Solenidade da Santíssima Trindade

15/06/2025

Tudo na vida começa e termina com o Sinal da Cruz, no qual invocamos Deus que é Uno e Trino (ou seja, que é um só Deus e, ao mesmo tempo, é Pai e Filho e Espírito Santo). É assim ao se levantar, ao tomar as refeições, ao iniciar os trabalhos, diante de um perigo e, por fim, na hora de ir dormir. A Santa Missa, a nossa comunhão com o Céu, começa e termina invocando-se a Santíssima Trindade. Sim, Deus é origem e fim de tudo em nossas vidas!

Por isso hoje a Igreja, tendo passado por todos os mistérios da nossa salvação durante o ano litúrgico (o nascimento, a paixão, a morte, a ressurreição e a ascensão de Cristo, e com o envio do Espírito Santo), faz-nos contemplar um mistério grandioso da nossa fé: a Santíssima Trindade.

Neste dia é oportuno não só recordar o que sabemos deste mistério de nossa fé, mas também lembrar que fomos batizados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” e desde então chamados a viver a vida da Trindade, agora, aqui na terra, e depois no céu. Por isso hoje eu vos convido a contemplar o mistério e a lembrar o que ele significa em nossas vidas:

1. Contemplar o mistério: quem é Deus?

Uma das mais belas definições de Deus está numa das epístolas de S. João. Se lhe perguntássemos “Quem é Deus?”, o discípulo amado nos responderia: “Deus é amor” (1). E por essa definição podemos começar uma reflexão muito simples para perceber a Trindade:

Se Deus é amor, a quem Ele ama? Os homens? Sim, mas os homens começaram a existir há certo tempo. A quem Deus amava antes? O universo? Sim, mas também o universo foi criado, e em um determinado tempo não existia! Então Deus ama a si mesmo? Isso seria um egoísmo se Deus fosse uma pessoa só… então, isso quer dizer que…

Aqui surge a resposta que nos foi revelada por Cristo: Deus é Amor porque ama com amor infinito seu Filho. Eis a Santíssima Trindade: em Deus há um que ama (Pai), outro que é amado (Filho) e o amor que os une (Espírito Santo).

E quem nos revelou este mistério? Jesus Cristo! Ele nos revelou o Pai e nos deu o Espírito Santo. Se Cristo não nos tivesse revelado nunca saberíamos que Deus é assim! Foi o que disse S. Tomás de Aquino (2).

Pouco a pouco, como um bom professor (na pedagogia divina), Deus foi nos revelando quem Ele É. No Antigo Testamento fica bem claro que há um só Deus, evitando assim o erro do politeísmo (3). Deus falou-nos como se fala com um amigo, assim como ouvimos na Primeira Leitura na experiência de Moisés!

E no Novo Testamento Jesus confirma que Deus é um, mas diz também que Nele existem três Pessoas diferentes. Por isso ouvimos no Evangelho aquela conversa noturna com Nicodemos, em que Cristo revela tesouros preciosos sobre a nossa fé, principalmente sobre a Trindade!

É claro que amor é mistério, ou seja, vai além da razão. Não seria possível apenas com os nossos raciocínios e a nossa capacidade intelectual chegar a essa conclusão. E ainda que Deus tenha nos revelado em Jesus quem Ele é, a penumbra do mistério vai continuar sempre, nesta vida, até o dia em que “ante o fulgor daquela luz, não haverá duvidas” (4).

2. Viver o mistério: Deus nos ama e mora em nós!

a) Como Deus nos ama?

  • Tanto Deus amou o mundo que nos criou: Ele nos amou desde o princípio, quando nos tirou do nada. É por seu amor que somos sustentados na existência. Se por um minuto Deus deixasse de nos amar (de pensar em nós) desapareceríamos, para sempre!
  • Tanto Deus amou o mundo que nos redimiu: Tendo o pecado nos afastado Dele, Ele veio em nosso socorro. E por isso enviou seu Filho que nos mostrou o rosto misericordioso do Pai e pagou o preço do nosso regaste, se fazendo vítima por nossas ofensas.
  • Tanto Deus amou o mundo que nos santifica: E tudo isso começou pelo Batismo, quando as portas do céu foram abertas para nós. E o Espírito Santo nos conduz para que não nos desviemos do caminho. E assim caminhamos para a vida eterna, que não é outra coisa senão Deus mesmo.

b) Como Deus mora em nós?

É importante falar também no dia de hoje sobre o “mistério da inabitação divina”, ou seja, da presença de Deus na alma humana através da Graça. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada” (5). É o mistério da adoção divina. É de certa forma já uma antecipação do Céu…

Foi para isso que fomos criados, redimidos e santificados! Somos criaturas que foram elevadas à ordem sobrenatural. E assim podemos conhecer e amar a Deus. Desde o batismo Deus mesmo mora na alma humana e a conduz para viver para sempre na intimidade divina.

Por fim, chamo a atenção para a bela a oração de Moisés ao Senhor, na primeira leitura: “Caminha conosco!” (Ex 34, 9). Pela divina revelação de Cristo podemos fazer uma oração mais ousada que a de Moisés: “Senhor, vem morar em nós para que possamos morar em Vós!”.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém!

(1) Cf. 1Jo 4, 8.16. (2) cf. Suma Teológica, I, q. 32, a.1. (3) Cf. Dt 6, 4. (4) S. Agostinho, De Trinitate, L. XV, c. 25, n. 45. (5) Jo 14, 23.


Textos para meditação

01 | Disse S. Catarina de Sena: “Tu, Trindade eterna, és mar profundo, no qual quanto mais penetro, mais descubro, e quanto mais descubro, mais te busco” (S. Catarina de Sena, Diálogo, 167).

02 | Sabemos que Deus começa a fazer morada em nós pelo Batismo, mas é pela Eucaristia que toda a Trindade passa a nos ser ainda muito mais íntima. Foi o que disse um abade beneditino: “A alma que acaba de comungar é um verdadeiro santuário, porque a Eucaristia, ao comunicar-lhe o corpo e o sangue de Cristo, lhe dá além disso a divindade do Verbo unido em Jesus com laços indissolúveis à natureza humana. (…) Quando a Trindade fixa em nós sua morada nossa alma se converte no céu, onde se realizam as misteriosas operações da vida divina” (Dom Columba Marmion, Jesuscristo em sus mistérios, Ed. Difusión Chielena S.A., Santiago: 1943, p. 437-438).

03 | Se Deus é comunhão, e como somos feitos a sua imagem e Ele mora em nós, nós só nos realizamos no amor, na vida fraterna. É o que São Paulo nos fala na sua Epístola aos Coríntios. Os gestos concretos dessa presença divina em nós são: alegria, aperfeiçoamento, coragem, concórdia e a paz.  É desta carta, vale lembrar, que a Igreja tira a saudação utilizada no início da Missa: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós (2Cor 13, 13).

04 | “Oh, meu Deus, Trindade a quem adoro! Ajuda-me a esquecer-me totalmente de mim, para estabelecer-me em Vós, imóvel e tranquila, como se minha alma estivesse já na eternidade. Que nada possa perturbar minha paz, nem fazer-me sair de Vós. Oh meu imutável! Senão que a cada minuto me mergulhe mais na profundidade de vosso mistério” (Elisabete da Trindade, Notas Íntimas, em Obras Selectas, BAC, Madrid: 2000, p. 110-112).

Padre Anderson Santana Cunha

Publicado em Pastor Bonus.

PENTECOSTES E OS DONS DO ESPÍRITO SANTO

SOLENIDADE

Ficheiro:Pentecostes - autor desconhecido.jpg – Wikipédia, a enciclopédia  livre
Wikipédia

No Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, reside o Amor supremo entre o Pai e o Filho.  Foi pela ação do Divino Paráclito que nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou no seio da Virgem Santa Maria, e foi pela correspondência e docilidade ao Espírito Santo que os Apóstolos e os discípulos de Jesus anunciaram a Boa Nova da Salvação nas primeiras comunidades cristãs e nas comunidades que as sucederam no decorrer da História.

O Espírito Santo é a Alma da Igreja, o Dom pascal por excelência, o Promotor da renovação e das mudanças, o Mestre da harmonia, a Lei espiritual que sela a nova e eterna aliança e que consagra o novo povo real e sacerdotal que é a Igreja e, por isso, podemos falar, legitimamente, da perenidade de Pentecostes, pois cabe a todos nós, fiéis cristãos, o direito, o dever e a grata alegria de professar que o Pentecostes continua na vida da Igreja, nas nossas comunidades e em nossas vidas.  No meio do inverno sombrio do mundo, que muitas vezes tenta apagar a chama da nossa fé e da esperança, nós temos que ter coragem, fortaleza e ousadia para mantermos vivo, aceso e incandescente o fogo renovador de Pentecostes; afinal, “Deus não nos deu um Espírito de timidez, mas de força, de amor e de sobriedade”. (2 Tm 1,7).

Contemplando, com os olhos da fé, a História da Igreja desde o dia de Pentecostes, nós adquirimos a consciência de que o Espírito Santo realiza maravilhas nas almas e nos corações de todos aqueles que são dóceis às Suas divinas inspirações. Nessa contemplação, com o coração em chamas, nós sentimos a necessidade de dar graças ao Senhor pelos prodígios que o Divino Espírito realizou nestes vinte e um séculos de cristianismo, suscitando em toda a parte um novo ardor apostólico, um esmerado empenho em amar e servir a Deus e aos irmãos com total dedicação, derramando efusivamente dons e carismas sempre novos, atestando Sua ação incessante no coração dos seres humanos.

Em nossas vidas, precisamos do contínuo auxílio do Divino Paráclito para vivermos como batizados, crismados, membros do Corpo Místico de Cristo e filhos de Deus, pois “todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus”. (Rm 8, 14). Nesse serviço a Deus e à Igreja, o Espírito Santo não deixa jamais de enriquecer o nosso testemunho com os dons espirituais e os carismas que Ele concede com generosidade à Igreja. Entre estes carismas, podemos citar o gosto pela oração, a experiência do silêncio e a generosidade em compartilhar o que temos com os pobres e os excluídos.

Por meio da docilidade, nós abrimos as portas da nossa alma ao Espírito Santo para que Ele possa derramar em nossos corações os sete preciosos dons que agem na nossa vontade e em nossa inteligência, ajudando-nos a enaltecer o louvor e a adoração a Deus. Os dons que recebemos do Paráclito não se destinam unicamente para nós, pois eles pertencem à Igreja e só permanecem quando são colocados a serviço da comunidade. Estes sete dons – sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e santo temor de Deus – são graças divinas, auxílios do Alto e, somente com nosso esforço, não podemos fazer com que eles cresçam e se desenvolvam e, por isso, necessitamos de uma ação direta e eficaz do Espírito Santo para podermos agir com perfeição cristã. Os sete dons podem ser comparados a sete velas de um barco que nos conduzem ao Porto seguro da santidade. Nesta viagem em direção à vida eterna, nesse caminho de identificação com o Cristo, o Divino Paráclito vem em auxílio da nossa fé com os dons do entendimento e da ciência. Para incrementar a nossa esperança, recebemos o dom do santo temor de Deus e, para aprimorarmos a nossa caridade para com Deus e o nosso próximo, recebemos o dom de sabedoria.

Pela adesão ao dom de sabedoria, bradamos que fomos criados para conhecer, servir e amar a Deus e, por isso, não poupamos esforços para amar a Deus acima de todas as coisas. Pelo dom do entendimento, aderimos sem reservas às verdades reveladas pelo Cristo, abraçamos a alegria do Evangelho, cumprimos os Mandamentos, vivemos as Bem-aventuranças e compreendemos que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Pelo dom do conselho, o Espírito Santo nos ajuda a vislumbrar os meios oportunos para que possamos crescer e perseverar na fé e assim, um dia, galgarmos o céu, ou seja, Ele nos ajuda a trilhar o rumo certo e nos impulsiona a guiar, com bons conselhos, o nosso próximo no caminho do bem.

Pelo dom da fortaleza, Deus nos propicia a coragem necessária para enfrentarmos as tentações, as perseguições e as noites escuras que podem surgir em tempos de pandemia. O dom da ciência aperfeiçoa a nossa inteligência e nos faz perceber que todo o conhecimento vem de Deus. Esse dom nos auxilia na compreensão das Sagradas Escrituras, do Catecismo e da Doutrina Social da Igreja e nos faz perceber que, se temos talentos, capacidades, deles não devemos nos orgulhar, porque os recebemos de Deus.  O dom da piedade inclina-nos para as coisas de Deus e nos ajuda a perceber os frutos salutares da oração, do silêncio, da adoração e das práticas de piedade. É esse dom que nos leva a bradar nos momentos de adoração: “Senhor, como é bom estarmos aqui!”. Pelo dom do santo temor de Deus, tomamos cuidado para não entristecermos o Cristo. Desse modo, lutamos contra o pecado, o mal, o egoísmo e a indiferença e professamos: “Antes morrer do que pecar!”

Pela contínua adesão, correspondência e intimidade aos dons do Espírito Santo, crescemos na intimidade com o Cristo e reforçamos nossa pertença a Deus e à Igreja, testemunhando ao nosso próximo:  O Espírito Santo “é um bom Hóspede, encontrou-nos famintos e saciou-nos, encontrou-nos sedentos e inebriou-nos”. (Santo Agostinho).

Peçamos à Virgem Santa Maria, que permaneceu em oração com os Apóstolos em Pentecostes, que interceda por nós junto a Deus, concedendo-nos a graça de recebermos os dons divinos, apesar de nossa miséria, de nossa indignidade. Que Ela nos ajude na docilidade ao Divino Paráclito e na vivência cotidiana da fé, pois o nosso mundo e o nosso tempo têm grande necessidade de fiéis cristãos que, como raios de luz, luzeiros de esperança, encharcados pela chuva penetrante do Espírito, abrasados pelo fogo purificador da santidade, saibam comunicar o fascínio da Boa Nova da Salvação e a força propulsora da vida nova no Espírito Santo.

Aloísio Parreiras

(Escritor e membro do Movimento de Emaús)21/05/2021.

Publicado em Arquidiocese de Brasília.