
“A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou.” (Gl 6,14)
Festa da Exaltação da Santa Cruz
Celebramos hoje uma festa muito importante no seguimento cristão: a EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ. Sempre tenho a maior alegria e o santo orgulho de relembrar a frase que marcou a minha infância e juventude, pelo zelo de meu querido pároco, que da visão beatífica do céu continua sendo um vivo exemplo de dignidade sacerdotal, Monsenhor Victor Arantes Vieira, que nos ensinou a viver diariamente: “Enquanto o mundo gira, a Cruz permanece de pé”. Cruz que representa a nossa fé. Cruz que simboliza a nossa doce salvação. Cruz que uniu o céu e a terra, a terra ao céu. Cruz que nos torna companheiros de Jesus no nosso itinerário de salvação. Cruz que simboliza o amor absoluto de um Deus Pai que envia seu Filho, em prova de absoluta doação, para nos amar e por amor morrer no Madeiro da Cruz.
Celebrar a Exaltação da Santa Cruz é relembrar que, na cruz e na doce entrega de Cristo, deve residir nossa força, porque a Cruz é fonte de vida e fonte de salvação. Não a cruz em si, mas todo o evento salvífico, que se iniciou na paixão, passou pela morte e culminou na ressurreição. Tudo isso é a motivação maior da nossa esperança e da nossa vida.
Irmãos e irmãs,
A origem da festa que celebramos hoje remonta à dedicação das basílicas do Gólgota e do Santo Sepulcro, constituídas pelo Imperador Constantino, em 13 de setembro de 335, sendo que no dia imediato se mostrava os restos da Santa Cruz.
A Celebração da Santa Cruz é a significativa e viva celebração de Nosso Senhor Jesus Cristo. É relembrar o evento da paixão, da morte e da ressurreição de Cristo, lembrando que celebramos a fonte de onde jorra a salvação para toda a humanidade. Significa celebrar o Cristo vitorioso sobre o pecado e a morte. Mais do que tudo isso, é celebrar a transfiguração do ser humano em Filho de Deus.
A celebração de hoje nos pede uma atitude dialética: sofrimento e triunfo, penitência e amor/reconciliação. Quando Jesus nos pede para que para segui-lo é mister abandonar a tudo, renunciar a si mesmo, tomar a sua Cruz e segui-Lo. É preciso ter presente sempre o sofrimento, a renúncia de seus próprios interesses em benefício de um projeto muito mais amplo, muito mais desafiador, um projeto de Igreja, um caminho de salvação. Caminhando com Cristo, carregamos com Ele a sua Cruz, as suas humilhações, os pesos físicos do próprio madeiramento, configurando-nos aos mistérios da Paixão do Senhor.
Por isso, a liturgia de hoje nos pede para nos configurarmos a Cristo, soframos com Cristo, carreguemos a Cruz com o Salvador, para que o nosso sofrimento, a nossa dor, se transforme em alegria, se transforme em festa, se transforme em vitória da graça contra o pecado. O sofrimento como meio de redenção em Cristo e o da glória como meta, sempre em Cristo, deve iluminar, por esta festa, todo o nosso agir e a nossa práxis de batizados.
Meus queridos irmãos,
Porque Jesus morreu na Cruz? Esse era, meus irmãos, o castigo mais atroz contra aqueles que eram considerados subversivos pelos romanos. A própria historiografia romana diz que a Cruz é o “máximo suplício”. Constantino, ao se fazer batizar em 315, aboliu a condenação pela Cruz.
Mas, a pergunta do significado da crucificação se faz necessária no dia de hoje. Quais, afinal, eram as razões para se crucificar alguém? A primeira para castigar o criminoso; a segunda para intimidar a outros crimes. Tudo isso tinha um ritual. As autoridades judiciárias escolhiam um lugar movimentado por onde aquele que seria crucificado iria passar rumo ao local adrede. A crucificação se fazia em lugar alto, de grande visibilidade, para servir de corretivo para a sociedade judaica, impondo ao alto do madeiro a motivação de sua condenação. Chegando ao lugar do suplício o condenado era despido e crucificado nu. Jesus, por ser judeu, dentro do costume daquele povo que se escandalizava fácil, teve como consolo uma tanga ao baixo-ventre. Depois de pregar o condenado na horizontal, a cruz era suspensa, de sorte que ficava alto para que todos pudessem assistir a condenação fatal.
Meus irmãos,
Ao comemorarmos neste dia o simbolismo da elevação na cruz, como elevação na glória, desenvolvido por São João no Evangelho, contemplamos a cruz de Cristo. Não o fazemos para recair no dolorismo de tempos idos, quando se pensava que quanto mais sofrimento, mas regalia no céu; ainda, que Jesus teve de sofrer na cruz para “pagar” a Deus. A liturgia de hoje nos ensina a olhar para a cruz com um novo sentido: como manifestação do próprio ser de Deus, que é um Deus Amor. A Cruz não é um instrumento de suplício que o Pai aplica a seu Filho – por nossa culpa -, mas o sinal do quanto o Pai e o Filho nos amam – o Filho instruído pelo Pai. Nada de sádica exigência de sangue, só amor, até o FIM.
A primeira leitura (Números 21,4-9) da celebração da Missa nos ensina o simbolismo prefigurado no episódio da serpente de bronze que Moisés levantou diante dos olhos dos hebreus, para esconjurar a praga das serpentes. O tema de elevação/exaltação, inspirado por Isaías 52, 13, servo padecente, preside também à segunda leitura, em que a exaltação é contrabalançada pelo rebaixamento no sofrimento infligido àquele que nem deveria considerar apropriação injusta à forma divina. Nos capítulos 20-21 dos Números são narradas as últimas peripécias dos hebreus no deserto, antes da entrada na terra prometida. O povo murmura porque não tem o que deseja; revolta-se, não suporta o cansaço do caminho (v. 2) por causa da fome e da sede (v. 5). Já não é capaz de reconhecer o poder de Deus, já não tem fé no Senhor que agora vê como Aquele que lhe envenena a vida. Deus manifesta o seu juízo de castigo em relação ao povo, mandando serpentes venenosas (v. 6). Na experiência da morte, os hebreus reconhecem o pecado cometido contra Deus e pedem perdão. E, tal como a mordedura da serpente era letal, assim, agora, a imagem de bronze erguida sobre um poste torna-se motivo de salvação física para quem for mordido. São João reconhece na serpente de bronze erguida no deserto por Moisés a prefiguração profética da elevação do Filho do homem crucificado.
Caros irmãos,
Vamos, pois, amados irmãos, mergulhar no mistério, na profundeza do Evangelho de hoje (Jo 3,13-17). O dom da vida de Jesus, morrendo por amor fiel até a morte na cruz, é a manifestação da glória, isto é, do ser de Deus que aparece, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8-9). Isso, a tal ponto, que Jesus, na hora de assumir a morte na cruz, pôde dizer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).
Dentro do contexto do longo discurso com que Jesus responde a Nicodemos, apontando a necessidade da fé para obter a vida eterna e fugir ao juízo de condenação. Jesus, o Filho do homem (v. 13), provém do seio do Pai; é aquele que “desceu do Céu” (v. 13), o único que viu a Deus e pode comunicar o seu projeto de amor, que se realiza na oblação do Filho unigênito. Jesus compara-se à serpente de bronze (cf. Nm 21, 4-9), afirmando que a plena realização do que aconteceu no deserto irá verificar-se quando Ele for elevado na cruz (v. 14) para salvação do mundo (v. 17). Quem olhar para Ele com fé, isto é, quem acreditar que Cristo crucificado é o Filho de Deus, o salvador, terá a vida eterna. Acolhendo n´Ele o dom de amor do Pai, o homem passa da morte do pecado à vida eterna. No horizonte deste texto, transparece o cântico do “Servo de Javé” (cf. Is 52, 13ss.), onde encontramos juntos os verbos “elevar” e “glorificar”. Compreende-se, portanto, que São João quer apresentar a cruz, ponto supremo de ignomínia, como vértice da glória.
Caros irmãos,
Qual é, caros irmãos, a conseqüência desta exaltação da Cruz?
Se Cristo deu a vida por nós todos, somos convidados a dar a nossa vida pelos nossos irmãos. Dessa forma, cantamos na segunda leitura em que Jesus, esvaziado como escravo e exaltado como Senhor, é o exemplo dos que se reúnem em seu nome. Assim, consideremos os outros mais importantes que a nós mesmos e tenhamos o mesmo pensar e sentir d’Ele.
O itinerário da Cruz nos ensina que o Mistério da Paixão está no centro da espiritualidade cristã: a Igreja nasce com a Paixão e é somente nela que os sacramentos e a vivência da ação evangelizadora e pastoral encontram a sua razão de ser. A Paixão, não como morte, mas como vida, é o caminho que nos aproxima de Deus. No calvário, a revelação é levada ao seu cume e o Senhor Crucificado atrai os olhares humanos para a contemplação de um mistério envolvente, de amor.
Deus aceitou trilhar o caminho da cruz para aproximar-se solidariamente da humanidade, constituindo-o lugar indispensável, através do qual os cristãos conhecem o seu Deus com misericórdia e perdão. Neste sentido, ele é descida de Deus em favor da humanidade e elevação da humanidade que deseja assemelhar-se a Deus. Não devemos morrer na cruz, mas assumir a cruz um caminho, uma orientação de vida.
Meus irmãos,
Para todo ser humano, a salvação e a vida passam pela cruz. Não a cruz pela cruz, simplesmente. Mas a cruz como expressão de amor, de realização do plano de Deus, do seguimento de Cristo: “Se alguém quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que pretender salvar a sua vida, há de perdê-la; e quem perder a sua vida por amor de mim, há de encontrá-la” (Mt 16,24-25).
A cruz é o caminho da vida. Nela se encontra a esperança da vida. Por isso, a Igreja proclama e canta: “Salve, ó cruz, única esperança”. Ou então: “Nós vos adoramos, santíssimo Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque, pela vossa santa cruz, remistes o mundo!”
Santa Cruz, seja-nos o santo alento nas tribulações desta vida, fazendo-nos desejosos de unir nossas provações ao sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Homilia por: Padre Wagner Augusto Portugal
Publicado em Catequese Católica.