Meditar a Paixão de Cristo na Quaresma

“TENDO, POIS, CRISTO PADECIDO NA CARNE, ARMAI-VOS TAMBÉM VÓS DO MESMO PENSAMENTO.”

Christo igitur passo in carne, et vos cadem cogitatione armamini. (1Pd 4,1)

I — Se Cristo padeceu tanto na sua carne, não o fez porque sua carne tivesse necessidade disso, mas porque a tua tinha necessidade destes padecimentos. Ele foi puríssimo e perfeitíssimo. Nunca teve necessidade de subtrair de sua carne o mal; jamais teve necessidade de incitá-la ao bem. Padeceu pela tua carne, que tinha grandíssima necessidade desses padecimentos, porque é tão preguiçosa para o bem e sempre tão pronta para o mal. Pareceria, pois, que o Apóstolo deveria dizer: “Tendo Cristo padecido na carne, armai-vos também vós da mesma Paixão”. Porque, se Cristo se comportou tão severamente para com a sua carne, o que não deverias fazer tu contra a tua, que é tão inclinada ao mal? Mas o Apóstolo, que conhecia a nossa fraqueza, só disse: “Armai-vos também vós do mesmo pensamento”. Quer que, se não te armas da Paixão de Cristo, armes-te ao menos do pensamento de tal Paixão. Que desculpa poderias ter, se não te resolvesses nem mesmo a isso?

II — Esse armamento deve ser duplo. Defensivo e ofensivo.

    Defensivo, para rebater os assaltos da tua carne rebelde.

    Ofensivo, para assaltá-la, isto é, para mantê-la humilde, obediente, para jazer com que ela pague ao espírito aquele tributo que lhe convém.

    O pensamento da Paixão de Cristo te servirá, pois, antes de tudo como armadura, para rebateres virilmente os assaltos da carne. Todos ensinam que o mais eficaz remédio contra as tentações sensuais é pensar no que Cristo padeceu por nós. “Põe como escudo de seu coração o seu trabalho” (Lm 3,65). Como é possível que te ponhas a contemplar Cristo na Cruz, que o vejas despido, todo gotejante de sangue por tua causa, escarnecido, triturado, e penses ainda em dar ao teu corpo todas as delícias lícitas e ilícitas? Sentirás logo uma santa ira contra ti mesmo e quererás maltratar-te, castigar-te como convém. O que não é só defender-se da carne, mas fazer-lhe uma ofensiva. Nota, porém, que para isso não basta uma recordação, um pensamento superficial da Paixão de Cristo. É necessário um pensamento muito atento. ‘‘Tendo, pois, Cristo padecido na carne, armai-vos vós também do mesmo pensamento”. Com efeito, este pensamento é que é útil: o pensamento assíduo. Não digas que se tomam as armas quando se faz necessário, e depois se as depõem. Se a carne te faz guerra continuamente, ou está sempre disposta a mover-se, dize-me só em que tempo podes depor as armas contra ela?

IV — Para que o pensamento da Paixão te seja realmente útil, deves procurar sobretudo aprender com viveza Quem seja Aquele que sofreu por ti. Por isso, São Pedro diz: “Tendo, pois, Cristo padecido na carne”. Trata-se do Filho de Deus. Ainda que Ele não tivesse feito outra coisa pela tua salvação, o fato único de ter provado sobre a Cruz aquele fel amargo deveria ser suficiente para ti, pobre verme da terra, para que vivesses imerso num mar de amargura, por seu amor. Quando Tobias viu todos os benefícios que o companheiro de seu filho lhe tinha feito, pensou dar-lhe metade de todos os seus bens, em reconhecimento. Mas quando chegou a conhecer que se tratava de um Anjo do Céu, caiu por terra como aniquilado, na impossibilidade de exprimir de algum modo a sua admiração e a sua devoção. Tu também deves comover-te sem dúvida com o pensamento de quanto Jesus sofreu por ti na sua Paixão. Mas, quando te recordas que Quem sofreu tudo isso foi o Filho de Deus Eterno, que desceu do Céu à Terra, tens de ficar infinitamente comovido e pronto a qualquer momento também morrer por Ele. “Quem me concederá de morrer por ti?” (2Rs 18,33). Se o teu coração tem sensibilidade, por mínima que seja, não pode deixar de ficar profundamente comovido com a Paixão de Jesus. Então a tua carne retrocederá e começará a deixar de dar-te tanto trabalho: “Eu me lembrarei disto sem cessar e a minha alma definhará dentro de mim” (Lm 3,20). 

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** Da obrigatória obra do Venerável Padre Paulo Ségneri, “Maná da Alma”, vol. VII (São Paulo: Realeza, 2023) – para adquirir esta e outras obras com um desconto especial para leitores d’O Fiel Católico, acessar este link e usar o cupom OFielCatolico – (obs.: o vol. VII, do qual foi extraído o trecho aqui reproduzido, encontra-se em fase de revisão e será lançado nos próximos meses; os primeiros 4 volumes da coleção estão disponíveis na loja).

Publicado em O Fiel Católico.

Palavra de Vida: “Tende coragem! Eu venci o mundo.” (João 16,33).

Com essas palavras concluem-se os discursos de despedida dirigidos por Jesus aos discípulos na sua última ceia, antes de morrer. Foi um diálogo denso, em que revelou a realidade mais profunda do seu relacionamento com o Pai e da missão que este lhe confiou.

Jesus está prestes a deixar a terra e voltar ao Pai, enquanto que os discípulos permanecerão no mundo para continuar a sua obra. Também eles, como Jesus, serão odiados, perseguidos, até mesmo mortos (cf. Jo 15,18.20; 16,2). Sua missão será difícil, como foi a Dele: “No mundo tereis aflições”, como acabara de dizer (16,33).

Jesus fala aos apóstolos, reunidos ao seu redor para aquela última ceia, mas tem diante de si todas as gerações de discípulos que haveriam de segui-lo, inclusive nós.

É a pura verdade: entre as alegrias esparsas no nosso caminho não faltam as “aflições”: a incerteza do futuro, a precariedade do trabalho, a pobreza e as doenças, os sofrimentos causados pelas calamidades naturais e pelas guerras, a violência disseminada em casa e entre os povos. E existem ainda as aflições ligadas ao fato de alguém ser cristão: a luta diária para manter-se coerente com o Evangelho, a sensação de impotência diante de uma sociedade que parece indiferente à mensagem de Deus, a zombaria, o desprezo, quando não a perseguição aberta, por parte de quem não entende a Igreja ou a ela se opõe.

Jesus conhece as aflições, pois viveu-as em primeira pessoa. Mas diz:

“Tende coragem! Eu venci o mundo.” 

Essa afirmação, tão decidida e convicta, parece uma contradição. Como Jesus pode afirmar que venceu o mundo, quando pouco depois é preso, flagelado, condenado, morto da maneira mais cruel e vergonhosa? Mais do que ter vencido, Ele parece ter sido traído, rejeitado, reduzido a nada e, portanto, ter sido clamorosamente derrotado.

Em que consiste a sua vitória? Com certeza é na ressurreição: a morte não pode mantê-lo cativo. E a sua vitória é tão potente, que faz com que também nós participemos dela: Ele torna-se presente entre nós e nos leva consigo à vida plena, à nova criação.

Mas antes disso ainda, a sua vitória consistiu no ato de amar com aquele amor maior, de dar a vida por nós. É aí, na derrota, que Ele triunfa plenamente. Penetrando em cada canto da morte, libertou-nos de tudo o que nos oprime e transformou tudo o que temos de negativo, de escuridão e de dor, em um encontro com Ele, Deus, Amor, plenitude.

Cada vez que Paulo pensava na vitória de Jesus, parecia enlouquecer de alegria. Se é verdade, como ele dizia, que Jesus enfrentou todas as contrariedades, até a adversidade extrema da morte e as venceu, também é verdade que nós, com Ele e Nele, podemos vencer todo tipo de dificuldade. Mais ainda, graças ao seu amor somos “mais que vencedores”: “Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida […], nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está no Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,37; cf. 1Cor 15,57).

Então compreende-se o convite de Jesus a não ter medo de mais nada:

“Tende coragem! Eu venci o mundo.”

Essa frase de Jesus poderá nos infundir confiança e esperança. Por mais duras e difíceis que possam ser as circunstâncias em que nos encontramos, elas já foram vividas e superadas por Jesus.

É verdade que não temos a sua força interior, mas temos a presença Dele mesmo, que vive e luta conosco. “Se tu venceste o mundo” – diremos a Ele nas dificuldades, provações, tentações – “saberás vencer também esta minha ‘aflição’. Para mim, para todos nós, ela parece um obstáculo intransponível. Temos a impressão de não dar conta. Mas com tua presença entre nós encontraremos a coragem e a força, até chegarmos a ser ‘mais que vencedores’”.

Não é uma visão triunfalista da vida cristã, como se tudo fosse fácil e coisa já resolvida. Jesus é vitorioso justamente no drama do sofrimento, da injustiça, do abandono e da morte. A sua vitória é a de quem enfrenta a dor por amor, de quem acredita na vida após a morte.

Talvez também nós, como Jesus e como os mártires, tenhamos de esperar o Céu para ver a plena vitória sobre o mal. Muitas vezes temos receio de falar do Paraíso, como se esse pensamento fosse uma droga para não enfrentar com coragem as dificuldades, uma anestesia para suavizar os sofrimentos, uma desculpa para não lutar contra as injustiças. Ao contrário, a esperança do Céu e a fé na ressurreição são um poderoso impulso para enfrentar qualquer adversidade, para sustentar os outros nas provações, para acreditar que a palavra final é a do amor que venceu o ódio, da vida que derrotou a morte.

Portanto, em qualquer dificuldade, seja ela pessoal ou de outros, renovemos a confiança em Jesus, presente em nós e entre nós: Ele venceu o mundo e nos torna participantes da sua própria vitória, Ele nos escancara o Paraíso, para onde foi preparar-nos um lugar. Desse modo encontraremos a coragem para enfrentar toda provação. Seremos capazes de superar tudo, Naquele que nos dá a força.

Fabio Ciardi 

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Movimento dos Focolares/Brasil.

Publicado em I. Católica.

No Sagrado Coração, está ‘a imagem expressa do amor infinito de Jesus Cristo’

Detalhe de mosaico do Sagrado Coração de Jesus (Foto: Gera Juarez/Cathopic)

Nesta sexta-feira, 19, a Igreja celebra a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Embora sua devoção tenha se popularizado pelo mundo a partir do século XVII, sua origem se confunde com o a história do Cristianismo.

Sua fonte está nas Sagradas Escrituras, mais precisamente no Evangelho de São João, ao narrar quando o soldado transpassou o coração de Jesus crucificado com uma lança e dele jorraram sangue e água (cf. Jo 19,34).

Outro acontecimento bíblico é quando o próprio São João, o “discípulo amado”, reclina sua cabeça sobre o peito do Senhor, durante a última ceia (cf. Jo 13,23). Ao comentar essa cena, Santo Agostinho escreveu que, ao se recostar sobre o Mestre, João bebeu os “segredos sublimes das profundidades mais íntimas do Coração de Nosso Senhor”.

(…)

AO LONGO DOS SÉCULOS

A contemplação destas cenas alimentou a devoção dos primeiros cristãos, que buscavam no coração de Jesus a fonte para o verdadeiro amor de Deus, manifestado no Verbo encarnado.

São vários os santos que tiveram experiências místicas relacionadas ao Coração de Jesus: São Bernardo (1090-1153), São Boaventura (1221-1274) Santa Lutgarda (1182-1246), as santas irmãs Matilde (1241-1299) e Gertrudes (1256-1302), São Ludolfo de Saxônia (1300-1378) e Santa Catarina de Sena (1347-1380) foram alguns deles. 

Foi somente no século XVII que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus ganhou uma nova proporção, com a ajuda de dois santos: São Francisco de Sales (1567-1622) e São João Eudes (1601-1680).

O primeiro fundou, em 1610, a Ordem da Visitação, na qual imprimiu uma particular devoção ao “Coração do Redentor”, referindo-se às religiosas visitandinas como “filhas do Coração de Jesus”. O segundo, além de propagar esta devoção, compôs um Ofício e uma Missa em honra do Coração de Jesus, que foram celebradas pela primeira vez em localidades da França, em 1672.

Experiência de Santa Margarida Maria com o
Sagrado Coração de Jesus

SANTA MARGARIDA MARIA

No entanto, foi uma jovem religiosa da Ordem da Visitação a responsável pela maior propagação do culto ao Coração de Jesus. Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690) recebeu revelações particulares do próprio Jesus Cristo que, em uma das ocasiões, em 1673, pediu-lhe que, “na primeira sexta-feira depois da oitava de Corpus Christi, se celebre uma festa especial para honrar meu Coração, e que se comungue nesse dia para pedir perdão e reparar os ultrajes por ele recebidos durante o tempo que permaneceu exposto nos altares”.

A Santa relata que, em outra ocasião, Nosso Senhor, mostrando o seu coração transpassado, disse a ela:  “Eis o coração que tanto tem amado os homens […]. Prometo-te pela minha excessiva misericórdia, a todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, a graça da penitência final. Estes não morrerão em minha inimizade, nem sem receberem os sacramentos. O meu Sagrado Coração lhes será refugio seguro nessa última hora”.

Nessas revelações, Jesus deixou 12 promessas e pediu para que Santa Margarida difundisse essa devoção ao mundo inteiro (leia no box).

Em seus escritos, Santa Margarida Maria ressalta: “O maior testemunho de amor que podemos dar ao Sagrado Coração e a melhor reparação que lhe podemos oferecer é unirmo-nos a Ele, muitas vezes, pela comunhão sacramental e desejarmos ardentemente essa união pela comunhão espiritual”.

CULTO UNIVERSAL

Em 1856, o Papa Pio IX estendeu a festa do Sagrado Coração de Jesus a toda a Igreja. E, em 11 de junho 1899, o Papa Leão XIII consagrou o mundo ao Sagrado Coração de Jesus. Sua decisão foi motivada pelo testemunho de Santa Maria do Divino Coração (1863-1899), que também recebeu revelações interiores do Sagrado Coração de Jesus.

Nessa ocasião, Leão XIII afirmou: “No Sagrado Coração está o símbolo e a imagem expressa do amor infinito de Jesus Cristo, que nos leva a retribuir-lhe esse amor”.

Uma das grandes expressões mundiais da devoção ao Sagrado Coração de Jesus é o Apostolado da Oração, associação de fiéis fundada na França, em 1844, pelo jesuíta Padre Francisco Xavier Gautrelet.

A organização, também conhecida como Rede Mundial de Oração do Papa, tem como missão sensibilizar e mobilizar os cristãos e todas as pessoas de boa vontade, a partir da intimidade com Sagrado Coração de Jesus, a santificarem-se por meio da oração e do serviço pela humanidade e pela missão da igreja, especialmente pelas intenções do Pontífice. 

Papa Francisco venera imagem do Sagrado Coração de Jesus (Vatican Media)

DEIXAR-SE TRANSFORMAR

Em 1956, centenário da extensão da festa do Sagrado Coração de Jesus a toda a Igreja, o Papa Pio XII escreveu a Encíclica Haurietis aquas, na qual exortou os fiéis a abrirem-se ao mistério de Deus e do seu amor, deixando-se transformar por ele.

Ao se referir a esse documento, em 2006, o Papa emérito Bento XVI afirmou que o fundamento dessa devoção é o conteúdo de toda verdadeira espiritualidade e devoção cristãs. “De fato, ser cristão só é possível com o olhar dirigido para a Cruz de nosso Redentor, ‘para Aquele que transpassaram’.

Na audiência geral da quarta-feira, 17, o Papa Francisco destacou essa solenidade e afirmou que o coração humano e divino de Jesus, é a “fonte de onde sempre podemos haurir a misericórdia, o perdão, a ternura de Deus”.

“Podemos ir a esta fonte detendo-nos sobre uma passagem do Evangelho, sentindo que, no centro de todo gesto, de toda palavra de Jesus, está o amor, o amor do Pai. E podemos fazê-lo também adorando a Eucaristia, onde este amor está presente no sacramento”, disse o Pontífice, exortando, ainda, que ao contemplar o Sagrado Coração, “também o nosso coração, pouco a pouco, se tornará mais paciente, mais generoso, mais misericordioso”.

Promessas do Sagrado Coração de Jesus

  1. Eu lhes darei todas as graças necessárias para seu estado.
  2. Eu darei paz às suas famílias.
  3. Eu as consolarei em todas as suas aflições.
  4. Eu lhes serei um refúgio seguro durante a vida, e sobretudo na hora da morte.
  5. Eu lançarei abundantes bênçãos sobre todas as sua empresas.
  6. Os pecadores acharão, em meu coração, a fonte e o oceano infinito de misericórdia.
  7. As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas.
  8. As almas fervorosas se elevarão a uma grande perfeição.
  9. Eu mesmo abençoarei as casas onde se achar exposta e honrada a imagem do meu coração.
  10. Eu darei aos sacerdotes o poder de tocar os corações mais endurecidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão para sempre seu nome inscrito no meu coração.
  12. Darei a graça da penitência final e dos últimos sacramentos, aos que comungarem na primeira sexta-feira, durante nove meses seguidos.

Publicado em Semanário Oficial da Arquidiocese de São Paulo ( Por Fernando Geronazzo).

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