SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM MARIA – 08 de dezembro

A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.

O vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A compararam ao sol. Mas, se houvesse algum astro inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse que A imaculada Conceição comparariam. E acabariam por dizer que este astro daria d’Ela uma imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas insignes da Antiguidade, mas – o que é incomensuravelmente mais – de todos os Santos da Igreja Católica.

Imagine-se uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luiz Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.
Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto humano. Certa vez, apareceu a um santo o seu Anjo da Guarda. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era. Ora, os Anjos da Guarda não pretendem habitualmente às mais altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.

Poderia haver contraste maior entre esta obra-prima da natureza e da graça, não só indescritível, mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o mundo antes de Cristo?

A Imaculada Conceição

A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.

Em virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões desordenadas, o corpo por assim dizer foi posto em revolta contra a alma.

Ora, pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, n’Ela tudo era harmonia profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas do Céu e da Terra.

A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o bem, e governava plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e superenriquecidas de graças inefáveis, perfeitíssimamente correspondidas a todo o momento, e se pode ter uma ideia do que era a Santíssima Virgem. Ou, antes, se pode compreender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma ideia do que a Santíssima Virgem era.

“Inimicitias Ponam”

Dotada de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo, em seus dias, a infâmia do mundo. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à virtude, tanto maior é o ódio ao mal.

Ora, Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era, pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada, sem qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.

O mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcionada à sua formosura castíssima, à graça nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.

E como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles que eram todo desmando, extravagância, desiquilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas consequências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a suas últimas consequências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de todos os erros que lhe são contrários?

“Imaculado” é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de mácula, e, pois, de todo e qualquer erro por menos que seja, de todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na virtude. E, portanto, a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa intransigência na verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o Coração tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio e a carne. Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransigência.

Verdadeiro ódio, verdadeiro amor

Por isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquele que fosse escolhida para Mãe de Deus.

Pedia o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do vício.

Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da graça, levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade. Pois estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo o mal. A Virgem queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da ordem desejada pelo Criador.

Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado. Este castigo do pecador irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das consequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como ninguém. Ut inimicos Santae Ecclesiae Humiliare digneris, Te rogamus audi nos, canta a Liturgia na linda Ladainha de Todos os Santos. E, antes da Liturgia, por certo o Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios irredutíveis. Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.

Onipotência suplicante

Deus quer as obras. Ele fundou a Igreja par ao apostolado. Mas acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.

Rainha de todos os apóstolos, Nossa Senhora é, entretanto e principalmente, o modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela polar de toda meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela dez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um para-vento a fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para salvá-los, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens, do que Aquela que consentiu se realizasse em seus dias a promessa da vinda do Salvador?

Mas, confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento de ação?

Aplicação a nossos dias

Tanto valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do completo espírito de renúncia, que propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças divinas.

Estamos numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que “o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o Homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto” (Enc. Miserentissimus Redemptor, de 08 de maio de 1928).

Que diria ele hoje? E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.

O exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em lhe pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência, que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?

A Imaculada Conceição da Maria Virgem – singular privilégio concedido por Deus, desde toda a eternidade, Àquela que seria Mãe de seu Filho Unigênito – preside a todos os louvores que Lhe rendemos na recitação de seu Pequeno Ofício. Assim, parece-nos oportuno percorrer rapidamente a história dessa “piedosa crença” que atravessou os séculos, até encontrar, nas infalíveis palavras de Pio IX, sua solene definição dogmática.

Onze séculos de tranquila aceitação da “piedosa crença”

Os mais antigos Padres da Igreja, amiúde se expressam em termos que traduzem sua crença na absoluta imunidade do pecado, mesmo o original, concedida à Virgem Maria. Assim, por exemplo, São Justino, Santo Irineu, Tertuliano, Fírmio, São Cirilo de Jerusalém, Santo Epifânio, Teódoro de Ancira, Sedúlio e outros comparam Maria Santíssima com Eva antes do pecado. Santo Efrém, insigne devoto da Virgem, A exalta como tendo sido “sempre, de corpo e de espírito, íntegra e imaculada“. Para Santo Hipólito Ela é um “tabernáculo isento de toda corrupção“. Orígenes A aclama “imaculada entre imaculadas, nunca afetada pela peçonha da serpente“. Por Santo Ambrósio é Ela declarada “vaso celeste, incorrupta, virgem imune por graça de toda mancha de pecado“. Santo Agostinho afirma, disputando contra Pelágio, que todos os justos conheceram o pecado, “menos a Santa Virgem Maria, a qual, pela honra do Senhor, não quero que entre nunca em questão quando se trate de pecados“.

Cedo começou a Igreja – com primazia da Oriental – a comemorar em suas funções litúrgicas a imaculada conceição de Maria. Passaglia, no seu De Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a princípios do Século V já se celebrava a festa da Conceição de Maria (com o nome de Conceição de Sant’Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O documento fidedigno mais antigo é o cânon de dita festa, composto por Santo André de Creta, monge do mosteiro de São Sabas, próximo a Jerusalém, o qual escreveu seus hinos litúrgicos na segunda metade do século VII.

Tampouco faltam autorizadíssimos testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em Concílio, para provar que já no século VII era comum e recebida por tradição a piedosa crença, isto é, a devoção dos fiéis ao grande privilégio de Maria (Concílio de Latrão, em 649, e Concílio Constantinopolitano III, em 680).

Em Espanha, que se gloria de ter recebido com a fé o conhecimento deste mistério, comemora-se sua festa desde o século VII. Duzentos anos depois, esta solenidade aparece inscrita nos calendários da Irlanda, sob o título de “Conceição de Maria”.

Também no século IX era já celebrada em Nápoles e Sicílias, segundo consta do calendário gravado em mármore e editado por Mazzocchi em 1744. Em tempos do Imperador Basílio II (976-1025), a festa da “Conceição de Sant’Ana” passou a figurar no calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império Bizantino.

No século XI parece que a comemoração da Imaculada estava estabelecida na Inglaterra, e, pela mesma época, foi recebida em França. Por uma escritura de doação de Hugo de Summo, consta que era festejada na Lombardia (Itália) em 1047. Certo é também que em fins do século XI, ou princípios do XII, celebrava-se em todo o antigo Reino de Navarra.

Séculos XII-XIII: Oposições

No mesmo século XII começou a ser combatido, no Ocidente, este grande privilégio de Maria Santíssima. Tal oposição haveria ainda de ser mais acentuada e mais precisa na centúria seguinte, no período clássico da escolástica. Entre os que puseram em dúvida a Imaculada Conceição, pela pouca exatidão de ideias à matéria encontram-se doutos e virtuosos varões, como, por exemplo, São Bernardo, São Boaventura, Santo Alberto Magno e o angélico São Tomás de Aquino.

Século XIV: Escoto e a reação a favor do dogma

O combate a esta augusta prerrogativa da Virgem não fez senão acrisolar o ânimo de seus partidários. Assim, o século XIV se inicia com uma grande reação a favor da Imaculada, na qual se destacou, como um de seus mais ardorosos defensores, o Beato Raimundo Lulio, espanhol.

Outro dos primeiros e mais denodados campeões da Imaculada Conceição foi o Beato João Duns Escoto (seu país natal é incerto: Escócia, Inglaterra ou Irlanda; morreu em 1308), glória da Ordem dos Menores Franciscanos, o qual, depois de bem fixar os verdadeiros termos da questão, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para desvanecer as dificuldades que os contrários opunham à singular prerrogativa mariana.

Sobre o impulso dado por Escoto à causa da Imaculada Conceição, existe uma tocante legenda. Teria ele vindo de Oxford a Paris, precisamente para fazer triunfar o imaculatismo. Na Universidade da Sorbonne, em 1308, sustentou uma pública e solene disputa em favor do privilégio da Virgem.

No dia dessa grande ato, Escoto, quando chegou ao local da discussão, prosternou-se diante de uma imagem de Nossa Senhora que se encontrava em sua passagem, e lhe dirigiu esta prece: “Dignare me laudare te, Virgo sacrata: da mihi virtutem contra hostes tuos”. A Virgem, para mostrar seu contentamento com esta atitude inclinou a cabeça – postura que, a partir de então, Ela teria conservado…

Depois de Escoto, a solução teológica das dificuldades levantadas contra a Imaculada Conceição se tornou cada dia mais clara e perfeita, com o que seus defensores se multiplicaram prodigiosamente. Em seu favor escreveram inúmeros filhos de São Francisco, entre os quais se podem contar os franceses Aureolo (m. em 1320) e Mayron (m. em 1325), o escocês Bassolis e o espanhol Guillermo Rubión. Acredita-se que esses ardorosos propagandistas do santo mistério estejam na origem de sua celebração em Portugal, nos primórdios do século XIV.

O documento mais antigo da instituição da festa da Imaculada nesse país é um decreto do Bispo de Coimbra, D. Raimundo Evrard, datado de 17 de Outubro de 1320. A par dos doutores franciscanos, cumpre ainda mencionar, entre os defensores da Imaculada Conceição nos séculos XIV-XV, o carmelita João Bacon (m. em 1340), o agostiniano Tomás de Estrasburgo, Dionísio, o Cartuxo (m. em 1471), Gerson (m. em 1429), Nicolau de Cusa (m. em 1464) e outros muitos esclarecidos teólogos pertencentes a diversas escolas e nações.

Séculos XV-XVI: acirradas disputas

Em meados do século XV, a Imaculada Conceição foi objeto de renhido combate durante o Concílio de Basiléia, resultando num decreto de definição sem valor dogmático, posto que este sínodo perdeu a legitimidade ao se desligar do Papa.

Entretanto, crescia cada dia mais o número das cidades, nações e colégios que celebravam oficialmente a festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas cortes da Catalunha, reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458, decretou-se pena de perpétuo desterro para quem combatesse o santo privilégio.

O autêntico Magistério da Igreja não tardou a dar satisfação aos defensores do dogma e da festa. Pela bula Cum proeexcelsa, de 27 de Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a festa da Conceição de Maria, enriqueceu-a de indulgências semelhantes às festas do Santíssimo Sacramento e autorizou Ofício e Missa especial para essa solenidade.

Pelos fins do século XV, porém, a disputa em torno da Imaculada Conceição de tal maneira acirrou os ânimos dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV se viu obrigado a publicar, em data de 04 de setembro de 1483, a Constituição Grave Nimis, proibindo, sob pena de excomunhão, que os de uma parte chamassem hereges aos da outra.

Por essa época, festejavam a Imaculada célebres universidades, como as de Oxford, de Cambridge e a de Paris, a qual, em 1497, instituiu para todos os seus doutores o juramento e o voto de defender perpetuamente o mistério da Imaculada Conceição, excluindo de seus quadros quem não os fizesse. De modo semelhante procederam as universidades de Colônia (em 1499), de Magúncia (em 1501) e a de Valência (em 1530).

No Concílio de Trento (1545-1563) se ofereceu nova ocasião para denodado combate entre os dois partidos. Sem proferir uma definição dogmática da Imaculada Conceição, esta assembleia confirmou de modo solene as decisões de Sixto IV. A 15 de Junho de 1546, na sessão V, em seguida aos cânones sobre o pecado original, acrescentaram-se estas significativas palavras: “O sagrado Concílio declara que não é sua intenção compreender neste decreto, que trata do pecado original, a Bem-aventurada e imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que devem observar-se as constituições do Papa Sixto IV, de feliz memória, sob as penas que nelas se cominam e que este Concílio renova”.

Por esse tempo, começaram a reforçar as fileiras dos defensores da Imaculada Conceição os teólogos da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais não se achou um só de opinião contrária. Aliás, pelos primeiros missionários jesuítas no Brasil temos notícia de que, já em 1554, celebrava-se o singular privilégio mariano em nosso País. Além da festa comemorada no dia 8 de Dezembro, capelas, ermidas e igrejas eram edificadas sob o título de Nossa Senhora da Conceição.

Entretanto, a piedosa crença ainda suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção do Sumo Pontífice. Assim, em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma proposição de Bayo que afirmava ter morrido Nossa Senhora em consequência do pecado herdado de Adão, proibiu novamente a disputa acerca do augusto privilégio da Virgem.

Séculos XVII e seguintes: consolidação da “piedosa crença”

No século XVII, o culto da Imaculada Conceição conquista Portugal inteiro, desde os reis e os teólogos até os mais humildes filhos do povo. A 9 de Dezembro de 1617, a Universidade de Coimbra, reunida em claustro pleno, resolve escrever ao Papa manifestando-lhe a sua crença na imaculabilidade de Maria.

Naquele mesmo ano, Paulo V, decretou que ninguém se atrevesse a ensinar publicamente que Maria Santíssima teve pecado original. Semelhante foi a atitude de Gregório XV, em 1622.

Por essa época, a Universidade de Granada se obrigou a defender a Imaculada Conceição com voto de sangue, quer dizer, comprometendo-se a dar a vida e derramar o sangue, se necessário fosse, na defesa deste mistério. Magnífico exemplo que foi imitado, sucessivamente, por grande número de cabidos, cidades, reinos e ordens militares.

A partir do século XVII também foram se multiplicando as corporações e sociedades, tanto religiosas como civis, e até mesmo estados, que adotaram por padroeira à Virgem no mistério de sua Imaculada Conceição.

Digna de particular referência é a iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal, proclamando Nossa Senhora da Conceição padroeira de seus “Reinos e Senhorios”, ao mesmo tempo em que jura defendê-La até à morte, segundo se lê na provisão régia de 25 de março de 1646. A partir deste momento, em homenagem à sua Imaculada Soberana, nunca mais os reis portugueses puseram a coroa na cabeça.

Em 1648, aquele mesmo Monarca mandou cunhar moedas de ouro e prata. Foi com estas que se pagou o primeiro feudo a Nossa Senhora. Com o nome de Conceição, tais moedas tinham no anverso a legenda: JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALBARBIAE REX, a Cruz de Cristo e as armas lusitanas. No reverso: a imagem da Senhora da Conceição sobre o globo e a meia lua, com a data de 1648 e, nos lados, o sol, o espelho, o horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da Aliança, símbolos bíblicos da Santíssima Virgem.

Outro decreto de D. João IV, assinado em 30 de junho de 1654, ordenava que “em todas as portas e entradas das cidades, vilas e lugares de seus Reinos”, fosse colocada uma lápide cuja inscrição exprimisse a fé do povo português na imaculada Conceição de Maria.

Igualmente a partir do século XVII imperadores, reis e as cortes dos reinos começaram a pedir com admirável constância, e com uma insistência de que há poucos exemplos na História, a declaração dogmática da Imaculada Conceição.

Pediram-na a Urbano VIII (m. em 1644) o Imperador Fernando II da Áustria; Segismundo, Rei da Polônia; Leopoldo, Arquiduque do Tirol; o eleitor de Magúncia; Ernesto de Baviera, eleitor de Colônia.

O mesmo Urbano VIII a pedidos do Duque de Mântua e de outros príncipes, criou a ordem militar dos Cavaleiros da Imaculada Conceição, aprovando ao mesmo tempo seus estatutos. Por devoção à Virgem Imaculada, quis ele ser o primeiro a celebrar o augusto Sacrifício na primeira igreja edificada em Roma sob o título da Imaculada, para uso dos menores capuchinhos de São Francisco.

Proclamação do Dogma pelo Papa Beato Pio IX, em 08 de dezembro de 1854

Porém, o ato mais importante emanado da Santa Sé, no século XVII, em favor da Imaculada Conceição, foi a bula Sollicitude omnium Ecclesiarum, do Papa Alexandre VII, em 1661. Neste documento, escrito de sua própria mão, o Pontífice renova e ratifica as constituições em favor de Maria Imaculada, ao mesmo tempo em que impõe gravíssimas penas a quem sustentar e ensinar opinião contrária aos ditos decretos e constituições. Esta bula memorável precede diretamente, sem outro decreto intermediário, a bula decisiva de Pio IX.

Em 1713, Felipe V de Espanha e as Cortes de Aragão e Castela pediram a solene definição a Clemente XI. E o mesmo Rei, com quase todos os Bispos espanhóis, as universidades e Ordens religiosas, a solicitaram a Clemente XII, em 1732.

No pontificado de Gregório XVI, e nos primeiros anos de Pio IX, elevaram-se à Sé Apostólica mais de 220 petições de Cardeais, Arcebispos e Bispos (sem contar as dos cabidos e ordens religiosas) para que se fizesse a definição dogmática, que se deu no felicíssimo dia 08 de dezembro de 1854, através da Bula Ineffabilis Deus.

Fonte originária:Monsenhor João Clá Dias, EP, Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado, Volume I, 2° Edição – Agosto 2010, p. 436 à 441.

Publicado em Comunidade Flor do Carmelo de Santa Teresinha.

REFLEXÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS CRISTO

Por Santo Afonso Maria de Ligório

«Oh! se conhecesses o mistério da cruz!, disse Santo André ao tirano que queria induzi-lo a renegar a Jesus Cristo, por ter Jesus se deixado crucificar como malfeitor. «Oh! se entendesses, tirano, o amor que Jesus Cristo te mostrou querendo morrer na cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna…»

Quanto agrada a Jesus Cristo que nós nos lembremos continuamente de sua paixão e da morte ignominiosa que por nós sofreu, muito bem se deduz de haver ele instituído o Santíssimo Sacramento do altar com o fito de conservar sempre viva em nós a memória do amor que nos patenteou, sacrificando-se na cruz por nossa salvação. Já sabemos que na noite anterior à sua morte ele instituiu este sacramento de amor e depois de ter dado seu corpo aos discípulos, disse-lhes – e na pessoa deles a nós todos – que ao receberem a santa comunhão se recordassem do quanto ele por nós padeceu: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beber de deste cálice, anunciareis a morte do Senhor” (1 Cor 11, 26). Por isso a santa Igreja, na missa, depois da consagração, ordena ao celebrante que diga em nome de Jesus Cristo: “Todas as vezes que fizerdes isto, fazei-o em memória de mim”. E São Tomás escreve: “Para que permanecesse sempre viva entre nós a memória de tão grande benefício, deixou seu corpo para ser tomado como alimento” (Op. 57). E continua o santo a dizer que por meio de um tal sacramento se conserva a memória do amor imenso que Jesus Cristo nos demonstrou na sua paixão

Se alguém padecesse por seu amigo injúrias e ferimentos e soubesse que o amigo, quando se falava sobre tal acontecimento nem sequer nisso queria pensar e até costumava dizer: falemos de outra coisa – que dor não sentiria vendo o desconhecimento de um tal ingrato? Ao contrário, quanto se consolaria se soubesse que o amigo reconhece dever-lhe uma eterna obrigação e que disso sempre se recorda e se lhe refere sempre com ternura e lágrimas? Por isso é que todos os santos, sabendo a satisfação que causa a Jesus Cristo quem se recorda continuamente de sua paixão, estão quase sempre ocupados em meditar as dores e os desprezos que sofreu o amantíssimo Redentor em toda a sua vida e particularmente na sua morte. Santo Agostinho escreve que as almas não podem se ocupar com coisa mais salutar que meditar cotidianamente na paixão do Senhor. Deus revelou a um santo anacoreta que não há exercício mais próprio para inflamar os corações com o amor divino do que o meditar na morte de Jesus Cristo. E a Santa Gertrudes foi revelado, segundo Blósio, que todo aquele que contempla com devoção o crucifixo é tantas vezes olhado amorosamente por Jesus quantas ele o contempla. Ajunta Blósio que o meditar ou ler qualquer coisa sobre a paixão traz-nos maior bem que qualquer outro exercício de piedade. Por isso escreve São Boaventura: “A paixão amável que diviniza quem a medita” (Stim. div. amor, p. 1. c. 1). E falando das chagas do crucifixo, diz que são chagas que ferem os mais duros corações e inflamam no amor divino as almas mais geladas.

O SALVADOR

Adão peca e se rebela contra Deus e sendo ele o primeiro homem, pai de todos os homens, perdeu-se com todo o gênero humano. A injúria foi feita a Deus, motivo por que nem Adão nem os outros homens, com todos os sacrifícios, mesmo oferecendo sua própria vida, poderiam dar uma digna satisfação à Majestade divina; para aplacá-la plenamente era necessário que uma pessoa divina satisfizesse a justiça divina. E eis que o Filho de Deus, movido à compaixão pelos homens, arrastado pelos extremos de sua misericórdia, se oferece a revestir-se da carne humana e a morrer pelos homens, para assim dar a Deus uma completa satisfação por todos os seus pecados e obter-lhes a graça divina que perderam.

Desce, pois, o amoroso Redentor a esta terra e fazendo-se homem quer curar os danos que o pecado causara ao homem. Portanto, quer não só com seus ensinamentos, mas também com os exemplos de sua santa vida, induzir os homens a observar os preceitos divinos e por essa maneira conseguir a vida eterna. Para esse fim Jesus Cristo renunciou a todas as honras, às delícias e riquezas de que podia gozar neste mundo e que lhe eram devidas como ao Senhor do mundo, e escolhe uma vida humilde, pobre e atribulada até morrer de dor sobre uma cruz. Foi um grande erro dos judeus pensar que o Messias devia vir à terra para triunfar de todos os seus inimigos com o poder das armas e, depois de os ter debelado e adquirido o domínio do mundo inteiro, deveria tornar opulentos e gloriosos os seus sequazes. Mas se o Messias fosse qual os judeus o desejavam, príncipe soberano e honrado de todos os homens como senhor de todo o mundo, não seria o Redentor prometido por Deus e predito pelos profetas. É o que ele mesmo declara quando responde a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Por esse motivo repreende São Fulgêncio a Herodes por ter tão grande temor de ser privado do seu reino pelo Salvador, quando ele não viera para vencer o rei pela guerra, mas a conquistá-lo com sua morte (Serm. 5 de Epiph.).

Dois foram os erros dos judeus a respeito do Redentor esperado: o primeiro foi que, quando os profetas falavam dos bens espirituais e eternos, eles o interpretavam dos bens terrenos e temporais. “E a fé reinará nos teus tempos; a sabedoria e a ciência serão as riquezas da salvação; o temor do Senhor esse é o teu tesouro” (Is 33, 6). Eis os bens prometidos pelo Redentor, a fé, a ciência das virtudes, o santo temor, eis as riquezas da prometida salvação. Além disso, promete que dará remédio aos penitentes, perdão aos pecadores e liberdade aos cativos dos demônios: “Enviou-me para evangelizar os mansos, para curar os contritos de coração e pregar remissão aos cativos e soltura aos encarcerados” (Is 61, 1).

O outro erro dos judeus foi que pretenderam entender da primeira vinda do Salvador o que fora predito pelos profetas da segunda vinda, para julgar o mundo no fim dos séculos. Assim, escreve Davi do futuro Messias que ele deverá vencer os príncipes da terra e abater a soberba de muitos e com a força da espada subjugar toda a terra (Sl 109,6). E o profeta Jeremias escreve: “A espada do Senhor devorará a terra de um extremo a outro” (Lm 12, 12). Isso, porém, entende-se da segunda vinda, quando vier como juiz a condenar os malvados. Falando, porém, da primeira vinda, na qual deveria consumar a obra da redenção, mui claramente predisseram os profetas que o Redentor levaria neste mundo uma vida pobre e desprezada. Eis o que escreve o profeta Zacarias, falando da vida abjeta de Jesus Cristo: “Eis que o teu rei virá a ti, justo e salvador; ele é pobre e vem montado sobre uma jumenta e sobre o potrinho da jumenta” (Zc 9, 9).

Esta profecia realizou-se plenamente quando Jesus entrou em Jerusalém, assentado sobre um jumento, sendo recebido com todas as honras, como o Messias desejado, segundo o testemunho de São João (Jo 12,14). Também sabemos que ele foi pobre desde o seu nascimento, tendo vindo a este mundo em Belém, lugar desprezado, e numa manjedoura: “E tu, Belém Efrata, tu és pequenina entre os milhares de Judá, mas de ti é que há de sair aquele que há de reinar em Israel e cuja geração é desde o princípio, desde os dias da eternidade” (Mq 5, 2). E essa profecia foi assinalada por São Mateus (2,6) e São João (7, 42). Além disso, escreve o profeta Oséias: “Do Egito chamarei o meu Filho” (11, 1), o que se realizou quando Jesus Cristo, como menino, foi levado para o Egito, onde permaneceu sete anos como estranho no meio de gente bárbara, dos parentes e dos amigos, devendo viver necessariamente mui pobremente. Continuou, depois de voltar à Judéia, a levar uma vida pobre. Ele mesmo predisse pela boca de Davi que pobre deveria ser durante toda a sua vida e atribulado pelas fadigas: “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade” (Sl 87,16).

A EXPIAÇÃO

Deus não podia ver plenamente satisfeita a sua justiça com os sacrifícios oferecidos pelos homens, mesmo sacrificando-lhe suas vidas e, por isso, dispôs que seu próprio Filho tomasse um corpo humano e fosse a digna vítima que o reconciliasse com os homens e lhes obtivesse a salvação. “Não quiseste hóstia nem oblação, mas tu me formaste um corpo” (Hb 10, 5). E o Filho unigênito se ofereceu voluntariamente a sacrificar-se por nós e desceu à terra para completar o sacrifício com sua morte e assim realizar a redenção do homem: “Eis, aqui venho para fazer, ó Deus, a tua vontade, como está escrito de mim no princípio do livro” (Hb 10, 7).

Pergunta o Senhor, referindo-se ao pecador: “Que importará que eu vos fira de novo?” (Is 1, 5). Isso dizia Deus, para nos dar a entender que, por mais que punisse os seus ofensores, suas penas não seriam suficientes para reparar a sua honra ultrajada, e por isso enviou seu próprio Filho a satisfazer pelos pecados dos homens, visto que ele podia dar uma digna reparação à justiça divina. Depois declarou por Isaías, falando de Jesus feito vítima para expiar nossas culpas: “Eu o feri por causa dos crimes de meu povo” (53, 8), e não se contentou com uma pequena satisfação, mas quis vê-lo abatido pelos tormentos: “E o Senhor quis quebrantá-lo na sua enfermidade” (Is 53, 10). Ó meu Jesus, ó vítima de amor, consumida de dores na cruz para pagar os meus pecados, desejaria morrer de dor, pensando quantas vezes vos tenho desprezado depois de tanto me haverdes amado. Não permitais que eu continue a viver tão ingrato a tão grande bondade. Atraí-me todo a vós: fazei-o pelos merecimentos desse sangue que derramastes por mim!

Quando o Verbo divino se ofereceu para remir os homens, de duas maneiras se podia fazer essa redenção: uma por meio do gozo e da glória, outra das penas e dos vitupérios. Ele, porém, que com sua vinda não só pretendia livrar o homem da morte eterna, mas também ganhar a si o amor de todos os corações humanos, repeliu o caminho do gozo e da glória e escolheu o das penas e dos vitupérios (Hb 10, 34). A fim, portanto, de satisfazer por nós a justiça divina e juntamente para inflamar-nos com seu santo amor, quis qual criminoso sobrecarregar-se de todas as nossas culpas e, morrendo sobre uma cruz, obter-nos a graça e a vida feliz. É justamente o que exprime Isaías quando afirma: “Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores” (Is 53, 4).

Disso encontram-se duas figuras claras no Antigo Testamento: a primeira era a cerimônia usada todos os anos do “bode expiatório” sobre o qual o sumo pontífice entendia impor todos os pecados do povo e por isso todos, cumulando-o de maldições, o enxotavam para a floresta para servir aí de objeto à ira divina (Lv 16, 5). Esse bode figurava nosso Redentor, que quis espontaneamente sobrecarregar-se com todas as maldições a nós devidas por nossos pecados (Gl 3, 13), feito por nós maldição, para nos obter as bênçãos divinas. E assim escreve o Apóstolo em outro lugar: “Aquele que desconhecia o pecado, fê-lo por nós, para que nós fôssemos feitos justiça de Deus nele” (2 Cor 5, 21). Como explicam Santo Ambrósio e Santo Anselmo, aquele que era a mesma inocência, fê-lo pecado; revestiu-se com as vestes do pecador e quis tomar sobre si as penas devidas a nós pecadores, para nos obter o perdão e nos tornar justos aos olhos de Deus.

A segunda figura do sacrifício que Jesus Cristo ofereceu por nós a seu eterno Pai na cruz, foi a “serpente de bronze” suspensa em um poste, que curava os hebreus mordidos pela serpente de fogo, quando para ela olhavam (Nm 21, 8). Assim escreve São João: “Como Moisés suspendeu a serpente no deserto, assim importa que seja levantado o Filho do homem, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 14).

À LUZ DAS PROFECIAS

É preciso refletir que no capítulo 2.º da “Sabedoria” está predita a morte ignominiosa de Jesus Cristo. Ainda que as palavras desse capítulo possam se referir à morte de qualquer homem justo, contudo, afirma Tertuliano, São Cipriano, São Jerônimo e muitos outros santos Padres, que de modo especial quadram à morte de Cristo: Aí se diz no versículo 18: “Se realmente é o verdadeiro filho de Deus, ele o amparará e o livrará das mãos dos contrários”. Essas palavras correspondem perfeitamente ao que diziam os judeus, quando Jesus estava na cruz: “Confiou em Deus: livre-o agora, se o ama; pois disse que era filho de Deus” (Mt 27, 43). Continua o sábio a dizer: “Façamos-lhe perguntas por meio de ultrajes e tormentos… e provemos a sua paciência. Condenemo-lo a uma morte a mais infame” (Sb 2, 19-20). Os judeus escolheram para Jesus Cristo a morte da cruz, que era a mais ignominiosa, para que seu nome ficasse para sempre aviltado e não fosse mais relembrado, segundo um outro testemunho de Jeremias: “Ponhamos madeira no seu pão e exterminemo-lo da terra dos viventes e não haja mais memória de seu nome” (Jr 11, 19). Ora, como podem dizer hoje em dia os judeus ser falso que Jesus fosse o Messias prometido, por ter sido arrebatado deste mundo por uma morte torpíssima, quando seus mesmos profetas haviam predito que ele deveria ter uma morte tão vil?

Jesus aceitou, porém, semelhante morte porque morria para pagar os nossos pecados: também por esse motivo quis qual pecador ser circuncidado, ser resgatado quando foi apresentado ao templo, receber o batismo de penitência de São João. Na sua paixão, finalmente quis ser pregado na cruz para pagar por nossos licenciosas liberdades, com a sua nudez reparar a nossa avareza, com os opróbrios a nossa soberba, com a sujeição aos carnífices a nossa ambição de dominar, com os espinhos os nossos maus pensamentos, com o fel a nossa intemperança e com as dores do corpo os nossos prazeres sensuais. Deveríamos por isso continuamente agradecer com lágrimas de ternura ao eterno Pai por ter entregue seu Filho inocente à morte para livrar-nos da morte eterna. “O qual não poupou seu próprio Filho, mas entregou-o por todos nós: como não nos deu também com ele todas as coisas?” (Rom 8, 32). Assim fala São Paulo e o próprio Jesus diz, segundo São João (3, 16): “Tanto Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho unigênito”. Daí exclamar a santa Igreja no sábado santo: “Ó admirável dignação de vossa piedade para conosco! Ó inestimável excesso de vossa caridade! Para resgatar o escravo, entregastes o vosso Filho”. Ó misericórdia infinita, ó amor infinito de nosso Deus, ó santa fé! Quem isto crê e confessa, como poderá viver ser arder em santo amor para com esse Deus tão amante e tão amável?

Ó Deus eterno, não olheis para mim, carregado de pecados, olhai para vosso Filho inocente, pregado numa cruz, e que vos oferece tantas dores e suporta tantos ludíbrios para que tenhais piedade de mim. Ó Deus amabilíssimo e meu verdadeiro amigo, por amor, pois, desse Filho que vos é tão caro, tende piedade de mim. A piedade que desejo é que me concedais o vosso santo amor. Ah, atraí-me inteiramente a vós do meio do lodo de minhas torpezas. Consumi, ó fogo devorador, tudo o que vedes de impuro na minha alma e a impede de ser toda vossa.

NOSSO FIADOR

Agradeçamos ao Pai e agradeçamos igualmente ao Filho que quis tomar a nossa carne e juntamente os nossos pecados para dar a Deus com sua paixão e morte uma digna satisfação. Diz o Apóstolo que Jesus Cristo se fez nosso fiador, obrigando-se a pagar as nossas dívidas (Hb 7, 22). Como mediador entre Deus e os homens, estabeleceu um pacto com Deus por meio do qual se obrigou a satisfazer por nós a divina justiça e em compensação prometeu-nos da parte de Deus a vida eterna. Já com muita antecedência o Eclesiástico nos advertia que não nos esquecêssemos do benefício deste divino fiador, que, para obter a salvação, quis sacrificar a sua vida (Eclo 29, 20). E para mais nos assegurar do perdão, diz São Paulo, foi que Jesus Cristo apagou com seu sangue o decreto de nossa condenação, que continha a sentença da morte eterna contra nós, e a afixou à cruz, na qual, morrendo, satisfez por nós a justiça divina (Col 2, 14). Ah, meu Jesus, por aquele amor que vos obrigou a dar a vida e o sangue no Calvário por mim, fazei-me morrer a todos os afetos deste mundo, fazei que eu me esqueça de tudo para não pensar senão em vos amar e dar-vos gosto. Ó meu Deus, digno de infinito amor, vós me amastes sem reserva e eu quero também amar-vos sem reserva. Eu vos amo, meu sumo Bem, eu vos amo, meu amor, meu tudo.

Em suma, tudo o que nós podemos ter de bens, de salvação, de esperança, tudo possuímos em Jesus Cristo e nos seus merecimentos, como disse São Pedro: “E não há em outro nenhuma salvação, nem foi dado aos homens um outro nome debaixo dos céus em que nós devemos ser salvos” (At 4, 12). Assim para nós não há esperança de salvação senão nos merecimentos de Jesus Cristo. Donde São Tomás, com todos os teólogos, conclui que depois da promulgação do Evangelho nós devemos crer explicitamente, por necessidade não só de preceito, como também de meio, que somente por meio de nosso Redentor nos é possível a salvação.

Todo o fundamento de nossa salvação está, portanto, na redenção humana do Verbo divino, operado na terra. É preciso, pois, refletir que ainda que as ações de Jesus Cristo feitas no mundo, sendo ações de uma pessoa divina, eram de um valor infinito, de maneira que a mínima delas bastava para satisfazer a justiça divina por todos os pecados dos homens, contudo só a morte de Jesus foi o grande sacrifício com o qual se completou a nossa redenção, motivo pelo qual as Sagradas Escrituras se atribui a redenção do homem principalmente à morte por ele sofrida na cruz: “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2, 8). Razão por que escreve o Apóstolo que, quando tomamos a sagrada eucaristia, nos devemos recordar da morte do Senhor: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste vinho, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Cor 11,26). Por que é que diz da morte e não da encarnação, do nascimento, da ressurreição? Porque foi esse tormento, o mais doloroso de Jesus Cristo, que completou a redenção.

Por isso dizia S. Paulo: “Não julgueis que eu sabia alguma coisa entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1 Cor 2,2). Muito bem sabia o apóstolo que Jesus Cristo nascera numa gruta, que habitara por trinta anos uma oficina que ressuscitara e subira aos céus. Por que então escreve que não sabia outra coisa senão Jesus crucificado? Porque a morte sofrida por Jesus na cruz era o que mais o movia a amá-lo e o induzia a prestar obediência a Deus, a exercer a caridade para com o próximo, a paciência nas adversidades, virtudes praticadas e ensinadas particularmente por Jesus Cristo na cátedra da cruz. São Tomás escreve: “Em qualquer tentação encontra-se na cruz o auxílio; aí a obediência para com Deus, aí a caridade para com o próximo, aí a paciência nas adversidades, donde assevera Agostinho: A cruz não foi só o patíbulo do mártir, como também a cátedra do mestre”. (In c. 12 ad Heb.).

À SOMBRA DA CRUZ

Almas devotas, procuremos ao menos imitar a esposa dos Cânticos, que dizia: “Eu assentei-me à sombra daquele que tanto desejei” (Cânt 2, 3). Oh! que doce repouso as almas que amam a Deus encontram nos tumultos deste mundo e nas tentações do inferno e mesmo nos temores dos juízos de Deus, contemplando a sós em silêncio o nosso amado Redentor agonizando na cruz, gotejando seu sangue divino de todos os seus membros já feridos e rasgados pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos. Oh! como a vista de Jesus crucificado afugenta de nossas mentes todos os desejos de honras mundanas, das riquezas da terra e dos prazeres dos sentidos! Daquela cruz emana uma vibração celeste, que docemente nos desprende dos objetos terrenos e acende em nós um santo desejo de sofrer e morrer por amor daquele que quis sofrer tanto e morrer por amor de nós.

Ó Deus, se Jesus Cristo não fosse o que ele é, Filho de Deus e verdadeiro Deus nosso criador e supremo senhor, mas um simples homem, quem não sentiria compaixão vendo um jovem de nobre linhagem, inocente e santo, morrer à força de tormentos sobre um madeiro infame, para pagar, não os seus delitos, mas os de seus mesmos inimigos e assim libertá-los da morte em perspectiva? E como é possível que não ganhe os afetos de todos os corações um Deus que morre num mar de desprezos e de dores por amor de suas criaturas? Como poderão essas criaturas amar outra coisa fora de Deus? Como pensar em outra coisa que em ser gratos para com esse tão amante benfeitor? “Oh! se conhecesses o mistério da cruz!”. disse Santo André ao tirano que queria induzi-lo a renegar a Jesus Cristo, por ter Jesus se deixado crucificar como malfeitor. Oh! se entendesses, tirano, o amor que Jesus Cristo te mostrou querendo morrer na cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna, certamente não te empenharias em persuadir-me a renegá-lo; pelo contrário, tu mesmo abandonarias tudo o que possuis e esperas nesta terra para comprazeres e contentares um Deus que tanto te amou. Assim já procederam tantos santos e tantos mártires que abandonaram tudo por Jesus Cristo. Que vergonha para nós, quantas tenras virgenzinhas renunciaram a casamentos principescos, riquezas reais e todas as delícias terrenas e voluntariamente sacrificaram sua vida para testemunhar qualquer gratidão pelo amor que lhes demonstrou este Deus crucificado.

Como explicar então que a muitos cristãos a Paixão de Cristo faz tão pouca impressão? Isso provém do pouco que consideram nos padecimentos sofridos por Jesus Cristo por nosso amor. Ah, meu Redentor, também eu estive no número desses ingratos. Vós sacrificastes vossa vida sobre uma cruz, para que não me perdesse, e eu tantas vezes quis perder-vos, ó bem infinito, perdendo a vossa graça! Ora, o demônio, com a recordação de meus pecados, pretenderia tornar-me dificílima a salvação, mas a vista de vós crucificado, meu Jesus, me assegura que não me repelireis de vossa face se eu me arrepender de vos haver ofendido e quiser vos amar. Oh! sim, eu me arrependo e quero amar-vos com todo o meu coração. Detesto aqueles malditos prazeres que me fizeram perder a vossa graça. Amo-vos, ó amabilidade infinita, e quero amar-vos sempre e a recordação de meus pecados servirá para me inflamar ainda mais no vosso amor, que viestes em busca de mim quando eu de vós fugia. Não, não quero mais separar-me de vós, nem deixar mais de vos amar, ó meu Jesus. Maria, refúgio dos pecadores, vós que tanto participastes das dores de vosso Filho na sua morte, suplicai-lhe que me perdoe e me conceda a graça de o amar.

Fonte: “Reflexões sobre a Paixão de Jesus Cristo expostas às almas devotas”

Tradução: Pe. José Lopes Ferreira, C.Ss.R.

Publicado em Blog Quadrante (Quadrante Editora é uma entidade sem fins lucrativos, que iniciou as atividades no ano de 1964, em São Paulo, com a publicação do livro Caminho, de São Josemaria Escrivá).

Imagem: Relógio da Paixão (Pinterest).

Santa Maria – Mãe de Deus: Solenidade – 1º de janeiro – o Dogma

A Virgem Maria é também chamada de Mãe de Deus. Mas como se dá a maternidade divina? Conheça a festa e o dogma de Maria Mãe de Deus.

Quarta-feira, dia 1º de janeiro do ano do Jubileu de 2025, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus e o dia mundial da paz. A Virgem Maria é também chamada de Mãe de Deus. Mas como se dá a maternidade divina? Conheça a festa e o dogma de Maria Mãe de Deus.

Nossa Senhora foi designada e preservada desde o ventre para assumir o papel sublime de ser a mãe de Jesus. O dogma da Imaculada Conceição, proclamado pela Igreja, ressalta essa escolha divina ao designar Maria como “a toda santa”. 1 Além desse dogma, a Igreja possui outros três referentes a Maria, incluindo o reconhecimento de sua Maternidade Divina.

Neste artigo, mergulharemos no significado do dogma da Maternidade Divina, abordando passagens bíblicas que destacam Maria como Mãe de Deus e seu o fundamento teológico. Além disso, veremos o papel da Virgem Maria também como mãe na nossa vida espiritual.

Conheça aqui os quatro dogmas marianos.

O que é o dogma da Mãe de Deus ou Maternidade Divina?

Todo fiel católico deve crer nos dogmas da Igreja, ou seja, nas verdades de fé. No Catecismo da Igreja Católica encontramos o que significa o dogma da Mãe de Deus e por que a Igreja crê nesse fato.A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde que foi concebida. Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, em 431, que Maria se tornou, com toda a verdade, Mãe de Deus, por ter concebido humanamente o Filho de Deus em seu seio: «Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus dela tenha recebido a natureza divina, mas porque dela recebeu o corpo sagrado, dotado duma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne». 2

Desse modo, sendo Mãe de Jesus, que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Maria é também Mãe de Deus. Isto é o que afirma o dogma da Maternidade Divina.

O que é a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus?

A Solenidade de Maria, Mãe de Deus, é uma festa litúrgica que celebra o dogma da Maternidade Divina de Nossa Senhora. Durante esta solenidade, os fiéis recordam com alegria e reverência que a Virgem Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus. Pois concebeu e deu à luz o Filho de Deus, uma pessoa divina, a segunda pessoa da Santíssima Trindade.

Esta solenidade destaca-se como um momento propício para mergulhar na relação íntima de Maria com a obra redentora do Pai, reconhecendo-a como a Mãe do Salvador e de todos nós. E Maria é parte integrante da realidade salvadora. Além disso, a solenidade é um dia santo de guarda, é preceito na fé católica, exigindo a participação dos fiéis na celebração da Santa Missa neste dia — ou na noite do dia anterior.

celebração da solenidade de Maria Mãe de Deus no vaticano.
Solenidade de Maria, Mãe de Deus na Basílica de São Pedro. Foto/divulgação: Vatican News.

Quando é celebrada Santa Maria, Mãe de Deus?

A Maternidade Divina de Maria, celebrada desde o século VII, teve sua festa litúrgica estabelecida pelo Papa Pio XI em 1931. Desde então, a Igreja celebra a Solenidade de Maria Mãe de Deus no dia primeiro de janeiro — que é ao mesmo tempo o dia da Oitava do Natal.Nós veneramos esta maternidade no primeiro dia do novo ano. É nosso desejo, de fato, que, nesta nova etapa do tempo humano, Maria continue a abrir a Cristo a via para a humanidade, do mesmo modo que lha abriu na noite do nascimento de Deus. 3

Saiba o que é a Oitava de Natal.

A Mãe de Deus na Bíblia

A Sagrada Escritura nos oferece diversas passagens que ressaltam o papel único de Maria como Mãe de Deus. No Evangelho de Lucas, durante a Visitação, Isabel, cheia do Espírito Santo, saúda Maria, reconhecendo-a como “a mãe do meu Senhor”. Essa saudação destaca não apenas a maternidade de Maria sobre Jesus, mas sua condição como Mãe do próprio Senhor.Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre. 4

imagem da visitação, quando Isabel reconhece Maria como mãe de Deus.

O Catecismo da Igreja Católica também reforça este ponto no seu número 495:Chamada nos evangelhos «a Mãe de Jesus» 5, Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito Santo e desde antes do nascimento do seu Filho, como «a Mãe do meu Senhor» 6. Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus («Theotokos»)

Em outra passagem presente no Evangelho de Mateus, a citação da profecia de Isaías 7 destaca que o nascimento de Jesus, por meio de Maria, é o cumprimento divino da promessa de Deus de estar conosco, encarnado na pessoa de Jesus:Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa “Deus está conosco”. 8

Não deve haver dúvidas, portanto, em relação à Maternidade Divina de Nossa Senhora. Se ela é Mãe de Jesus e[…] para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para o qual caminhamos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e para quem caminhamos. 9

Fundamento teológico do dogma da maternidade divina

O fundamento teológico do dogma da Maternidade Divina remonta ao Concílio de Éfeso em 431, quando a Igreja oficialmente proclamou essa verdade de fé. O contexto envolveu a refutação das ideias equivocadas de Nestório, que separava as naturezas humana e divina de Cristo, negando assim o título de “Mãe de Deus” a Maria.

Nesse contexto, São Cirilo de Jerusalém emergiu como um defensor notável, contestando e condenando as ideias de Nestório. Suas argumentações, notavelmente expressas em cartas, foram incorporadas na proclamação dogmática. Contudo, vale lembrar que quando a Igreja proclama um dogma, ela não está introduzindo algo novo, mas reconhecendo uma realidade já existente, garantindo que não haja mais mal-entendidos.

A tradição dessa maternidade divina encontra-se em orações antigas e escritos dos Padres da Igreja, como Orígenes no século terceiro. Os Santos Padres já reconheciam que Maria não era apenas o lugar de nascimento de Jesus, mas a verdadeira fonte da encarnação divina. Santo Tomás de Aquino e o Beato Duns Scotus, doutor mariano, por exemplo, ressaltam a dignidade única de Maria como Mãe de Deus.

Além disso, mesmo reformadores protestantes como Lutero e Calvino reconheceram a maternidade divina. O fundamento teológico permeia, portanto, as Escrituras, a Tradição da Igreja e o pensamento de diversos teólogos ao longo dos séculos.

A solenidade da Mãe de Deus e a nossa vida espiritual

Esta solenidade também é um convite profundo para explorarmos a íntima relação entre Maria e a nossa vida espiritual. Quando Jesus, na cruz, diz Eis aí a tua mãe 10, Ele não apenas confiou Maria a João, mas simbolicamente a todos nós, tornando-a Mãe da Igreja, composta pela cabeça, que é Cristo, e pelo corpo, que somos nós, seus membros.

São Paulo, ao chamar a Igreja de Corpo Místico de Cristo, destaca a união vital entre Cristo e os fiéis. São Luís Maria Grignion de Montfort, formulando essa questão, destaca a necessidade natural de uma mãe dar à luz tanto a cabeça quanto o corpo. Assim, Maria, como Mãe de Deus, é também nossa mãe, uma mãe que não só deu à luz a Cristo, nosso irmão, mas que, por extensão, acolhe-nos como filhos espirituais.

menina rezando diante da imagem de Maria, mãe de Deus e nossa mãe.

Maria é, portanto, nosso modelo de vida com Deus. Sua humildade, obediência e amor são um guia para nos aproximarmos de Cristo e nos assemelharmos a Ele — o que buscamos quando pensamos na santidade. Além disso, como mãe, ela intercede por nós diante do Pai, conhecendo o papel vital da mãe na vida dos filhos. Deus, ao nos dar Maria como mãe, reconhece nossa necessidade espiritual de orientação e cuidado materno.

Por isso, recorramos à Nossa Senhora, nossa mãe. Ela deseja ser uma presença viva na nossa vida espiritual e derramar muitas graças. Mas para isso precisamos invocá-la, pedir que ela esteja presente nos diversos momentos de nossa vida. Um meio devoto e eficaz de recorrer à Nossa Senhora é repetir várias vezes ao dia: Ave Maria!A esta invocação – Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores –, a Mãe de Deus sempre responde! Escuta os nossos pedidos, abençoa-nos com o seu Filho nos braços, traz-nos a ternura de Deus feito carne; numa palavra, dá-nos esperança. 11

Conheça os mistérios do terço e saiba como rezá-lo.

Referências

  1. CIC, 493[]
  2. CIC, 466[]
  3. Papa João Paulo II, Santa Missa para o XVII Dia Mundial da Paz Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, 1º de janeiro de 1984[]
  4. Lc 1,43-44[]
  5. Jo 2, 1; 19, 25[]
  6. Lc 1, 43[]
  7. 7, 14[]
  8. Mt 1, 22-23[]
  9. I Cor 8, 6[]
  10. João 19,26-27[]
  11. Papa Francisco, Santa Missa na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus LVI Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2023[]

Publicado em Minha Biblioteca Católica.

São João da Cruz – Memória – 14 de dezembro

Origens

Juan de Yepes era seu nome de batismo. Nasceu em 1542, em Fontivaros, pertencente à província de Ávila, na Espanha. Seu pai, Gonzalo de Yepes, descendia de uma família tradicional e rica de Toledo. Porém, por ter se casado com uma jovem de família humilde, perdeu os direitos da herança. Catarina Alvarez, sua esposa e mãe de São João da cruz, era vista como sendo de classe inferior. Gonzalo, pai de São João da Cruz, faleceu ainda jovem, quando João ainda era uma criança. Por isso, a viúva, desprezada pela família do marido e obrigada a trabalhar para sobreviver, mudou-se com os filhos para a cidade de Medina.

Trabalho e vocação

Em Medina, João, já jovem, começou a trabalhar. Ele tentou algumas profissões. A última foi a de ajudante no hospital da cidade. À noite, João estudava gramática no colégio dos jesuítas. Sob a influência dos padres da Companhia de Jesus, a espiritualidade do jovem João de Yepes desabrochou. Por isso, aos vinte e um anos, ele entrou na Ordem Carmelita, procurando uma vida de oração profunda.

Estudos e caridade

Após o noviciado, João de Yepes foi transferido para a Universidade de Salamanca, com o objetivo de terminar o estudo da filosofia e da teologia. Mesmo cursando a Universidade, que exigia dele toda a dedicação aos estudos, João encontrava tempo para a caridade e fazia questão de visitar os doentes nos hospitais ou nas residências, onde prestava seu precioso serviço de enfermeiro.

Santa Tereza de Ávila cruza seu caminho

João foi ordenado sacerdote quando tinha vinte e cinco anos. Nessa ocasião, mudou seu nome para João da Cruz, pois já tinha o desejo de se aproximar dos sofrimentos da cruz de Cristo. Por causa disso, achava a Ordem dos Carmelitas muito suave, sem austeridade. Pensou, inclusive, em entrar numa congregação mais austera. Foi nessa ocasião que Madre Tereza de Ávila atravessou seu caminho. Na época, ela tinha autorização fundar conventos reformados da Ordem Carmelita. Tinha também autorização de todos os superiores da Espanha para intervir nos conventos masculinos. O entusiasmo de Santa Tereza contagiou o Padre João da Cruz e ele começou a trabalhar na reforma da Ordem Carmelita, voltando às origens da mesma, procurando reviver em todos o carisma fundante da Ordem e ajustando a disciplina.

Formador A partir de então, a Ordem Carmelita encarregou o Pe. João da Cruz na missão formador dos noviços. Por isso, ele assumiu o posto de reitor de um convento dedicado à formação e aos estudos dos novos carmelitas. Assim, ele contagiou um grande número de carmelitas e, por conseguinte, reformou vários conventos.

Barreiras e perseguições

Como era de se esperar, padre João da Cruz começou a enfrentar dificuldades dentro da Ordem. Conventos inteiros e vários superiores se opuseram às reformas quando ele começou a aplica-las efetivamente. Por isso, ele passou por sofrimentos insuportáveis se não fossem vistos com os olhos da fé. Chegou, por exemplo, a ficar preso durante nove meses num convento que recusava terminantemente a reforma proposta por ele. Tudo isso sem contar as perseguições que começaram a aparecer de todos os cantos.

Paciência, fé e louvor

Testemunhas dizem, no entanto, que Pe. João da Cruz fez jus ao nome que escolheu abraçando a cruz, os sofrimentos e as perseguições com alegria e louvor a Deus. E esta foi a grande marca de sua vida, além de seus escritos preciosos. São João da Cruz abraçou o sofrimento com prazer, desejando ao máximo, sofrer como Cristo e unir seus sofrimentos aos do Mestre, em sacrifício pela própria conversão e também da Igreja.

Doutor da Igreja

O espírito de sacrifício, o fugir das glórias humanas, a busca da humildade, a oração profunda e o conhecimento da Palavra de Deus renderam a São João da Cruz vários escritos de grande profundidade teológica e sabedoria divina. Dentre eles, destacam-se os livros Cântico Espiritual, Subida do Carmelo e Noite Escura. Por isso, ele foi aclamado Doutor da Igreja, equiparado a Santa Tereza de Ávila, também Doutora. Deixou uma grande obra escrita, que é lida, estudada e seguida até hoje por religiosos e leigos.

Apenas três pedidos a Deus

Os biógrafos de São João da Cruz relatam que ele sempre fazia três pedidos a Deus. Conta-se que ele pedia, insistentemente, três coisas a Deus. Primeiro, que ele tivesse forças para sofrer e trabalhar muito. Segundo, que ele não saísse deste mundo estando no cargo de superior de nenhuma comunidade. E, terceiro, que ele tivesse a graça de morrer humilhado e desprezado por todos, como aconteceu com Jesus. Isto fazia parte de sua mística: igualar-se ao máximo a Jesus no momento de sua paixão.

Três pedidos atendidos

Pouco antes de falecer, São João da Cruz passou, de fato, por grandes sofrimentos, advindos de calúnias e incompreensões. Foi destituído de todos os cargos que ocupava na Ordem Carmelita e passou os últimos meses de sua vida no abandono e na solidão. Antes de falecer, sofreu de uma terrível doença, sempre louvando e agradecendo a Deus por tudo. Faleceu no Convento de Ubeda, Espanha, no dia 14 de dezembro de 1591, tendo somente quarenta e nove anos. A reforma da Ordem Carmelita Descalça proposta por ele, por fim, tornou-se realidade. Pouco tempo após sua morte, São João da Cruz passou a ser venerado e seguido pelos seus confrades. Em 1952 foi aclamado como o Padroeiro dos Poetas da Espanha.

Oração a São João da Cruz (extraída do Primeiro dia da Novena)

“Glorioso São João da Cruz, que desde vossa infância fostes terno amante de Maria Santíssima e da cruz de seu Santíssimo Filho, merecendo por este amor ser protetor singular das almas aflitas e desconsoladas: Vos suplico, Pai meu, interponhais vossos rogos para com Mãe e Filho a fim de que me concedam viva fé, firme esperança, fervente caridade e terníssimo amor à cruz de meu Senhor, em cujo exercício viva e more amparado sempre de sua graça, e também consiga, se me convém, o que peço nesta novena. Amém.”

São João da Cruz, rogai por nós!

Publicado em IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA – Largo do Machado – Catete – Rio de Janeiro – RJ

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Tempo do Advento: Preparar a Vinda do Senhor

O Senhor não se retirou do mundo, não nos deixou sós. O Advento é um tempo no qual a Igreja convida os seus filhos a vigiar, a estar despertos para receber a Cristo que passa, a Cristo que vem. Editorial sobre este tempo do ano litúrgico.

“Ó Deus todo-poderoso, concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o reino celeste, para que, acorrendo com as nossas boas obras ao encontro do Cristo que vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos justos.” Essas palavras da oração coleta do primeiro domingo do Advento iluminam com grande eficácia o caráter peculiar desse tempo, em que se dá início ao Ano litúrgico. Imitando a atitude das virgens prudentes da parábola evangélica, que souberam preparar o azeite para as bodas do Esposo [1], a Igreja convida os seus filhos a vigiar, a estar despertos para receber a Cristo que passa, a Cristo que vem.

Tempo de presença

Ao dizer adventus, os cristãos afirmavam, simplesmente, que Deus está aqui: o Senhor não se retirou do mundo, não nos deixou sós.

O desejo de sair ao encontro, de preparar a vinda do Senhor[2], nos coloca diante do termo grego parusia, que o latim traduz como adventus, de onde surge a palavra Advento. De fato, adventus pode ser traduzido como “presença”, “chegada”, “vinda”. Não se trata, portanto, de uma palavra inventada pelos cristãos: era usada na Antiguidade em âmbito não cristão para designar a primeira visita oficial de um personagem importante – o rei, o imperador ou um de seus funcionários – por motivo da sua tomada de posse. Também podia indicar a vinda da divindade, que sai da sua ocultação para se manifestar com força, o que se celebra no culto. Os cristãos adotaram o termo para expressar a sua relação com Jesus Cristo: Jesus é o Rei que entrou nesta pobre “província”, nossa terra, para visitar a todos, um Rei que convida a participar na festa do seu Advento todos os que creem n’Ele, a todos que estão certos de sua presença entre nós.

Ao dizer adventus, os cristãos afirmavam, simplesmente, que Deus está aqui: o Senhor não se retirou do mundo, não nos deixou sós. Mesmo que não possamos vê-lo ou tocá-lo, como ocorre com as realidades sensíveis, Ele está aqui e vem nos visitar de muitas formas: na leitura da Sagrada Escritura, nos sacramentos, especialmente na Eucaristia, no ano litúrgico, na vida dos santos, em tantos episódios, mais ou menos comuns, da vida cotidiana, na beleza da criação… Deus nos ama, conhece nosso nome, tudo o que é nosso lhe interessa e está sempre presente junto de nós. Esta segurança da sua presença, que a liturgia do Advento nos sugere discretamente, mas com constância ao longo destas semanas, não esboça uma nova imagem do mundo ante nossos olhos? “Essa certeza, que procede da fé, faz-nos olhar o que nos cerca sob uma nova luz, e leva-nos a perceber que, permanecendo tudo como antes, tudo se torna diferente, porque tudo é expressão do amor de Deus.”[3]

Uma memória agradecida

O Advento nos convida a pararmos, em silêncio, para captar a presença de Deus. São dias para voltar a considerar, com palavras de São Josemaria, que “Deus está junto de nós continuamente. – Vivemos como se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que também está sempre ao nosso lado. E está como um Pai amoroso – quer mais a cada um de nós do que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos -, ajudando-nos, inspirando-nos, abençoando… e perdoando” [4].

Se esta realidade inundar a nossa vida, se a consideramos com frequência no tempo do Advento, nos sentiremos animados a dirigir-lhe a palavra com a confiança na oração, e muitas vezes durante o dia, lhe apresentaremos os sofrimentos que nos entristecem, a impaciência e as perguntas que brotam de nosso coração. Este é um momento oportuno para que cresça em nós a segurança de que Ele nos escuta sempre. “A vós, meu Deus, elevo a minha alma. Confio em vós, que eu não seja envergonhado!” [5]

Compreendemos também como os acontecimentos às vezes inesperados de cada dia são gestos personalíssimos que Deus nos dirige, sinais do seu olhar atento sobre cada um de nós. Acontece que costumamos estar muito atentos aos problemas, às dificuldades, e às vezes mal nos restam forças para perceber tantas coisas belas e boas que vêm do Senhor. O Advento é um tempo para considerar, com mais frequência, como Ele nos protegeu, guiou e ajudou nas vicissitudes de nossa vida, para louvá-lo por tudo o que fez e continua fazendo por nós.

Esse estar despertos e vigilantes perante os detalhes de nosso Pai no céu floresce em ações de graças. Nasce assim em nós uma memória do bem que nos ajuda inclusive na hora escura das dificuldades, dos problemas, da doença, da dor. “A alegria evangelizadora – escreve o Papa – refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos pedir.” [6] O Advento nos convida a escrever, por dizer de alguma forma, um diário interior deste amor de Deus por nós. “Acredito que vós e eu – dizia São Josemaria – ao pensarmos nas circunstâncias que acompanharam a nossa decisão de nos esforçarmos por viver integralmente a fé, daremos muitas graças ao Senhor e teremos a convicção sincera – sem falsas humildades – de que não houve nisso mérito algum da nossa parte.” [7]

Deus vem

A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos pedir (Papa Francisco)

Dominus veniet![8] Deus vem! Esta breve exclamação que abre o tempo do Advento ressoa especialmente ao longo destas semanas, e depois, durante todo o ano litúrgico. Deus vem! Não se trata simplesmente de que Deus tenha vindo, de algo do passado, nem tampouco é um simples anúncio de que Deus virá, em um futuro que poderia não ter excessiva transcendência para nosso hoje e agora. Deus vem: se trata de uma ação sempre em andamento, está acontecendo, acontece agora e continuará a acontecer conforme passe o tempo. A todo momento, “Deus vem”: em cada instante da história, o Senhor continua dizendo: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho”[9].

O Advento nos convida a tomar consciência desta verdade e a atuar de acordo com ela. “Já é hora de despertardes do sono”, “ficai atentos”, “o que vos digo, digo a todos: vigiai!”[10]. São chamadas da Sagrada Escritura nas leituras do primeiro domingo do Advento que nos lembram dessas constantes vindas, adventus, do Senhor. Nem ontem, nem amanhã, mas hoje, agora. Deus não está só no céu, desinteressado de nós e da nossa história; na realidade, Ele é o Deus que vem. A meditação atenta dos textos da liturgia do Advento nos ajuda a preparar-nos, para que a sua presença não passe despercebida.

Para os Padres da Igreja, a “vinda” de Deus -continua e conatural com seu próprio ser- se concentra nas duas principais vindas de Cristo: a de sua encarnação e a da sua volta glorioso no fim da história.[11] O tempo do Advento se desenvolve entre esses dois polos. Nos dias iniciais se sublinha a espera da última vinda do Senhor no fim dos tempos. E, à medida que se aproxima o Natal, abre-se caminho à memória do acontecimento em Belém, no qual se reconhece a plenitude dos tempos. “Por essas duas razões o Advento se manifesta como tempo de uma espera piedosa e alegre” [12].

O prefácio I do Advento sintetiza esse duplo motivo: “Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez, para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos caminho da salvação. Revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos que hoje, vigilantes, esperamos” [13].

Dias de espera e esperança

Um aspecto fundamental do Advento é, portanto, a espera, mas uma espera que o Senhor converte em esperança. A experiência nos mostra que passamos a vida esperando: quando somos crianças queremos crescer, na juventude aspiramos a um amor grande, que nos preencha, quando somos adultos buscamos a realização profissional, o sucesso determinante para o resto de nossa vida, quando chegamos à idade avançada aspiramos ao merecido descanso. No entanto, quando essas esperanças se cumprem, ou quando fracassam, percebemos que isso, na realidade, não era tudo. Precisamos de uma esperança que vá além do que podemos imaginar, que nos surpreenda. Assim, mesmo que existam esperanças maiores ou menores que dia a dia nos mantêm no caminho, na verdade, sem a grande esperança – a que nasce do Amor que o Espírito Santo pôs em nosso coração[14] e aspira a esse Amor-, todas as outras não bastam.

O Advento nos anima a perguntar “O que esperamos?”, “Qual é a nossa esperança?” Ou, de modo ainda mais profundo, “Que sentido tem meu presente, meu hoje e agora?” “Se o tempo não foi preenchido por um presente dotado de sentido, a espera corre o risco de se tornar insuportável; se se espera algo, mas neste momento não há nada, ou seja se o presente permanece vazio, cada instante que passa parece exageradamente longo, e a expectativa transforma-se num peso demasiado grave, porque o futuro permanece totalmente incerto. Ao contrário, quando o tempo é dotado de sentido, e em cada instante compreendemos algo de específico e de válido, então a alegria da espera torna o presente mais precioso” [15].

Um presépio para nosso Deus

Nosso tempo presente tem um sentido porque o Messias, esperado por séculos, nasce em Belém. Juntamente com Maria e José, com a assistência dos nossos Anjos da Guarda, lhe esperamos com o desejo renovado. Cristo, ao vir entre nós, nos oferece o dom do seu amor e da sua salvação. Para os cristãos a esperança está animada por uma certeza: o Senhor está presente ao longo de toda nossa vida, no trabalho e nos afãs cotidianos, nos acompanha e um dia enxugará também nossas lágrimas. Um dia, não tão distante, tudo encontrará o seu cumprimento no reino de Deus, reino de justiça e de paz. “O tempo do Advento nos restitui o horizonte da esperança, uma esperança que não decepciona porque é fundada na Palavra de Deus. Uma esperança que não decepciona, simplesmente porque o Senhor não decepciona nunca!” [16]

O Advento é um tempo de presença e de espera do eterno, um tempo de alegria, de uma alegria íntima que nada pode eliminar: “eu vos verei novamente, e o vosso coração se alegrará, e ninguém poderá tirar a vossa alegria” [17]. O gozo no momento da espera é uma atitude profundamente cristã, que vemos plasmada na Santíssima Virgem: Ela, desde o momento da Anunciação, esperou “com amor de mãe” [18] a vinda de seu Filho, Jesus Cristo. Por isso, Ela também nos ensina a aguardar ansiosamente a chegada do Senhor, ao mesmo tempo que nos preparamos interiormente para esse encontro, com o desejo de “construir com o coração um presépio para nosso Deus” [19].

Juan José Silvestre

[1] Cfr. Mt 25, 1ss.

[2] Cfr. Tes 5, 23.

[3] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 144.

[4] São Josemaria, Caminho, n. 267.

[5] Missal Romano, I Domingo do Advento, Antífona de entrada. Cf. Sal 24 (25) 1-2.

[6] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 24-XI-2013, n. 13.

[7] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 1.

[8] Cfr. Missal Romano, Feria III (terça-feira) das semanas I-III do Advento, Antífona de entrada. Cfr. Za 14, 5.

[9] Jo 5, 17.

[10] Rm 13, 11; Lc 21, 36; Mc 13, 37.

[11] Cfr. São Cirilo de Jerusalém, Catequese 15, 1: PG 33, 870 (II Leitura do Ofício de Leituras do I Domingo do Advento).

[12] Calendário Romano, Normas universais sobre o ano litúrgico e sobre o calendário, n. 39.

[13] Missal Romano, Prefácio I do Advento.

[14] Cfr. Rom 5, 5

[15] Bento XVI, Homilia I Véspera do I Domingo do Advento, 28-XI-2009.

[16] Francisco, Ângelus, 1-XII-2013.

[17] Jo 16, 22.

[18] Missal Romano, Prefácio II do Advento.

[19] Notas de uma meditação, 25-XII-1973 (AGP, biblioteca, P09, p. 199). Publicado em Álvaro del Portillo, Caminar con Jesús. Al compás del año litúrgico, Ed. Cristiandad, Madrid 2014, p. 21.

Publicado em Opus Dei.

13 DE OUTUBRO: DIA MUNDIAL DA COMUNHÃO REPARADORA

 Hoje, dia 13 de outubro, é o dia mundial da comunhão reparadora. Nossa Senhora fez este pedido quando apareceu a Fantanelle -Itália,  à Pierina Gilli, no dia 06 de agosto do ano de 1967, quando se festejava naquele tempo a Festa da Trasnfiguração do Senhor.

Já em Fátima, a Santíssima Virgem havia ensinado na sua terceira aparição na Cova da Iria a 13 de julho de 1917, aos três pastorzinhos Lúcia, Francisco e Jacinta uma oração a ser rezada diariamente quando fizéssemos sacrifícios e penitências pelos pecadores:

Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria!

Os insistentes apelos da Mãe de Deus à reparação nos coloca numa posição de filhos que devem consolar o seu Coração Materno, que é transpassado de dor pelos pecados dos homens ingratos. Ofereçamos à Santíssima Mãe as nossas orações, o nosso amor, as nossas penitências e sacrifícios deste dia, como um verdadeiro ato de reparação e de amor, a fim de que muitos espinhos dolorosos que perfuram o seu amantíssimo Coração sejam tirados. Supliquemos constantemente e diariamente a conversão dos pecadores, começando por nós mesmos, a viver uma vida de acordo com a vontade de Deus, afastando-nos de tudo aquilo que possa desagradar e ofender o seu Sagrado Coração, não fazendo assim Nossa Senhora sofrer, pois não tem maior sofrimento para a Virgem Santa do que ver seu Filho Divino tão ultrajado e ofendido pelos pecados do mundo.

Os pecados que determinaram os castigos da Primeira Guerra Mundial foram:

1. A imoralidade dos costumes;

2. A decadência do clero, devida ao liberalismo e a tendência à boa vida, mesmo no clero mais conservador;

3. E -evidentemente – a heresia no clero mais progressista, isto é, o Mordenismo, condenado por São Pio X, em 1908.

Dissemos que  os pecados foram a primeira causa do primeiro castigo, e, como disse e mostrou Nossa Senhora aos pastorzinhos, muitas almas se perdiam pelos pecados no começo do século XX. Que dirá hoje?

A nossa reparação oferecida a Deus deve ser de coração, de alma e de corpo. Deus está a espera daqueles que queiram se doar pela salvação do seu próximo. O próprio Jesus nos disse: Não tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos! (Jo 15,13). É isto que Deus espera de nós: Dar a vida por seus amigos!…Dar a vida pela conversão e salvação das almas e do mundo! Ser uma luz para os outros que andam nas trevas e que estão morrendo sem fé e sem esperança. Cada ato de amor oferecido a Deus pela salvação do próximo e do mundo é uma reparação por tantos pecados e blasfêmias cometidos contra a sua Majestade Divina. Cada suor derramado pela implantação do reino de amor de Cristo no coração e nas almas, são espinhos tirados do Coração da Virgem Mãe, pois ela é consolada, quando vê os seus filhos que estavam mortos espiritualmente, sendo ressuscitados para o amor e para a graça divina.

O nosso jejum, o nosso sacrifício e a nossa penitência se tornam poderosos, cheios de frutos e das graças de Deus quando são oferecidos com um coração limpo e renovado, com um espírito novo em Deus. Não adianta querermos mudar o mundo se não mudamos o nosso interior primeiramente, e o primeiro passo que devemos dar diante de Deus é o do arrependimento, pedindo perdão dos nossos pecados. Este é o primeiro ato de reparação que fazemos a Deus, quando começamos o nosso caminho de conversão, renunciando ao pecado e ao mundo; deste ato surgirão muitos outros que se complementarão e se transformarão em luz e graça para as nossas vidas. Se queremos que os nossos atos de reparação sejam perfeitos e agradáveis ao Senhor devemos pedir o auxílio e a graça daquela que mais amou e reparou a Majestade Divina, devemos recorrer à Virgem Santa Imaculada, perfeita oferenda de amor que tanto alegrou o Coração de Deus. Em união com a Virgem Maria , a reparação nunca terá presunção, falsidade ou pecado. Nenhuma imperfeição acompanha o que é feito em união com ela. Os que fazem reparação com a Virgem Imaculada, os fazem com sua fé. O que eles executam imperfeitamente, por distração, cansaço ou outra coisa, torna-se perfeito através da Virgem Maria. Precisamos pedir à Santíssima Virgem, sinceramente e de todo o coração, então ela rezará conosco. Quem tem amor-próprio não conseguirá jamais reparar, pois o amor próprio busca somente aos interesses pessoais, enquanto o amor ao próximo busca os interesses de Deus, pela salvação do mundo.

Publicado em A.R.R.P.I – Santuário de Itapiranga.

Como Rezar o Terço?

como rezar o terço

Para recordar e compartilhar

A oração do Terço (ou Rosário) é uma oração milenar da igreja. Somente um coração puro, humilde e de fé compreende o valor desta oração. Ela é destinada aos que buscam ter um coração puro como de uma criança. Mas como rezar o terço corretamente?

Muitos têm dúvidas sobre algumas orações das orações recitadas no terço ou mesmo não descobriram ainda a riqueza que é esta oração. Por isso, preparamos este artigo explicando de forma bem didática como rezar o terço e o texto das orações.

A partir da cruz, siga as orações na sequência indicada:

  • Inicia-se segurando pela cruz, com a oração do Creio
  • Reza-se um Pai Nosso, seguido de três Ave-Marias (Cada Ave-Maria é precedida de uma oração. Vide orações abaixo)
  • Recita-se: Glória ao Pai, ao Filho…
  • O terço original possui 5 dezenas de Ave-Marias, contidas nos Mistérios Gozosos, Mistérios Dolorosos e Mistérios Gloriosos. A cada dezena contempla-se o mistério, seguido de 1 Pai Nosso e 10 Ave-Marias. São João Paulo II acrescentou os Mistérios Luminosos.
  • Ao final de cada dezena reza-se Glória ao Pai, seguido da jaculatória Oh! meu bom Jesus… (vide orações abaixo)
  • Ao concluir, reza-se o agradecimento.

Orações do Santo Terço

Orações do Santo Terço na sequência da oração.

Oferecimento do Terço

Divino Jesus, eu vos ofereço este terço (Rosário) que vou rezar, contemplando os mistérios de nossa Redenção. Concedei-me, pela intercessão de Maria, vossa Mãe Santíssima, a quem me dirijo, as graças necessárias para bem rezá-lo para ganhar as indulgências desta santa devoção.

Creio em Deus Pai

Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo poderoso, donde há de vir julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.

Pai Nosso

Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossa ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.

Ave Maria

Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre Jesus. Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.

  • A primeira Ave-Maria em honra a Deus Pai que nos criou [Ave-Maria…]
  • A segunda Ave Maria a Deus Filho que nos remiu: [Ave-Maria…]
  • A terceira Ave Maria ao Espírito Santo que nos santifica: [Ave-Maria…]
  • Amém.

Glória ao Pai

  • Glória ao Pai, ao Filho e o Espírito Santo. Como era no princípio, agora é sempre. Amém.

Oh! Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente as que mais precisarem. Amém.

Na oração do Rosário contemplam-se todos os mistérios. No caso da oração do Terço, contempla-se um dos mistérios, conforme dias e mistérios a seguir:

Mistérios Gozosos(segunda-feira e sábado)

1- Anunciação do Arcanjo São Gabriel à nossa Senhora.
No primeiro mistério contemplemos a Anunciação do Arcanjo São Gabriel à Nossa Senhora.

2- A visita de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel.
No segundo mistério contemplemos a Visitação de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel.

3- O nascimento de Jesus em Belém.
No terceiro mistério contemplemos o Nascimento do Menino Jesus em Belém.

4- A apresentação do Menino Jesus no Tempo.
No quarto mistério contemplemos a Apresentação do Menino Jesus no templo e a Purificação de Nossa Senhora.

5- Encontro de Jesus no Templo entre os Doutores da Lei.
No quinto mistério contemplemos a Perda e o Encontro do Menino Jesus no templo.

Mistérios Dolorosos(terça-feira e sexta-feira)

1- A agonia de Jesus no Horto das Oliveiras.
No primeiro mistério contemplemos a Agonia de Cristo Nosso Senhor, quando suou sangue no Horto.

2- A flagelação de Jesus atado à coluna.
No segundo mistério contemplemos a Flagelação de Jesus Cristo atado à coluna.

3- A coroação de espinhos de Jesus.
No terceiro mistério contemplemos a Coroação de espinho de Nosso Senhor.

4- A subida dolorosa do Calvário.
No quarto mistério contemplemos Jesus Cristo carregando a Cruz para o Calvário.

5- A morte de Jesus.
No quinto mistério contemplemos a Crucificação e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mistérios Gloriosos(quarta-feira e domingo)

1- A ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
No primeiro mistério contemplemos a Ressurreição de Cristo Nosso Senhor.

2- A ascensão admirável de Jesus Cristo ao céu.
No segundo mistério contemplemos a Ascensão de Nosso Senhor ao Céu.

3- A vinda do Espírito Santo.
No terceiro mistério contemplemos a Vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos reunidos com Maria Santíssima no Cenáculo em Jerusalém.

4- A assunção de Nossa Senhora no Céu.
No quarto mistério contemplemos a Assunção de Nossa Senhora ao Céu.

5- A coroação de Nossa Senhora no Céu .
No quinto mistério contemplemos a Coroação de Nossa Senhora no Céu como Rainha de todos os anjos e santos.

Mistérios Luminosos (quinta-feira)

1- Batismo de Jesus no rio Jordão.
No primeiro mistério contemplemos o Batismo de Jesus no rio Jordão.

2- Auto revelação de Jesus nas Bodas de Caná.
No segundo mistério contemplemos a auto revelação de Jesus nas Bodas de Caná.

3- Anúncio do Reino de Deus.
No terceiro mistério contemplemos o Anúncio do Reino de Deus.

4- Transfiguração de Jesus.
No quarto mistério contemplemos a Transfiguração de Jesus.

5- Instituição da Eucaristia.
No quinto mistério contemplemos a Instituição da Eucaristia.

Agradecimento

Infinitas graças vos damos, Soberana Rainha, pelos benefícios que todos os dias recebemos de vossa mão liberais. Dignai-vos, agora e para sempre, tomar-nos debaixo do vosso poderoso amparo e para mais vos obrigar vos saudamos com uma Salve Rainha:

Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve! A vós bradamos, os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro nos mostrai a Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó Clemente, ó Piedosa, ó Doce, sempre virgem Maria.

V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus,
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém.

(via No colo de Maria)

Publicado em Aleteia.

Obs.: Após o Oferecimento do Terço, acrescenta-se as intenções, particulares e gerais, que, a título de exemplo, podem ser as seguintes:

INTENÇÕES DO TERÇO

  1. Em desagravo às ofensas, blasfêmias e indiferenças dirigidas ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.
  2. Pela união das famílias.
  3. Pelo Papa.
  4. Pela santificação e aumento dos sacerdotes
  5. Pelas vocações.
  6. Pela Igreja.
  7. Pelos jovens.
  8. Pelas Benditas Almas do Purgatório.
  9. Pela cura dos doentes.
  10. Pela conversão dos que não creem.
  11. Pela conversão dos pobres pecadores.
  12. Pelo triunfo do Imaculado Coração de Maria.
  13. Pela efusão dos dons do Espírito Santo.

A Quaresma, com início na Quarta-feira de Cinzas, é um tempo litúrgico muito importante para a nossa caminhada cristã

Quaresma: A CAMINHO DA PÁSCOA DO SENHOR

A CAMINHO DA PÁSCOA DO SENHOR

Tentação de Cristo – Wikipédia, a enciclopédia livre

A Quaresma, com início na Quarta-feira de Cinzas, é um tempo litúrgico muito importante para a nossa caminhada cristã. Ajuda as pessoas e as comunidades eclesiais a se prepararem dignamente para a celebração da Páscoa do Senhor.

O período quaresmal é tempo sobremaneira apropriado à conversão de vida e à renovação interior. Aliás, não há Quaresma sem conversão. Converter-se é separar-se do mal e voltar-se para o bem. É mudar radicalmente de vida e de critérios. A conversão radical insere-se no coração da vida. Exige gestos concretos de amor e de misericórdia, de partilha fraterna e de justiça. Podemos dizer que o cristão é um convertido em estado de conversão, pois a conversão dura, enquanto perdurar nosso peregrinar neste mundo.

Converter-se é procurar viver todos os dias a “vida nova”, da qual Cristo nos revestiu, transformando-nos Nele, para fazer um só corpo com Ele e com os irmãos.

Há em nós atitudes que devem morrer. Converter-se cada dia exige morrer aos poucos, sepultar-nos com Cristo para ressuscitarmos com Ele.

O amor de Deus chama-nos à conversão, a renunciar a tudo o que Dele nos afasta. O que mais nos afasta de Deus é o pecado. Pecar é estar no lugar errado, longe da amizade e da graça de Deus.

A conversão quaresmal significa, portanto, crescer na prática das virtudes cristãs. Somos sempre catecúmenos em formação permanente, progredindo no conhecimento e no amor de Cristo.

Ao longo da Quaresma, somos convidados a contemplar o Mistério da Cruz, entrando em comunhão com os seus sofrimentos, tornando-nos semelhantes a Ele na Sua morte, para alcançarmos a Ressurreição dentre os mortos (cf. Fl 3, 10-11). Isso exige uma transformação profunda pela ação do Espírito Santo, orientando nossa vida segundo a vontade de Deus, libertando-nos de todo egoísmo, superando o instinto de dominação sobre os outros e abrindo-nos à caridade de Cristo (cf. Bento XVI, Mensagem da Quaresma 2011).

O período quaresmal é ainda tempo favorável para reconhecermos a nossa fragilidade, abeirando-nos do trono da graça, mediante uma purificadora confissão de nossos pecados (cf. Hb 4, 16). Na Igreja “existem a água e as lágrimas: a água do Batismo e as lágrimas da penitência” (Santo Ambrósio). Vale a pena derramar essas lágrimas, através de uma boa confissão sacramental.

Jesus convida à conversão. Este apelo é parte essencial do anúncio do Reino: “Convertei-vos e crede na Boa-Nova” (Mc, 1, 15).

O itinerário quaresmal é um convite à prática de exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna e às obras de caridade (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1438). É igualmente um tempo forte de escuta mais intensa da Palavra de Deus e de oração mais assídua.

Quanto mais fervorosa for a prática dos exercícios quaresmais, maiores e mais abundantes serão os frutos que colheremos e hauriremos do Mistério de nossa redenção.

Também a vivência da Campanha da Fraternidade ajuda a fazermos uma boa preparação para a Páscoa. A CNBB propõe para este ano o tema “Fraternidade e a Vida no Planeta”, e como Lema: “A criação geme em dores de parto” (Rm 8, 22).

Maria Santíssima, Mãe do Redentor, guie-nos neste itinerário quaresmal, caminho de conversão ao encontro pessoal com Cristo ressuscitado.

Com o coração voltado para Cristo, vencedor da morte e do pecado, vivamos intensamente o período santo e santificador da Quaresma.

Dom Nelson Westrupp, scj – Bispo Diocesano de Santo André – SP

(fonte: http://senhorbomjesus.net)

Publicado em Ordem Franciscana – Irmãs Clarissas.

Imagem: Wikipédia.

Nossa Senhora de Lourdes: Dia Mundial do Enfermo

A memória litúrgica de hoje recorda as aparições da Virgem Maria em Lourdes, iniciadas em 11 de fevereiro de 1858. A protagonista deste acontecimento foi uma menina, chamada Bernadete de Soubirous, que, hoje, se encontra na lista dos Santos. Nossa Senhora apareceu-lhe 18 vezes, perto de uma gruta, às margens do rio Gave.

Os detalhes desta aparição foram reunidos pela Comissão diocesana, encarregada de examinar os fatos. No entanto, sabemos que Bernadete estava às margens do rio, com suas companheiras, quando percebeu uma espécie de “rajada de vento”, proveniente de uma gruta. Aproximando-se, viu que as folhas das árvores estavam imóveis. Enquanto tentava entender, ouviu um segundo “ruído” e viu uma figura branca que se parecia com uma senhora. Temendo que fosse uma alucinação, esfregou os olhos, mas a figura continuava sempre ali. Sem saber o que fazer, tirou o terço do bolso e começou a rezar: a Virgem juntou-se à sua oração. No grupo das suas companheiras, estava também sua irmã, que lhe confiou o que havia acontecido. Ao chegar à sua casa, a menina contou o que aconteceu à mãe, que a proibiu de voltar lá. A notícia espalhou-se logo pela cidadezinha. Mas, no dia 14 de fevereiro, Bernadete voltou novamente àquele lugar, com umas amigas e aconteceu a segunda aparição.

Convite a voltar por 15 dias

Em 18 de fevereiro, a menina teve outra aparição, mas, na ocasião, a Virgem pediu que ela voltasse ali por 15 dias consecutivos. No dia 25, a “Senhora” convidou Bernadete a comer grama, fazer penitência e cavar com as mãos para encontrar água.

“Eu sou a Imaculada Conceição”

Em 25 de março, a pedido de Bernadete, a Virgem se apresentou como a Imaculada Conceição. Este Dogma de fé foi promulgado pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854.

Aparições

As aparições duraram desde 11 de fevereiro até 16 de julho, em períodos diferentes: 11, 14, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 27, 28 de fevereiro de 1958; 1, 2, 3, 4 e 25 de março; 7 de abril e 16 de julho. As aparições foram reconhecidas, oficialmente, pelo Bispo de Tarbes, em 18 de janeiro de 1862.

Santuário dos enfermos

A fama de Lourdes não é tanto devido às aparições em si, quanto à mensagem de esperança para a humanidade, que sofre física e espiritualmente. Por isso, Lourdes é conhecida como o lugar que acolhe os enfermos no corpo e no espírito. Por intercessão da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, encontram paz, saúde e serenidade: uma equipe médica autônoma reconheceu 70 curas físicas e muitas conversões.

“Naquele tempo, celebravam-se as Bodas em Caná da Galileia e achava-se ali a mãe de Jesus. Foram também convidados Jesus e seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles já não têm mais vinho”. Respondeu-lhe Jesus: “Mulher, isso cabe a nós? Ainda não chegou a minha hora”. Disse, então, sua mãe aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ora, havia ali ânforas de pedra para a purificação dos Judeus, que continham duas ou três medidas (de 80 a 120 litros). Então, Jesus lhes ordenou: “Enchei as ânforas de água”. Eles as encheram até à boca. E disse-lhes depois: “Agora, levai-as ao chefe dos serventes”. E as levaram. Quando o chefe dos serventes tomou a água, que se tornou vinho, sem saber de onde vinha – embora os serventes soubessem, pois as tinham enchido de água -, chamou o noivo e disse-lhe: “É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estiverem quase embriagados, servir o menos bom. Mas, tu guardaste o vinho melhor até agora”. Este foi o primeiro milagre de Jesus, realizado em Caná da Galileia. Ele manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (Jo 2,1-11).

Caná e Lourdes

Neste contexto, podemos compreender o significado da memória de hoje: a Virgem Maria é a que, ainda hoje, continua a interceder pelos seus filhos, muito mais pelos frágeis e enfermos, de corpo e espírito, para que confiem em Jesus, Senhor e Salvador, o único que pode transformar a água em vinho, ou seja, transformar toda fadiga em alegria, o em esperança, a enfermidade em uma confiança renovada.

Dia Mundial do Enfermo

A mensagem das Bodas de Caná e a de Lourdes leva-nos a entender melhor porque, em 1992 São João Paulo II quis proclamar o “Dia Mundial do Enfermo” neste dia: no fundo, por meio de Lourdes, reafirma-se que todo enfermo ou qualquer doente, jamais pode ser descartado; pelo contrário, precisa adquirir a plena cidadania no âmbito da sua existência.

Fonte: Vatican News

Publicado em Consolata América (Instituto Missões Consolata)

Deus realiza o seu projeto: A Divina Providência

File:Pietro da cortona, Trionfo della Divina Provvidenza, 1632-39, trionfo  12.JPG - Wikimedia Commons

Pietro de Cortona – Triunfo da Divina Providência (Wikipédia)

As Sagradas Escrituras trazem relatos belíssimos acerca da atuação de Deus no mundo. Desde os primeiros tempos, Deus olha a necessidade de seu povo e intervém. Este é um fato inegável para todo cristão. Entretanto, como o mundo moderno tem se afastado cada vez mais de Deus, o homem tem tido muita dificuldade em acreditar e, até mesmo, em aceitar a Providência Divina.

Um capítulo importante do estudo sobre a Criação é o da Providência divina. Diz o Catecismo da Igreja Católica que Deus, ao criar o mundo, não o fez de maneira definitiva, acabado. A criação está em “‘estado de caminhada’ para uma perfeição última ainda a ser atingida, para a qual Deus a destinou.” (302) E a divina providência é justamente “as disposições pelas quais Deus conduz sua criação para esta perfeição.” (302)

Assim, Deus fez o mundo para ainda ser aperfeiçoado. De alguma forma, Ele quer que o ser humano seja cocriador e manifestar sua bondade no melhoramento gradual e contínuo de sua criação. A providência é um mistério que deve ser crido por todos os católicos.

A palavra providência é usada normalmente de maneira incompleta. Ela se reflete sim, na ajuda que Deus dá a certos projetos, mas ela é muito mais ampla e como tal deve ser entendida. Os passos que Deus dá ao longo da história para que a sua criatura um dia chegue à perfeição pode ser um modo mais preciso de descrevê-la. O Concílio Vaticano I, citado pelo Catecismo, explica:

Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou; ela se estende “com vigor de um extremo ao outro e governa o universo com suavidade”. Pois “tudo está nu e descoberto aos seus olhos”, mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.”

Além disso, “a solicitude da divina providência é concreta e direta, toma cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história.” As Sagradas Escrituras contém inúmeras afirmações acerca da “soberania de Deus no curso dos acontecimentos” (303). Portanto, diante de qualquer situação a indagação que se deve fazer é: x tem solução? Sim, então trabalhe para resolver x. Não tem? Então, veja que em x deve haver algo que Deus poderá utilizar para a salvação da alma.

Deus pede às suas criaturas que Nele depositem confiança. Pede “uma entrega filial a providência do Pai Celeste, que cuida das mínimas necessidades de seus filhos”. Seu cuidado se estende desde os grandes acontecimentos históricos até às menores necessidades de seus filhos.

Todavia, o cuidado que Deus tem para com sua criação não significa um cerceamento da liberdade, pelo contrário. Diz o Catecismo acerca da providência e as causas segundas que:

Deus é o Senhor soberano de seus desígnios. Mas, para a realização dos mesmos, serve-se também do concurso das criaturas. Isso não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e da bondade do Deus todo-poderoso. Pois Deus não somente dá às suas criaturas o existir, mas também a dignidade de agirem elas mesmas, de serem causas e princípios uma das outras e de assim cooperarem no cumprimento do seu desígnio. (306)

Quando Deus age também por meio de causas segundas, acaba por elevar o homem à uma dignidade ainda maior. Assim, “aos homens, Deus concede até de poderem participar livremente de sua providência, confiando-lhes a responsabilidade de “submeter” a terra e de “dominá-la”’. Ao utilizar o homem para completar a criação, Deus o transmuta em cooperador. E, como diz o Catecismo, “cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, por suas ações, por suas orações, mas também por seus sofrimentos.” Assim, “tornam-se plenamente “cooperadores de Deus” e de seu Reino.” (307)

Espiritualmente, portanto, é preciso que cada um se torne um cooperador mais consciente de seu papel. Santo Tomás de Aquino explica que quando Deus determina as coisas que irão acontecer, determina também os meios. Como exemplo, pode-se dizer que Deus quer realizar um milagre, mas Ele o quer por meio das orações.

Ele é sempre “a causa primeira que opera nas causas segundas e por meio delas.” E diz o Catecismo que “longe de diminuir a dignidade da criatura esta verdade a realça. Tirada do nada pelo poder, sabedoria e bondade de Deus, a criatura não pode nada se for cortada de sua origem, pois a criatura sem o Criador se esvai; muito menos pode atingir seu fim último sem a ajuda da graça” (308).

Deus age na vida de cada um. Esta realidade precisa ser enxergada e reconhecida. A ação divina pode acontecer por causa primeira, ou seja, diretamente, como quando ocorrem os milagres. E também por causas segundas, que podem ser irracionais ou racionais. As irracionais ocorrem quando Deus se utiliza de animais, da natureza etc., e as racionais, livres e amorosas, como os anjos, os santos do céu. Esta realidade deve aumentar em cada um o desejo de se tornar cooperador da vontade de Deus.

Fonte: Padre Paulo Ricardo

Publicado em Comunidade Mãe Rainha.

Leitura espiritual do poema “Nada te perturbe”

Em homenagem ao aniversário de nascimento de Santa Madre, publicamos a tradução de um texto de Tomás Alvares.

Fonte: Revista “Teresa de Jesús”, n. 109

Parece quase supérfluo fazer a apresentação do poema da Santa. Quem não o conhece? Nós o lemos de sua própria letra, catamo-lo, sussurrando sua música de seda. Tantas vezes repetimos seus versos em grupos de oração, abrindo espaço ao silêncio de todos. Em momentos difíceis o oferecemos ao amigo: veja que tudo passa! Nada te perturbe, dizia Santa Teresa. Deus está acima de tudo…

É tão breve o poema que apenas ocupa espaço. O reproduzimos uma vez mais, para lê-lo pausadamente e debulhar um a um a espiga de seus versos:

Nada te perturbe,

nada te espante,

tudo passa,

Deus não muda,

a paciência

tudo alcança.

Quem a Deus tem,

nada lhe falta.

Só Deus basta!

Como ler o poema? Como entendê-lo e apropriarmo-nos dele? Será um salmo sapiencial, de corte gnômico, como pretendem os entendidos? Ou um salmo íntimo, como certos poemas do saltério bíblico, que convidam a própria alma a prorromper em determinados sentimentos? Por exemplo, “Louva, minh’alma o Senhor, e todo meu seu ser Santo Nome”.

Se é um breve salmo sapiencial, deve ser lido deixando-o flechar-nos na alma como um dardo de cada verso, carregado de ressonâncias, que a partir de cada sentença, nos devolvem às sendas da própria vida, sendas às vezes tortuosas, às vezes encrespadas ou espinhosas.

Se, ao invés, é um salmo íntimo, nos introduz na alma da autora, que vai dizendo a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe”…

São duas leituras possíveis, ou dois ensaios de escuta diante da melodia de cada verso. Pessoalmente, prefiro a segunda.

O “nada te perturbe” é uma fineza em solidão. Teresa escreve seu poema a sós. Como fazem sempre ou quase sempre os poetas líricos e os místicos. É certo de que ela não compõe estes versos como um bilhete de envio para convertê-los em missiva espiritual para alguns de seus amigos. Mas os compõe como uma vivência a mais, ou como um simples balbucio da alma.

Em primeiro lugar, Teresa não costuma dirigir-se a seus amigos com o “tu”. Nem sequer à sua irmã Juana ou à sua sobrinha Teresita. Basta ler as cartas que lhes dirige. A Teresita, por exemplo: “… filha minha, muito me alegrei com sua carta e de que lhe deem contento as minhas.” A Teresa, trata-a com o “tu” a voz interior: “Teresa, não tenhas medo”; “não te metas nisso”, etc. Porém, nesse diálogo, ela é a destinatária do “tuteio”.

Ela, por sua vez, só usa a segunda pessoa falando consigo mesma. Ou melhor, quando ela fala à Teresa profunda: “tu, alma minha, por que estás triste?”

Teresa é capaz desse estranho desdobramento de personalidade que lhe permite falar com o tu de si mesma. Exatamente com seu tu interior. Ela tem densa interioridade. Falando do “castelo de sua alma”, não diz ela que se parecia com um castelo cheio de moradas? Está convencida de que, nessa densidade da alma, é-lhe possível enviar mensagens (ou clamores) a partir das moradas superficiais até a morada central do castelo. Porque o tu mais identificado com ela reside aí, no centro do castelo. Pois bem, aí, no fundo, nasce seu poema: “Teresa, que nada te perturbe”.

À parte essa chave literária ou estilística, há também outra razão puramente espiritual, para propor a leitura do poema como um murmúrio da intimidade. Teresa já tinha vivido muitas coisas na vida. Em seu drama interior, porém, aconteceu-lhe algo tremendo, que a tomou de sobressalto. Foi o encontro repentino com uma Presença interior que a transpassa e a desborda. Essa Presença novidadeira a desconcerta de tal sorte, que prontamente surge, em seu interior, uma voz capaz de sedar toda a onda. A voz interior lhe diz: “Não tenhas medo, Teresa”. Referendado pelo tremendo “Eu sou” da Bíblia. Exatamente estas três palavras: “Não tenhas medo, filha, que Eu sou, e não te desampararei” (Vida 25,18).

Esse “não tenhas medo, filha” não seria o ponto de arranque de sua inspiração poética e mística? No Livro da Vida, Teresa o comenta assim: “Parece-me que, segundo estava, eram mister muitas horas para persuadir-me a que me sossegasse, e que não bastaria ninguém. Hei-me aqui sossegada só com estas palavras, com fortaleza, com ânimo, com segurança, com uma quietude e luz, que em um segundo vi minha alma transformada… Oh, que bom Deus!” (ib).

Pois bem. Sabemos que os autênticos poemas líricos, uma vez criados, tornam-se autônomos, têm vida própria, independentes da vontade do autor que os compôs. E que por isso, são polivalentes ou polissêmicos. Cada leitor pode escutá-los livremente: ou como uma voz em que Teresa excepcionalmente o chama de tu: “a ti, leitor, que nada te perturbe”… ou pode sentir-se convocado a esse misterioso ambiente em que sucedem muitas coisas à autora, e ele a escutará dizendo-se a si mesma: “Teresa, que nada te perturbe! ‘Eu sou’ está contigo!”

Não esqueçamos. Teresa é uma contemplativa. Nutre-se de palavra bíblica. Através de suas meditações, tantas palavras bíblicas ficaram presas às cordas da harpa interior.

Em nosso poema, o certo é que cada verso resulta ser um anel enfeitado de palavras bíblicas que ela passou tantas vezes do livro aos olhos, dos olhos à alma.

Nós, leitores de seu poema, podemos rastrear o eco dessas vibrações. Sem pretensões de erudita busca literária. Senão como prolongações de onda na vivência espiritual de Teresa orante ou de Teresa poeta.

O primeiro verso – nada te perturbe – é claro eco da palavra de Jesus ao amedrontados discípulos, momentos antes da Paixão: “Que o vosso coração não se perturbe” (Jo. 14,1).

O segundo verso – “nada te espante”: não fala de susto, senão de assombro. Basta recordar qualquer outra passagem teresiana: comovia-se-lhe de gozo a alma, “espantada da grande bondade e magnificência e misericórdia de Deus” (V. 4,10). Também é ressonância do assombro dos discípulos diante dos gestos taumatúrgicos de Jesus: “Isto vos amedronta? Como estareis admirados quando vereis o Filho do Homem subir para onde antes residia!” (Jo. 6,63).

O verso “tudo passa”, que materialmente remete á consigna do filósofo grego, também é eco da palavra de Paulo: “passa este mundo” (1Cor. 7,31), ou as palavras de Jesus: “céu e terra passarão” (Mt. 34,25), seguidas da eterna vigência da palavra de Jesus – “minhas palavras não passarão” -, que dá passo à sentença do verso seguinte.

“Deus não muda”. Sim, o Senhor e sua verdade permanecem para sempre (Sl. 116,2). Para Teresa, a fidelidade de Deus na amizade (“ele é amigo verdadeiro”) contrasta com a versatilidade das amizades humanas: “Vós sois o amigo verdadeiro. Todas as coisas faltam. Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais…, que já tenho experiência da ganância com que atraís a quem só em Vós confia” (V. 25,17). Trata-se de uma antecipação do último verso do poema.

“A paciência tudo alcança”… Jesus dizia aos discípulos anunciando-lhes as perseguições: “com vossa paciência possuireis vossa vida” (Lc. 21,19). O versículo final – “só Deus basta” – é a palavra lema dos contemplativos. Trata-se do “só Deus” de São Bernardo ou do irmão Rafael. “A sós com O só” será o lema teresiano para as jovens pioneiras do Carmelo de São José.

Os três absolutos do poema são estes:

nada, nada, nada

tudo, tudo

só Deus!

Três nadas, dois tudos, um único só Deus.

É possível que a dose balsâmica e sedante que do poema impregna o leitor, deva-se à cadência dos dois versos finais, com sua assonância em a-a: “nada lhe falta / só Deus basta”. Assonância suavemente introduzida nos versos anteriores: “tudo passa – tudo alcança”.

Porém, sem dúvida, mais forte que essa cadência musical, é o medular e absoluto da mensagem que nos chega através do poema, com sua alternância de tudos – nadas – só Deus. Três vezes nada. Duas vezes tudo. E uma só vez, porém fechando o poema, no verso final: “Só Deus!” e ponto O “só Deus” e basta. Se o poema era um sedante psicológico, acima da psicologia prevalece a teologia da contemplativa e mística que é Teresa.

Rose Lemos (Ordem Carmelita Descalça Secular – OCDS)

Publicado em Lugar de Partilha.

Que presente podemos dar a Jesus neste Natal?

    Os reis magos vieram da Pérsia, iluminados por uma estrela no céu e por uma luz interior que os guiava e os dirigia para Cristo, o Messias que eles sabiam que os judeus esperavam. A tradição diz que eram reis de pequenos reinos, entendidos em ler as estrelas. Enquanto em Jerusalém ninguém esperava e acreditava, eles, na fé, procuravam o esperado Menino, sua Mãe e seu Pai em Belém. “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,1-2). São Mateus diz que o rei Herodes ficou perturbado e com ele toda a Jerusalém.

    E a misteriosa estrela os guiava até chegarem onde estava o Menino. Encontrando-O, prostraram-se diante d’Ele, “abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes ouro, incenso em mirra”. O ouro é dado ao Rei, o incenso a Deus, e a mirra à vítima a ser imolada um dia no Calvário. Que mistério!

    Que presente podemos dar a Jesus neste Natal?

    Foto ilustrativa: ArtistGNDphotography by Getty Images

    A epifania é esta manifestação de Jesus como Messias, Filho de Deus e Salvador do mundo. Esses “magos”, representantes das religiões pagãs, representam as primeiras nações que acolhem a Boa Nova da salvação pela Encarnação do Verbo. A vinda deles a Jerusalém para “adorar ao Rei dos Judeus” mostra que eles procuram, em Israel, a luz do Messias da estrela de Davi, aquele que será o Rei das nações. Isso significa que “a plenitude dos pagãos entra na família dos patriarcas” e adquire a mesma dignidade dos judeus.

    Como escolher um presente para Jesus?

    Os reis magos, que eram pagãos, souberam ver no Menino o Deus Salvador, por isso O adoraram e Lhe deram presentes. E nós, o que devemos dar a Jesus? Antes de tudo, precisamos seguir a sua Luz, a sua Estrela.

    Ora, São João da Cruz disse que “amor só se paga com amor”. Jesus só nos deu amor: Sua vida, Sua morte, Sua ressurreição. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Ele é o amor! Nossos presentes ao grande Menino devem ser presentes de amor.

    Ele disse na Santa Ceia: “Se me amais guardareis os meus mandamentos” (Jo 14,15). Então, a primeira disposição nossa deve ser de renovar o desejo de ouvir a Sua voz e obedecer-Lhe. São Jerônimo disse que “quem não conhece os Evangelhos não conhece Jesus”. O primeiro passo é conhecer o que Ele ensinou; o segundo é viver o que Ele manda.

    (…)

    Entregue seu coração para Ele!

    Jesus veio para “tirar o pecado do mundo” (Jo 1,29); Ele é o Cordeiro imolado pelos nossos pecados. Então, o melhor presente que você pode colocar na Sua manjedoura é o propósito firme de lutar, sem tréguas, sem desanimar, sem se cansar, contra os seus pecados, pois o pecado é a única ação que pode afastá-Lo do seu coração, onde Ele quer sempre estar.

    Olhe para você mesmo diante do Presépio, e pergunte ao divino Menino o que Ele quer que você mude na sua vida. Peça-lhe a sua graça, para ouvir a sua voz e ter a graça de obedecer-Lhe. Ofereça esse propósito como o seu ouro, incenso e mirra. Ele vai gostar!

    Mais do que os presentes e as microlâmpadas piscando, Ele quer seu coração; todo, inteiro, sem divisão. Então, o melhor presente é entregar-Lhe o coração determinado a amá-Lo.

    Prof. Felipe Aquino

    Publicado em Formação Canção Nova.

    O consumismo e o verdadeiro espírito do Natal

    Natal é Jesus. Assim gostaria de começar esse texto, para que já fique explícito desde o começo qual é o verdadeiro sentido dessa festa que se aproxima. Sentido esse que fica muitas vezes em segundo plano nas celebrações, dando lugar a um consumismo desenfreado que cega o espírito que deveríamos ter nessa época.

    consumismo

    Isso não é novo. Todos sabemos que nessa época o comércio fica aberto até mais tarde para que possamos comprar aquelas coisas de última hora. Conhecemos a correria para comprar o tender, o peru, o presente daquela pessoa que tínhamos esquecido, etc….

    Também não é novidade que existe uma reação à tudo isso. Podemos ver nos jornais, revistas e internet uma grande quantidade de pessoas que criticam todo esse consumismo que vemos nessas épocas. Mas aqui percebo um grande problema que estamos vivendo atualmente. Em vários desses artigos, os autores pregam um retorno à essência do Natal, que é o sentimento de família, a magia que ronda em torno a figura do Papai Noel, as luzes que enfeitam essa época “mágica”, a inocente alegria das crianças esperando o bom velhinho descer pela chaminé e outras coisas desse tipo.

    “Natal é Jesus. E não se pode confundir isso apenas com sentimentos positivos”.

    Por isso comecei o texto dessa maneira. Natal é Jesus. E não se pode confundir isso apenas com sentimentos positivos. Celebramos nessa data um acontecimento real. Deus veio ao mundo em um frágil menino, filho de Nossa Senhora de Nazaré. E é isso que devemos, como católicos, anunciar para o mundo inteiro.

    O mundo está descontente. Esse exemplo do consumismo de Natal é bem gráfico. Se percebe intuitivamente que estamos celebrando mal essa festa, mas não se percebe qual é a Verdade que mostra como celebrá-la bem. De uma maneira mais geral, podemos dizer que o mundo muitas vezes está triste, cansado e procura sua alegria em coisas que não podem dar, porque a alegria verdadeira de todo mundo está em encontrar-se com Deus.

    “Os presentes e a festa fazem parte de tudo isso. É um tempo de verdadeira alegria, mas que precisa ser entendida, para não perder o foco”. 

    Mas encontrar-se com Ele não é tão simples assim. Ele não veio cheio de pompa, em um castelo imponente. Ele veio frágil, em uma manjedoura. Só o encontramos se ficamos atentos aos sinais dele em nossa vida, como os pastores que receberam a visita dos anjos e os reis magos que seguiram a estrela que os guiava. É preciso fazer silêncio e ficar atento. Exatamente o contrário do que muitas vezes fazemos nessas épocas.

    Os presentes e a festa fazem parte de tudo isso. É um tempo de verdadeira alegria, mas que precisa ser entendida, para não perder o foco. Os reis magos trouxeram presentes para o menino Jesus. Presentes valiosos inclusive, ouro, incenso e mirra. Mas o fizeram sabendo porque o faziam. Tinham encontrado Jesus e essa era a alegria de cada um deles.

    Mas realmente não importa se não podemos comprar nada nessa época. Existe uma música que é muito bonita, a canção do pequeno tamborileiro, que conta a história de um garotinho que havia encontrado a Jesus que tinha acabado de nascer em Belém, mas como era muito pobre, só podia tocar para Ele o seu velho tambor.

    gesu-bambino

    Muitos pensariam talvez que esse não é um presente digno de Deus, mas conta a música que quando Ele ouviu o toque do tambor, sorriu para o pequeno tamborileiro. Pensemos se com as nossas atitudes nesse Natal, estamos fazendo, nós também, com que Jesus sorria ou não.

    Publicado em A12 Redação.

    Ao colocar o Menino Jesus no presépio, reze em família

    À meia-noite de 25 de dezembro, muitas famílias se reúnem para colocar a imagem do Menino Jesus no presépio. É um momento para rezar juntos, pedindo que o Senhor nasça também nos corações de cada um. Por isso, a ACI Digital selecionou estas duas orações para serem rezadas diante do presépio.

    Oração da família diante do presépio

    Menino Jesus, Deus que se fez pequeno por nós, diante da cena do teu nascimento, do presépio, estamos reunidos em família para rezar.

    Mesmo que fisicamente falte alguém, em espírito somos uma só alma.

    Olhando Maria, tua Mãe Santíssima, rezamos pelas mulheres da família, que cada uma delas acolha com amor a palavra de Deus, sem medo e sem reservas, que elas lutem pela harmonia e paz em nossa casa.

    Vendo teu pai adotivo, São José, pedimos ó Menino Deus, pelos homens desta família, que eles transmitam segurança e proteção, estejam sempre atentos às necessidades mais urgentes, que saibam proteger nossos lares de tudo que não provém de ti.

    Diante dos pastores e reis magos, pedimos por todos nós, para que saibamos render-te graças, louvar-te sempre em todas as circunstâncias, e que não nos cansemos de te procurar, mesmo por caminhos difíceis.

    Menino Jesus, contemplando tua face serena, teu sorriso de criança, bendizemos tua ação em nossas vidas.

    Que nesta noite santa, possamos esquecer as discórdias, os rancores, possamos nos perdoar.

    Jesus querido, abençoa nossa família, cura os enfermos que houver, cura as feridas de relacionamentos.

    Fazemos hoje o propósito de nos amar mais.

    Que neste Natal a bênção divina recaia sobre nós.

    Amém.

    Natal Feliz é Natal com Cristo

    Menino das palhas, Menino Jesus, Menino de Maria, aqui estamos diante de ti. Tu vieste de mansinho, na calada da noite, no silêncio das coisas que não fazem ruído.

    Tu é o Menino amável e santíssimo, deitado nas palhas porque não havia lugar para ti nas casas dos homens tão ocupados e tão cheios de si.

    Dá a nossos lábios a doçura do mel e à nossas vozes o brilho do cantar da cotovia, para dizer que vieste encher de sentido os dias de nossas vidas.

    Não estamos mais sós: tu és o companheiro de nossas vidas. Tu choras as nossas lágrimas e te alegras com nossas alegrias, porque tu és nosso irmão.

    Tu vieste te instalar feito um posseiro dentro de nós e não queremos que teu lugar seja ocupado pelo egoísmo que nos mata e nos aniquila, pelo orgulho que sobe à cabeça, pelo desespero.

    Sei, Menino de Maria, que a partir de agora, não há mais razão para desesperar porque Deus grande, belo, Deus magnífico e altíssimo se tornou nosso irmão.

    Santa Maria, Mãe do Senhor e Palácio de Deus, tu estás perto do Menino que envolves em paninhos quentes.

    José, bom José, carpinteiro de mãos duras e guarda de nosso Menino, protege esse Deus que se tornou mendigo de nosso amor.

    Menino Jesus, hoje é festa de claridade e dia de luz. Tu nasceste para os homens na terra de Belém.

    FONTE ACI DIGITAL

    Publicado em Associação Católica Gospa Mira.

    Novena de Natal – A espera do Senhor

    Começa hoje, 16 de dezembro, a Novena de Natal e a contagem regressiva para celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Estes nove dias podem ser vividos intensamente em família, no trabalho, com a comunidade, o grupo da Igreja, e tantas outras pessoas.

    Recomenda-se rezar à Virgem, a São José e ao Menino Jesus, refletindo e meditando sobre a vinda do Salvador.

    1. Oração inicial

    Deus benigno de infinita caridade que nos amastes tanto e que nos destes em vosso Filho a melhor oferta de vosso amor, para que, encarnado e feito nosso irmão no seio da Virgem, nascesse em um presépio para nossa saúde e remédio; vos damos graças por tão imenso benefício. De volta vos oferecemos, Senhor, o esforço sincero para fazer deste vosso mundo e nosso, um mundo mais justo, mais fiel ao grande mandamento de nos amarmos como irmãos. Conceda-nos, Senhor, vossa ajuda para poder realizá-lo. Pedimo-Vos que este Natal, festa de paz e alegria, seja para nossa comunidade um estímulo a fim de que, vivendo como irmãos, procuremos mais e mais os caminhos da verdade, da justiça, do amor e da paz. Amém.

    (Rezar um Pai Nosso)

    2. Oração para a família

    Senhor, fazei de nosso lar um lugar de Vosso amor. Que não haja injúria porque nos dais compreensão. Que não haja amargura porque nos abençoais. Que não haja egoísmo porque nos alentais. Que não haja rancor porque nos dais o perdão. Que não haja abandono porque estais conosco. Que saibamos caminhar até vós em nosso viver cotidiano. Que cada manhã amanheça mais um dia de entrega e sacrifício. Que cada noite nos encontre com mais amor. Fazei Senhor com nossas vidas, que quisestes unir, uma página cheia de vós. Fazei, Senhor, de nossos filhos o que desejardes, ajudai-nos a educá-los, orientá-los pelo vosso caminho. Que nos esforcemos no apoio mútuo. Que façamos do amor um motivo para amar-vos mais. Que quando amanhecer o grande dia de ir a seu encontro conceda nos encontrarmos unidos para sempre em vós. Amém.

    3. Oração à Virgem

    Soberana Maria, te pedimos por todas as famílias de nosso país; faz com que cada lar de nossa pátria e do mundo seja fonte de compreensão, de ternura, de verdadeira vida familiar. Que estas festas de Natal, que nos reúnem ao redor do presépio onde nasceu teu Filho, nos unam também no amor, que nos façam esquecer as ofensas e nos deem simplicidade para reconhecer os enganos que tenhamos cometido. Mãe de Deus e Nossa Mãe, intercedei por nós. Amém.

    4. Oração a São José

    Santíssimo São José, esposo de Maria e pai adotivo do Senhor, foste escolhido para fazer as vezes de pai no lar de Nazaré. Ajudai os pais de família; que eles sejam sempre no lar a imagem do pai celestial, a teu exemplo; que cumpram a grande responsabilidade de educar e formar seus filhos, entregando-lhes, com um esforço contínuo, o melhor de si mesmos. Ajudai os filhos a entender e apreciar o abnegado esforço de seus pais. São José, modelo de marido e pai, intercedei por nós. Amém.

    (Rezar um Pai Nosso)

    5. Meditações

    1ª Dia – 16 de dezembro

    Vamos avaliar nossos valores de modo que o Natal seja o que deve ser: uma festa dedicada à RECONCILIAÇÃO. Dedicada ao perdão generoso e compreensivo que aprenderemos com um Deus compassivo. Com o perdão do Espírito Santo podemos nos reconciliar com Deus e com os irmãos e andar em uma vida nova.

    É a boa notícia que São Paulo exclamou em suas cartas, tal como lemos em sua epístola aos Romanos 5, 1-11.

    Viver o Natal é apagar as ofensas se alguém nos ofendeu e é pedir perdão se tivermos ofendido a outros. Assim, do perdão nasce a harmonia e construímos essa paz que os anjos anunciam em Belém: paz na terra aos homens que amam ao Senhor e se amam entre si. Os seres humanos podem nos ofender com o ódio ou podemos ser felizes em um amor que reconcilia. E essa boa missão é para cada um de nós: ser agentes de reconciliação e não de discórdia, ser instrumento de paz e semeadores de irmandade.

    2º Dia – 17 de dezembro

    O segundo dia é dedicado à COMPREENSÃO. Compreensão é uma nota distintiva de todo verdadeiro amor. Podemos dizer que a encarnação de um Deus que se faz homem pode ler-se em chave desse grande valor chamado compreensão. É um Deus que fica em nosso lugar, que rompe as distâncias e compartilha nossos afãs e nossas alegrias. É graças a esse amor compreensivo de um Deus pai que somos filhos de Deus e irmãos entre nós. Deus, como afirma São João, nos mostra a grandeza de seu amor e nos chama a viver como filhos dele.

    Ler a primeira carta de João 3, 1-10.

    Se de verdade atuarmos como filhos de Deus não imitamos Caim, mas “dermos a vida pelos irmãos” (3, 16). Com um amor compreensivo, somos capazes de ver as razões dos outros e ser tolerantes com suas falhas. Se o Natal nos tornar compreensivos será um excelente Natal. Feliz Natal é aprender a nos colocarmos no lugar dos demais.

    3º Dia – 18 de dezembro

    O terceiro dia é dedicado ao RESPEITO. Uma qualidade do amor que nos move a aceitar os outros tal como são. Graças ao respeito valorizamos a grande dignidade de toda pessoa humana feita à imagem e semelhança de Deus, embora essa pessoa esteja errada. O respeito é fonte de harmonia porque nos anima a valorizar as diferenças, como o faz um pintor com as cores ou um músico com as notas ou ritmos. Um amor respeitoso nos impede de julgar os outros, manipulá-los ou querer moldá-los a nosso modo.

    Sempre que penso no respeito vejo Jesus conversando amavelmente com a mulher samaritana, tal como o narra São João no capítulo quarto de seu evangelho. É um diálogo sem recriminações, sem condenações e no qual brilha a luz de uma delicada tolerância. Jesus não aprova que a mulher não conviva com seu marido, mas em vez de julgá-la, a felicita por sua sinceridade. Atua como bom pastor e nos ensina a ser respeitosos se de verdade queremos nos entender com os demais.

    4º Dia – 19 de dezembro

    O quarto dia é dedicado à SINCERIDADE. Uma qualidade sem a qual o amor não pode subsistir, já que não há amor onde há mentira. Amar é andar na verdade, sem máscaras, sem o peso da hipocrisia e com a força de integridade.

    Só na verdade somos livres como anunciou Jesus Cristo: João 8, 32. Só sobre a rocha firme da verdade pode se sustentar uma relação nas crises e nos problemas. Com a sinceridade ganhamos a confiança e com a confiança chegamos ao entendimento e à unidade. O amor ensina a não agir como os egoístas e os soberbos que acreditam que sua verdade é a verdade.

    Se o Natal nos aproximar da verdade é um bom Natal, é uma festa em que acolhemos Jesus como luz verdadeira que vem a este mundo: João 1, 9. Luz verdadeira que nos afasta das trevas nos move a aceitar Deus como caminho, verdade e vida. Que nosso amor esteja sempre iluminado pela verdade, de modo que esteja também favorecido pela confiança.

    5º Dia – 20 de dezembro

    O quinto dia é dedicado ao DIÁLOGO. Toda a Bíblia é um diálogo amoroso e salvífico de Deus com os homens. Um diálogo que leva a seu cume e sua plenitude quando a Palavra de Deus que é Seu Filho, se faz carne, se faz homem, tal como narra São João no primeiro capítulo de seu evangelho. De Deus apoiado na sinceridade, assegurado no respeito e enriquecido pela compreensão, é o que necessitamos em todas nossas relações. Um diálogo em que diariamente “nos revestimos de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência”. Colossenses 3, 12.

    O diálogo sereno que brota de um sincero amor e de uma alma em paz é o melhor presente que podemos nos dar em dezembro. Assim evitamos que nossa casa seja lugar vazio de afeto onde andamos dispersos como estranhos sob o mesmo teto. Deus concede a todos o dom de nos comunicar sem ofensas, sem julgamentos, sem altivez, e sim com apreço que gera acolhida e aceitação mútua.

    6º Dia – 21 de dezembro

    O Sexto dia é para valorizar a SIMPLICIDADE. Simplicidade que é a virtude das almas grandes e das pessoas nobres. Simplicidade que foi o adorno de Maria de Nazaré tal como ela mesma o proclama em seu canto de Magnificat. “Meu espírito se alegra em Deus meu Salvador porque olhou a humildade de sua serva” (Lucas 1, 47-48).

    Natal é uma boa época para desterrar o orgulho e tomar consciência de tantos males que conduzem a soberba. Nenhuma virtude nos aproxima tanto dos demais como a simplicidade e nenhum defeito nos afasta tanto como a arrogância. O amor só reina nos corações humildes, capazes de reconhecer suas limitações e de perdoar sua altivez. É graças à humildade que agimos com delicadeza, sem nos crer mais do que ninguém, imitando a simplicidade de um Deus que “se despojou de si mesmo e tomou a condição de servo” (Filipenses 2, 6-11).

    Crescer em simplicidade é um admirável presente para nossas relações. Recordemos que nesta pequenez há verdadeira grandeza, e que o orgulho acaba com o amor.

    7º Dia – 22 de dezembro

    Sétimo dia é para crescer em GENEROSIDADE. É a capacidade de dar com desinteresse onde o amor ganha a corrida do egoísmo. É na entrega generosa de nós mesmos que se mostra a profundidade de um amor que não se esgota nas palavras. E isso é o que celebramos no Natal: o gesto sem igual de um Deus que dá a si mesmo. Isso São Paulo destaca: “soberba também na generosidade… pois conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo o qual sendo rico, por vós se fez pobre para que vos enriquecêsseis com sua pobreza”. É uma passagem bíblica em que o apóstolo convida aos Coríntios a compartilhar seus bens com os necessitados (2Cor 8, 7-15).

    Sabemos amar quando sabemos compartilhar, sabemos amar quando damos o melhor de nós mesmos em lugar de dar apenas coisas. Tomemos, pois, a melhor decisão: dar carinho, afeto, ternura e perdão; dar tempo e dar alegria e esperança. São os presentes que mais valem e não custam dinheiro. Demos amor, como dizia São João da Cruz: onde não há amor coloques amor, e tirarás amor.

    8º Dia – 23 de dezembro

    Oitavo dia é para assegurar a FÉ. Uma fé que é firme quando nasce de uma relação amistosa com o Senhor. Uma fé que é autêntica se está confirmada com as boas obras, de modo que a religião não seja apenas de rezas, ritos e tradições. Precisamos cultivar a fé com a Bíblia, a oração e a prática religiosa porque a fé é nosso melhor apoio na crise. Necessitamos de uma fé grande em nós mesmo, em Deus e nos demais. Uma fé sem vacilações como queria Jesus: Marcos 11, 23. Uma fé que ilumina o amor com a força da confiança, já que “o amor em tudo crê” (1Cor 13, 7).

    A FÉ é a força da vida e sem ela andamos à deriva. De fato, aquele que perdeu a fé, já não tem mais nada a perder. Que bom que cuidamos de nossa fé como se cuida de um tesouro! Que bom que nos possam saudar como à Virgem: “Feliz és tu que acreditaste” (Lc 1, 45).

    9º Dia – 24 de dezembro

    Nono dia é para avivar a ESPERANÇA e o AMOR. O amor e a esperança sempre vão de mãos dadas com a fé. Por isso, em seu hino ao amor, São Paulo nos mostra que o amor crê sem limites e espera sem limites (1Cor 13, 7). Uma fé viva, um amor sem limites e uma esperança firme são o incenso, o ouro e a mirra que nos dão ânimo para viver e coragem para não cair.

    É graças ao amor que sonhamos com altos ideais e é graças à esperança que os alcançamos. O amor e a esperança são as asas que nos elevam à grandeza, apesar dos obstáculos e das insipidezes. Se amarmos Deus, amamos nós mesmos e amamos os outros, podemos obter o que sugere São Pedro em sua primeira carta: “Estejam sempre dispostos a dar razão de sua esperança. Com doçura, respeito e com uma boa consciência” (3, 15-16). Se acendermos a chama da esperança e o fogo do amor, sua luz radiante brilhará no novo ano depois que se apaguem as luzes do Natal.

    6. Oração ao Menino Deus:

    Senhor, Natal é a lembrança de teu nascimento entre nós, é a presença de teu amor em nossa família e em nossa sociedade. Natal é certeza de que o Deus do céu e da terra é nosso Pai, que tu, Divino Menino, é nosso irmão. Que esta reunião junto a teu presépio nos aumente a fé em sua bondade, comprometa-nos a viver verdadeiramente como irmãos, nos dê valor para matar o ódio e semear a justiça e a paz. Ó Divino Menino, ensina-nos a compreender que onde há amor e justiça, ali estas tu e ali também é Natal. Amém.

    (Rezar um Glória ao Pai)

    7. Gozos

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Ó sapiência suma de Deus soberano que ao nível de um menino te rebaixaste. Ó Divino infante, vem para nos ensinar a prudência que faz verdadeiros sábios.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Menino do presépio nosso Deus e irmão, tu sabes e entendes da dor humana; que quando sofrermos dores e angústias sempre lembremos que tu nos salvaste.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Ó luz do oriente, sol de eternos raios que entre as trevas seu esplendor vejamos, Menino tão precioso, sorte do cristão, ilumina o sorriso de seus doces lábios.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Rei das nações, ilustre Emanuel, de Israel pastor. Menino que apascenta com suave cajado a ovelha arisca ou o cordeiro manso.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Abram-se os céus e chova do alto o bom orvalho, como santa irrigação. Venha belo menino, venha Deus encarnado; brilha bela estrela, brota a flor do campo.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Tu te fizeste Menino em uma família cheia de ternura e calor humano. Que vivam os lares aqui congregados o grande compromisso do amor cristão.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Do fraco és auxílio, do enfermo és amparo, consolo és do triste, luz do desterrado. Vida de minha vida, meu sonho adorado, meu constante amigo, meu divino irmão.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Vem diante de meus olhos por ti enamorados, ora beije teus pés, ora beije tuas mãos. Prosternado em terra, te estendo os braços e, mais do que minhas frases, te diz meu pranto.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Faz de nossa pátria uma grande família; semeia em nosso chão teu amor e tua paz, nos dê fé na vida, nos dê esperança e um sincero amor que nos una mais.

    Meu doce Jesus, meu menino adorado! Vem a nossas almas! Vem, não demores tanto!

    – Vem nosso Salvador, por quem suspiramos! Vem às nossas almas, vem, não demores tanto!

    Publicado em Paróquia Nossa Senhora das Dores – Odessa SP.