorna na celebérrima poesia «Nada te turbe / nada te espante; / tudo passa. Deus não muda; / a paciência obtém tudo; / quem possui Deus / nada lhe falta / só Deus basta!». Tendo ficado órfã de mãe com doze anos, pede à Virgem Santissima que lhe seja mãe (cf. Vida 1, 7).

Se na adolescência a leitura de livros profanos a tinha levado às distrações de uma vida mundana, a experiência como aluna das monjas agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura de livros espirituais, sobretudo clássicos de espiritualidade franciscana, ensinam-lhe o recolhimento e a oração. Com vinte anos entra no mosteiro carmelita da Encarnação, ainda em Ávila; na vida religiosa assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois adoece gravemente, a ponto de ficar 4 dias de coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Até na luta contra as próprias doenças a santa vê o combate contra as fraquezas e as resistências à chamada de Deus: «Eu desejava viver — escreve — porque entendia bem que não estava a viver, mas sim a lutar com uma sombra de morte, e não tinha alguém que me desse vida, e nem eu a podia tomar, e Aquele que ma podia dar tinha razão de não me socorrer, dado que muitas vezes me dirigira para Ele, e eu O tinha abandonado» (Vida 8, 2). Em 1543 perde a proximidade dos familiares: o pai falece e todos os seus irmãos emigram, um após o outro, para a América. Na Quaresma de 1554, com 39 anos, Teresa chega ao ápice da luta contra as próprias debilidades. A descoberta da imagem de «um Cristo muito chagado» marca profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que nesse período encontra profunda consonância com o santo Agostinho das Confissões, assim descreve o dia decisivo da sua experiência mística: «Acontece… que de repente tive a sensação da presença de Deus, que de nenhum modo eu podia duvidar que estava dentro de mim, e que eu estava totalmente absorvida nele» (Vida 10, 1).

Paralelamente ao amadurecimento da sua interioridade, a santa começa a desenvolver de modo concreto o ideal de reforma da Ordem carmelita: em 1562 funda em Ávila, com o apoio do Bispo da cidade, D. Alvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e pouco depois recebe também a aprovação do Superior-Geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes continua as fundações de novos Carmelos, 17 no total. É fundamental o encontro com são João da Cruz com quem, em 1568, constitui em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento de Carmelitas descalços. Em 1580 obtém de Roma a erecção a Província autónoma para os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem religiosa dos Carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena precisamente enquanto está empenhada na tarefa de fundação. Com efeito em 1582, depois de ter constituído o Carmelo de Burgos e enquanto voltava para Ávila, falece na noite de 15 de Outubro em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas expressões: «No fim, morro como filha da Igreja» e «Meu Esposo, chegou a hora de nos vermos». Uma existência consumida na Espanha, mas despendida pela Igreja inteira. Beatificata pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV, é proclamada «Doutora da Igreja» pelo Servo de Deus Paulo VI em 1970.

Teresa de Jesus não tinha uma formação acadêmica, mas sempre valorizou os ensinamentos de teólogos, letrados e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve àquilo que pessoalmente vivera ou vira na experiência do próximo (cf. Prólogo ao Caminho de Perfeição), isto é, a partir da experiência. Teresa consegue manter relações de amizade espiritual com muitos santos, em especial com são João da Cruz. Ao mesmo tempo, alimenta-se com a leitura dos Padres da Igreja, são Jerônimo, são Gregório Magno e santo Agostinho. Entre as suas principais obras deve-se recordar sobretudo a autobiografia, intitulada Livro da vida, ao qual ela chama Livro das Misericórdias do Senhor. Composta no Carmelo de Ávila em 1565, discorre sobre o percurso biográfico e espiritual, escrito como afirma a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do «Mestre dos espirituais», são João de Ávila. A finalidade é evidenciar a presença e a ação de Deus misericordioso na sua vida: por isso, a obra cita com frequência o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina, porque a santa não só narra, mas mostra que revive a profunda experiência da sua relação com Deus. Em 1566, Teresa escreve o Caminho de Perfeição, por ela chamado Admoestações e conselhos que Teresa dá de Jesus às suas monjas. Destinatárias são as doze noviças do Carmelo de são José em Ávila. Teresa propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais preciosos, o comentário ao Pai-Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de santa Teresa é o Castelo interior, escrito em 1577, em plena maturidade. Trata-se de uma releitura do próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, de uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espírito Santo. Teresa inspira-se na estrutura de um castelo com sete quartos, como imagem da interioridade do homem, introduzindo ao mesmo tempo o símbolo do bicho da seda que renasce como borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa inspira-se na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, para o símbolo final dos «dois Esposos», que lhe permite descrever no sétimo quarto o ápice da vida cristã nos seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua obra de fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o Livro das fundações, escrito de 1573 a 1582, em que fala da vida do grupo religioso nascente. Como na autobiografia, a narração visa frisar sobretudo a ação de Deus na obra de fundação dos novos mosteiros.

Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e minuciosa espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base de toda a vida cristã e humana: em especial, o desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer as virtudes humanas: a afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, santa Teresa propõe uma profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.

Depois, a santa realça como a oração é essencial; orar, diz, «significa frequentar com amizade, porque frequentamos face a face Aquele que sabemos que nos ama» (Vida 8, 5). A ideia de santa Teresa coincide com a definição que s. Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como «amicitia quaedam hominis ad Deum», um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II, 23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento da vida cristã: começa com a prece vocal, passa pela interiorização mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um desenvolvimento em que subir os degraus mais altos quer dizer deixar o precedente tipo de oração, mas é antes um aprofundar-se gradual da relação com Deus que envolve toda a vida. Mais do que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira «mistagogia»: ao leitor das suas obras ensina a rezar, orando ela mesma com ele; com efeito, frequentemente interrompe a narração ou a exposição para irromper em oração.

Outro tema amado pela santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Com efeito, para Teresa a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que culmina na união com Ele pela graça, amor e imitação. Daqui a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, pela vida de cada crente e como centro da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: manifesta um «sensus Ecclesiae» vivo diante dos episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem carmelita com a intenção de melhor servir e defender a «Santa Igreja Católica Romana», disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33, 5).

Um último aspecto essencial da doutrina teresiana, que gostaria de frisar, é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta final. A santa tem uma ideia muito clara da «plenitude» de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do Castelo interior, no último «quarto», Teresa descreve tal plenitude realizada na morada da Trindade, na união a Cristo através do mistério da sua humanidade.

Caros irmãos e irmãs, santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes carente de valores espirituais, santa Teresa ensina-nos a ser testemunhas indefessas* de Deus, da sua presença e ação, ensina-nos a sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com Ele e de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e que devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta santa, profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós deveriam dizer: «Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida». Por isso, o tempo da oração não é perdido, é tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos irmãos. Obrigado!


Saudação

Dou as boas vindas a todos os peregrinos de língua portuguesa, presentes nesta Audiência! Que o exemplo e a intercessão de Santa Teresa de Jesus vos ajudem a ser, através da oração e da caridade aos irmãos, testemunhas incansáveis de Deus em uma sociedade carente de valores espirituais. Com estes votos, de bom grado, a todos abençôo.

© Copyright 2011 – Libreria Editrice Vaticana

Publicado em vatican.va.

Nota: * laboriosas (lbn)